sábado, 20 de fevereiro de 2010

João Só

João, esse homem.
Cuja história vou contar
Nunca teve fama
Que se possa comentar
Nunca teve nome famoso
Comida na sua casa era raro
Tudo na sua vida era caro
Não tinha dinheiro pra ganhar
Nasceu no interior Nordestino
Vamos contar um pouco do seu destino


Naquele maldito ano, a seca se alastrou.
Perderam-se as lavouras, e o açude secou
Os animais morriam de sede e fome
E os urubus faziam a festa, do resto que sobrou
Quando João teve a maldita idéia:
Vou embora dessa terra, tudo já se acabou.



João amanheceu o dia, num desespero total.
Reuniu a família, e comunicou: vamos embora pra Natal
Vendeu o burro e a carroça
Os porcos as galinhas e o guiné
De serventia só ia levar, os meninos, os teréns e a muié.



Chegando na Capital, vou ter que lutar
Meus filhos terão comida
E escola para estudar
Terá água, terá roupa
Terá casa para morar.


Chegando na favela do fio
Pararam para dormir
Deitaram todos no chão
Sem nada pra se cobrir
Quando dormiram, dizia João:
Quero Sair daqui, antes do sol abrir.

Quando estavam todos dormindo
João olhou para a mulher com tristeza
Com a lida do dia a dia perdeu toda a beleza
Ficou velha de repente
Com a boca funda, perdeu até os dentes
A bunda ficou mole, e os ossos salientes
Era tão bela quando a conheceu
Dançando no forró de Zé Bartolomeu.


Logo cedo João acordou
E levantou a família
Vamos embora dessa maloca
Esse local não tem serventia
Vamos embora para outro lugar
Aqui é uma esculhambação
Não presta para morar, só tem vadiação.


Potiguara sua filha, pegou a mala
Poti seu filho o sacolão
Izabel sua mulher, a sesta de estimação
João pegou os pratos, as panelas e o fogão
Botaram tudo na cabeça
E saíram, sem rumo e sem direção.


Saíram de rua afora, sem conhecer a metrópole
Dizia João muito contente: talvez hoje desse sorte
Eu não vim pra Capital, para ter desilusão
Eu tenho que melhorar de vida
E dar a meus filhos, vida boa e educação
Quando deu por si, estava no lixão


João com a família catava papel e papelão
Era uma vida dura, morava em um barracão
E os anos se passavam, e era a mesma situação
Vivia com os olhos marejados, lembrando do sertão
Cadê as escolas, cadê a saúde, cadê a educação
Pobre não tem direito a essas coisas de barão.






Os filhos de João entraram no ritmo da sociedade
Queriam possuir os objetos da moda, com toda facilidade.
Diziam que queria sair do lixão para ter felicidade
Iam abandonar os pais, para viver em liberdade.



Potiara e Poti abandonaram o lixão
Arranjaram mal companhias, viviam na devassidão
Levavam a vida igual a um furacão
Potiara como puta e Poti como ladrão


Poti assaltava postos de gasolina
Roubava o dinheiro dos bancos
Matava gente, tinha uma mente assassina
Aquele menino bom virou meliante
Nem parecia aquele rapaz, pouco falante.
Não lembravam dos conselhos da mãe, nem do pai João.
E todos já diziam: vai acabar dentro do rabecão.


Potiara desinformada transava sem camisinha
Era uma desvairada, medo de nada ela tinha
Era uma morena alta, bonita e fogosa
Não dava importância, a doença contagiosa.
Talvez um dia fosse se arrepender
Não sabia ela, como a vida é gostosa.


A polícia quando chegava no barraco de João
Revirava tudo, das camas velhas, até o fogão
E ainda gritava alto: Onde está o seu filho ladrão!
Empurrava D. Izabel, e a chamavam de alcoviteira
Você também é safada, não venha conversar besteira
Quem tem filho ladrão, vai sofrer a vida inteira.



D. Izabel chorava com sentimento profundo
Meu Deus o que está acontecendo com minha família
Nasci para sofrer nesse mundo
Nesses dias a Polícia faz do meu filho um defunto.




Potiara ficava a noite inteira
Rodando do Alecrim a Via Costeira
Para pegar coroas, que pagava mais real.
Mas sua mãe dizia: Você ainda vai acabar mal


Potiara estava magra
Da vida que levava
Seca que só um graveto
A vida estava ruim, tudo lhe faltava
Uma noite na batalha, Potiara passou mal
Foi levada imediatamente, ao leito de um hospital
Feito todos os exames, veio à notícia fatal
Potiara estava com AIDS, em estado terminal.


Potiara estava tão fraca, que não agüentou a pneumonia
Morreu de AIDS, lhe botaram na pedra fria
João e D. Izabel liberam seu corpo
E sepultaram no outro dia
A mãe chorava e se lastimava:
Descansou da triste vida que vivia.


João voltou com D. Izabel
Para o barraco do lixão
E se lamentavam: não tivemos dinheiro nem pro caixão
Vamos esperar em casa, pela outra execução.


A polícia e Poti era igual a gato e rato
Poti se escondendo, achava tudo aquilo um barato
A cara de Poti estava nos jornais e na televisão
Era um homem marcado para morrer, não tinha outra solução
Poti com um revólver na mão era um verdadeiro Lampião


No tiroteio fatal, a polícia matou Poti em Felipe Camarão
Poti levou 42 tiros, um deles no coração
Juntou muita gente, foi aquela multidão
Assim termina todos bandidos com fama de valentão


Estirado no asfalto, em plena segunda-feira
Uma mulher cobriu o corpo de Poti, com um pedaço de esteira
Assim termina todos bandidos, sem eira e nem beira
Morreu um desajustado social, que fez da vida uma besteira.
João foi ao ITEP, ver o filho pela vez derradeira
Botaram o corpo de Poti, dentro da geladeira
João chorava ao vê o corpo do filho, furado igual a uma peneira
E dizia: Adeus meu filho, descansasse dessa vida cangaceira.


Poti foi sepultado como indigente
Só com a presença do pai, não tinha mais nenhum parente
Morreu mais um Nordestino, da injustiça social dessa gente
Não vai ficar só nesse, se não tiver alguém que tome a frente.


D. Izabel sentia-se desampara, naquele barraco vazio
Onde estava as suas crias? Que ela cobria em noites de frio
Cadê meus filhos? Que a violência não teve compaixão
Será que vale a pena, viver nesta triste solidão


Foi assim que D. Izabel
Ateou fogo na roupa
Como uma tocha humana
Saiu no lixão a correr
Quando chegou no meio do lixo
Caiu para morrer.


João disso tudo, tirou uma triste lição
Vou embora dessa cidade, vou voltar para o sertão
Nesta cidade tive perda totalTenho fé em Deus, que nunca mais piso em Natal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário