quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Pobres Crianças Ricas


Dia 24 de dezembro, véspera de Natal, dia em que todas as famílias se reúnem para comemorar a data do nascimento de Jesus Cristo. Natal é a data de confraternizações, em que as famílias se abraçam e se beijam, dia de se fazer grandes amizades, esquecerem as magoas e perdoar, deixar os rancores para trás. Data de projetos para um novo ano que se aproxima, data onde todos trocam presentes com as pessoas que mais se amam. Quase em todas as casas num canto da sala colocam uma arvore de Natal, nas casas mais abonadas as arvores são lindas com bolas cintilantes com uma ponteira em forma de estrela, rodeada com festões nas cores verde e vermelho. Existem até casas com presépio com manjedoura, animais e os três Reis Magos enfileirados. Mas existem as casas dos pobres que também tem uma arvore de Natal, que é feita com qualquer galho de pau encontrado no quintal, enfeitadas com caixinhas de fósforo enroladas em papel de presente, rodeada com papel de seda, o galho da arvore é enfiado numa lata cheia de areia, vale do mesmo jeito das arvores dos mais abonados. As festas natalinas são para todos, não tem escolha monetária para o Natal, a festa é para comemorar o nascimento de Jesus Cristo, de um Deus só para todos, que não descrimina e nem excluiu nenhum dos seus filhos que povoa a terra.
Mas alguns anos atrás era véspera de Natal, a noite estava linda, a lua e as estrelas clareavam a terra, cidades decoradas com temas natalinos encantavam suas populações. Chopins e lojas com grandes Magazines com monstruosas decorações de lâmpadas coloridas faziam alegria das crianças ricas. Festões verdes e vermelhos enfeitam ruas e avenidas, senhores de barba branca vestidos de Papai Noel chamavam as pessoas para entrarem nas lojas e fazerem suas compras. Crianças de classe media alta tiravam fotografias no colo de Papai Noel, outras crianças que os pais também tinha o poder monetário alto, escolhia os seus brinquedos eletrônicos de última geração. As Prefeituras, os Governos Estaduais e Federal gastavam fortunas com decorações de pontes, avenidas e palácios onde eles mesmos moram ou trabalham, ainda tem Prefeitos que ficam disputando com outras cidades quem faz a arvore de Natal mais alta. Mesmo Assim forçam os habitantes a economizar energia elétrica, como também os obrigam a um tal de horário de verão que não serve para nada, tudo isso para mostrarem imponência de suas belas administrações que estão fazendo. Tem Prefeitos de algumas cidades do Nordeste que fazem grandes eventos com: Alto de Natal, Alto disso, Alto daquilo, é tantos eventos monstruosos que se perdem as contas, pagam cachês astronômicos a cantores que trazem do sul do País, e as crianças das periferias precisando de ventiladores nas salas de aula, de bebedouros, de uma merenda melhor na suas escolas, mas os gestores matam a fome dos pobres com bandas famosas no centro da cidade, cantando musicas com palavras obscenas deturpando as mentes das crianças, e todos ficam satisfeitos, elogiando o Prefeito que a banda era muito boa. Foi num desses dias que a fadinha Benedita saiu de sua terra dos excluídos para dar um passeio e visitar os seus amiguinhos. Pegou sua varinha de condão, apontou para o céu e saiu voando, passou por varias cidades. Chegando na favela da Maré no Rio de Janeiro, foi até o barraco onde Joãozinho seu amiguinho morava, ele estava radiante de alegria, o pai estava trabalhando como frentista num posto de gasolina, ganhou do pai um carrinho de presente, na ceia de Natal comeram frango assado de padaria, farofa e refrigerante. Saiu para São Paulo, viu muitas crianças dormindo nas marquises das lojas. Na Praça da Sé, e debaixo dos viadutos crianças cheiravam cola e fumavam maconha. A fadinha saiu muito triste com que estava acontecendo com as crianças de São Paulo e todo País, até nas cidades menores do Brasil a droga tinha chegado. Saiu indignada, como um relâmpago voou até a cidade de Natal, foi até a favela do Maruim, encontrou Tininha uma de suas amiguinhas brincando com uma boneca de plástico que o pai lhe deu de presente. A fadinha Benedita saiu radiante, quando olhou estava na Praia de Ponta Negra, viu muitas crianças nos sinais de trânsito pedindo esmola, meninas ainda criança vendendo o corpo no calçadão para os estrangeiros que vinham fazer turismo sexual. A Fadinha saiu chorando de pena daquelas inocentes tão maltratadas pela vida. Saiu voando sem destino, até chegar em São Paulo novamente. Passando pelo bairro do Morumbi, um dos bairros mais chique de São Paulo. Sobrevoando por uma cobertura viu um casal de crianças tristes, cada um no seu quarto, uma das janelas da cobertura estava aberta, a Fadinha Benedita entrou rapidamente, a primeira criança que estava triste assustou-se:
--- Quem é você?
--- Ora, ora, eu sou a fada Benedita!
--- Fada Benedita? Eu nunca vi fada negra. Você é ladrona, entrando pelas janelas das coberturas das pessoas ricas. Quem entra pela janela, só pode ser assaltante, vou telefonar para 190 chamando a polícia, dizendo que uma negra quer assaltar nossa cobertura.
--- Não amiguinha, não sou assaltante, eu sou fada mesmo, eu sou uma fada Brasileira, eu venho da terra dos EXCLUÍDOS.
--- Mentira, não existe fada Brasileira, todas as fadas são Européias, todas são loiras e bonitas e tem os olhos verdes, você é uma negra muito da feia, e negra no Brasil não tem poder de nada. Só servem para serem empregas doméstica e faxineiras.
--- O que é isso queridinha, eu sou fada mesmo, e Brasileira, olhe minhas roupas, verde, amarela e azul, minha varinha de condão tem poderes maior do que essas outras fadas que você conhece.
--- Não. Todas as estórias infantis que conheço, as fadas são bonitas, como Sininho do Peter-Pan. As heroínas são louras de olhos azuis, Alice no País das Maravilhas, a Bela Adormecida, Branca de Neve a Gata Borralheira e Chapeuzinho Vermelho. Das Estórias Brasileiras só vi falar no Saci Pererê um negro feio que só tem uma perna e está constantemente com um cachimbo na boca.
--- Tudo bem linda criança. Sabe por que acontece tudo isso? Todas as pessoas que você se relaciona são preconceituosas, estão lhe educando muito mal, colocaram na sua consciência que você não deve se relacionar com pessoas da cor negra, principalmente onde você estuda.
--- Mas é assim mesmo, em todos os meus livros de História do Brasil, só tem negro amarrado apanhando, e acorrentados, então eles só servem para apanhar.
--- Vamos deixar essa conversa de lado, depois voltamos ao assunto. Quer ver o que faço com minha varinha?
--- Eu sei, essa sua varinha de condão é comprada no Paraguai, sua varinha de condão é Pirata, iguais os DVDs e CDs que vendem nas calçadas.
--- Quem lhe disse isso?
--- Quase tudo que o Brasil vende hoje em dia é Pirata, aqui não se respeita ás leis. As coisas de qualidades vêm tudo dos Estados Unidos, comprado na quinta avenida, em Nova Iorque aonde minha mãe vai todos os anos, só para mostrar os casacos de pele que ela tem guardado, e não pode usar aqui porque não tem neve.
--- Não é bem assim, aqui também tem coisas muitas boas, sem ser falsificadas, não generalize tudo que você ver.
--- Eu e meu irmão somos muitos desconfiados das pessoas de sua cor, todos eles são assaltantes, fazem seqüestros e roubam bancos, assim meus pais dizem.
--- Como eu estava lhe dizendo, eu sou uma fada Negra e Brasileira. E vou lhe ensinar mais um nome que você não conhece, Afrodescendentes, é o nome que o pessoal de nossa cor é chamada agora, nós vamos ganhar até estatuto, só falta o Presidente sancionar a lei.
--- Fada Brasileira, Afrodescendente, estatuto, nunca vi falar nisso. Me engana que eu gosto.
--- Como é seu nome meu amor.
--- Juliana...
--- Qual é sua idade?
--- Dez anos.
--- Minha amiguinha Juliana, você parece uma criança muito revoltada, não gosta de negros, hoje é véspera de Natal, de confraternizações e de se fazer amizades, você é muito ranzinza, está com o coração cheio de magoas e revolta. Você fica nessa cobertura trancada, sem comemorar a data de nascimento de Jesus Cristo. Eu quero lhe ajudar.
--- Como uma pessoa como você pode me ajudar? É negra, não tem instrução, os piores empregos no Brasil são de vocês, até para entrar numa faculdade, foi preciso invetaram cotas.
--- Sabe porque isso? É porque os governos não têm escolas de boa qualidade para todos, ver se os filhos do Ministro da Educação estudam em escola estaduais, ver se os filhos dos Secretários de Educação dos Estados estudam em escolas do estado deles, e comem aquela merenda ruim que fornecem, eles deviam colocar os filhos deles para estudar junto com todas as crianças das periferias para dar exemplo.
--- Você é uma negrinha muito atrevida, tem respostas para tudo.
--- Eu sou defensora das classes que a sociedade rejeita, eu faço inclusão, por isso sou fada.
--- Eu só acredito que você é fada de verdade, se fizer alguma coisa mirabolante.
--- Por exemplo.
--- Faça esses animais de pelúcia ficarem vivas.
A fada Benedita apontou varinha de condão para um cachorrinho de pelúcia e um gatinho que estavam na cama de Juliana, disse as palavras mágicas:
--- “Igualdade para todos”
Rapidamente os dois animaizinhos viraram um cachorrinho e um gatinho de verdade, começaram a correr pelo quarto de Juliana. A menina ficou admirada com a mágica da fada Benedita. O gatinho e o cachorrinho pularam para o colo da menina, lábia o seu rosto, não saíam do colo dela.
--- Agora acredito, você e fada mesmo, quem diria uma fada Brasileira. Vou chamar meu irmão.
Saiu correndo e foi chamar o irmão Juliano, que estava em outro quarto, jogando Vídeo Game. Juliana chegou com o irmão, que era mais novo do que ela. Juliano ficou decepcionado com a fada que estava fazendo mágicas, os bichinhos de pelúcia da irmã estavam todos correndo dentro do quarto. Perguntou:
--- Essa fada não sabe de nada, ela é negra.
--- Sabe sim Juliano, esses bichinhos não tinham vida, agora tem.
A fadinha Benedita começou a conversar com os dois, até convencê-los que era uma fada de verdade.
--- Eu não sabia que no Brasil existia fada, e mais negra, isso é novidade pra mim, na minha escola nunca contaram uma estória de fada brasileira.
--- Pois tem Juliano, eu sou uma fada negra, e gosto muito de crianças, tanto faz ricas como pobres todas são iguais.
--- Nada disso fada Benedita, todas as crianças são diferentes, umas tem a pele branca, e outras tem a pele preta. – respondeu com descriminação.
--- Eu sei Juliano, mais isso não faz diferença, todos são seres humanos, são protegidos pelo mesmo Deus.
A fadinha fez um círculo no ar com sua varinha de condão, os bichinhos de pelúcia que estavam correndo no quarto, foram para os seus lugares de origem, ficaram parados como estavam antes. A fadinha retomou a conversa:
--- Por quê num dia de Natal como hoje, que todas as crianças estão felizes com os pais, e vocês estão aqui trancados?
--- Nossos pais não tem tempo para nós. Meu pai é um grande empresário, vive em reuniões, ele diz que precisa cada vez mais ganhar dinheiro. Minha mãe todos os dias tem por obrigação de ir aos salões de beleza mais caros de São Paulo, ela diz que a aparência é tudo na vida de uma mulher, depois vai encontrar com as amigas. Os dois só chegam em casa depois que estamos dormindo. E hoje dia de Natal eles foram passar num hotel de luxo com uns empresários que vieram dos Estados Unidos, e tratar de negócios.
--- E o carinho com você dois, quando é que eles dão?
--- Nós dois só temos o carinho do nosso motorista e da babá. Mas os nossos pais são muito bons, nos dão presentes de telefone celular, de computadores dos mais modernos, videogame, pode olhar que nos nossos quartos tem de tudo que uma criança precisa. Nos dias de domingo eles dão dinheiro para passear no Chopin com a babá e o motorista. Todas as semanas vou ao cabeleireiro, a manicure, cada semana troco de penteado, vou a maquiadora, tenho muitos batons, tenho até cílios postiços, sim também faço as sobrancelhas.
--- Tudo isso que seus pais estão lhe proporcionado, está tudo errado, vocês tem que ser crianças, salão de beleza e coisa de adultos, criança tem que brincar, as meninas de bonecas, de cazinhas, fazer comidinhas para as bonecas, desprezar essas parafernálias eletrônicas, sair da frente do computador para conversar besteiras com as amiguinhas da escola, esse tal Orkurt é um acesso para os pedófilos. O computador para crianças das idades de vocês, só para pesquisas escolares. O Juliano tem que brincar de carrinhos, bola de gude, jogar futebol com seus coleguinhas, arranhar os joelhos, levar topadas arrancar o couro da cabeça dos dedos, passear de bicicleta, fazer seus próprios carrinhos de madeira, levar pelo menos umas duas marteladas nos dedos. Isso é que é ser criança, o tempo de adultos de vocês chegará.
--- Nós não temos o que reclamar de nossos pais.
--- Eu sei Juliana que eles são bons para vocês, mais só isso não basta. O mais importante é o carinho, o amor e o afeto que os pais tem que dar para os filhos, vocês dois são duas crianças revoltadas dentro desse apartamento, são presos iguais a passarinho dentro de uma gaiola, não colocam os pés na terra, não tem amigos, vocês estão perdendo a infância, vocês são umas pobres crianças ricas, que não conhecem nada da vida, estão virando dois robôs sem nenhum sentido de vida.
--- Eu queria tanto ter uma boneca, mais minha mãe só me dar de presente roupas de marca, batons, e outras coisas que eu não gosto. Eles já até determinaram o que nós vamos ser no futuro, eu queria ser veterinária, meus pais querem que eu me forme em comércio exterior. Juliano quer ser bombeiro, meu pai disse que ele vai se formar em administração de empresas, para no futuro eu e ele tomarmos conta dos negócios deles. Mais nós não queremos.
--- Depois eu vou contar uma estória bem legal para vocês dois. Mas agora vamos passear.
--- Como passear? Nós só podemos sair do apartamento com o motorista e com a babá, não passeamos com estranhos.
--- Não sou estranha, já somos amigos, quero mostra-lhe um pouco do mundo. Deixe comigo, vamos passear agora.
Apontando a varinha mágica para os dois, A fada Benedita disse as palavras mágicas:
--- “Igualdade para todos”.
Os três saíram voando, pelo céu estrelado, com a lua muito clara. Vendo a cidade lá do alto, com os prédios iluminados, com decorações natalinas, quase em todas as grandes lojas tinham árvores de Natal, os dois estavam encantados com a aventura em que a fadinha Benedita estava proporcionando a eles.
--- Fadinha nós não vamos cair? Estou com medo!
--- Não tenha medo Juliano, pode dar cambalhotas no ar, você está protegido pela minha mágica.
As duas crianças brincavam, davam cambalhotas no ar, riam de felicidade com a liberdade que estavam tendo naquele momento, era uma alegria de criança livre, que podiam se locomover sem nenhuma interrupção. Benedita mostrou aos novos amiguinhos as casas dos seus velhos amigos. Mostrava como eles estavam contentes com brinquedos tão simples, como carrinhos e bonecas de plásticos, pais pobres que tinha o maior carinho com os seus filhos. Passaram no barraco de Joãozinho, ele depois da ceia pegou no sono no sofá, o pai o colocou nos braços e o deitou na caminha pobre, depois o cobriu e deu-lhe um beijo na face. Juliano vendo aquela cena bonita do pai de Joãozinho, disse:
--- Papai nunca fez isso comigo.
--- E nem comigo. – disse Juliana.
--- Sabe porque isso acontece? Na casa de Joãozinho tem amor, os pais se preocupam com os filhos. E eles são pobres, mas tem muito carinho e afeto para dar ao filho. Ao contrario de vocês que tem de tudo na sua casa, mais falta o principal, o amor.
--- É mesmo Benedita, nós somos ricos, mais somos pobres de afeto e de carinho, na minha casa os nossos pais não tem tempo para nos escutar.
--- Benedita eu quero ir a praia jogar bola. – pediu Juliano.
--- Vamos.
A fadinha Benedita apontou a sua varinha para frente, os três saíram voando, de repente estavam em Natal na Praia do Forte. Estava tudo calmo, só eles três na imensidão de areia alva, com o mar batendo nos arrecifes.
--- Onde estamos Benedita?
--- Estamos em Natal, na Praia do Forte.
--- Nós chegamos aqui depressa, agora eu acredito, você é fada mesmo Benedita.
Dizendo isso Juliano se abraçou com a fadinha e Juliana também. Os três embolaram-se na areia, ficaram correndo atrás um do outro, quando de repente, Juliano se lembrou:
--- Onde vamos arranjar uma bola para jogar? Papai nunca deixou eu jogar bola em toda na minha vida, eu hoje quero.
A fadinha Benedita fez um gesto com a varinha, apareceu uma bola grande, colorida, Juliano adorou e saiu correndo chutando a bola, corria de um lado para o outro chutando a bola, numa felicidade contagiante, coisa que nunca tinha sentido.
--- Juliana, o seu irmão nunca jogou bola com os amiguinhos?
--- Nunca tivemos direito a brincar com outras crianças, nossos pais ocupam todo o nosso tempo, é aula de inglês, espanhol, computação, balé, natação e outras coisas mais. O que Juliano tem mais vontade na vida é receber um carinho de mamãe. Um dia ele ralou o joelho de propósito só para mamãe passar remédio e fazer um carinho nele. Ela mandou a babá colocar metiolate e nem olhou para o ferimento dele. Juliano ficou triste, chorou muito, eu que fui consolar. A maioria dos pais ricos hoje Benedita, só pensa em dinheiro, o Brasil está contaminado de pais como os meus, não dá atenção para os filhos, só pensam em ganhar dinheiro, em ficar ricos e fazerem fortunas, e esquece dos filhos, dão de tudo aos filhos, mais não dão o principal, amor.
--- Não se preocupe que vamos dar um jeito nessa situação. Hoje nós vamos nos divertir, hoje é véspera de Natal.
Juliano chegou cansado de correr atrás da bola, e rapidamente falou para Benedita:
--- Fadinha estou morrendo de fome!
--- O que você quer comer Juliano?
--- Comida de menino pobre. Frango assado, farofa, arroz e um garrafão de refrigerante de 2 litros.
--- Você nunca comeu essas coisas tão simples que toda criança tanto aprecia?
--- Não Benedita, eu e minha irmã só comemos, Hambúrguer, sanduíches e batata fritas, essas coisas que as crianças ricas gostam de comer em Chopins, eu quero umas coisas comuns, que as crianças que não tem tanto dinheiro comem.
--- Muito bem, vamos lá.
Saíram voando, voando, até chegar numa churrascaria onde muitas crianças com os pais comiam animadamente, correndo de um lado para outro.
--- Esqueci, não tenho dinheiro. – disse Benedita.
--- Você é fada, com sua varinha você pode transformar papel em dinheiro.
--- Sabe o que acontece Juliano? Assim eu ia enganar o homem que vende o frango, eu ia produzir dinheiro falso, o homem que vende frango teria prejuízo, nunca devemos dar prejuízo a ninguém, desde agora você aprenda a ser honesto. Está certo.
--- Está certo Benedita. – respondeu Juliano.
--- Por isso ninguém vai deixar de comer o frango assado, eu tenho dinheiro aqui comigo. O dinheiro que mamãe me deu para eu ir ao salão de beleza vamos comer frango assado com farofa. – disse Juliana.
O garçom trouxe um recipiente com arroz, outro com farofa, o frango vinha cortado numa travessa, uma porção de vinagrete e um refrigerante de dois litros. Os dois irmãos se deliciaram com a iguaria que nunca tinham comido na sua vida. Terminada a refeição, a fadinha saiu voando com os amiguinhos por vários lugares, mostrando as crianças que sofriam morando nas ruas. As favelas onde as crianças moravam, que não tinha escolas boas, e muitas outras coisas que atingiam as crianças e ninguém davam jeito. Quando Benedita disse:
--- Vamos passar num local onde vocês nunca viram.
Benedita saiu pelo céu rodopiando, e os dois irmãos acompanhando. Chegando num certo local, onde tinha uma casa grande, com bastantes crianças, todos carequinhas, quase nenhum tinha cabelos, as meninas tinham bonecas e os meninos com carrinhos de plásticos, brincavam com alegria contagiantes, as luzes estavam acesas, tinha uma arvore de Natal simples, e muitos enfeites.
--- Que casa é essa Benedita? Com tantas crianças carecas?
--- São crianças que tem câncer, ninguém sabe quantos deles irão sobreviver, mas estão todos alegres lutando pela vida.
--- É mesmo Benedita, eu e meu irmão temos tudo que é material, nossos pais são consumista, só pensam no dinheiro. E tanta criança que não tem o que nossa família possui e são tão alegres. Eu não sabia que tinha crianças com essa doença.
--- Vamos pra casa que eu ainda tenho umas estórias para contar a vocês dois. Mas antes disso vamos descer num local para comermos churrasquinho de gato:
--- O que é isso Benedita?
Desceram e pararam numa barraquinha onde um senhor vendia churrasquinho num espeto. Benedita pediu um para cada um, passou na farofa e entregou as crianças, e uma latinha de refrigerante para cada um, Juliano queria mais e dizia:
--- É muito bom Benedita. Por quê chamam churrasquinho de gato?
--- Isso é coisa do povo bom brasileiro, que de um limão faz uma limonada.
--- Que coisa gostosa Juliana, agente só come aquelas porqueiras que imitam dos Estados Unidos, chisburgue, hambúrguer, cheios de milho verde, ervilhas, batata palha, maionese e ketchup, bom mesmo é churrasquinho de gato.
--- Vamos embora crianças. – disse Benedita.
Os três saíram voando de mãos dadas, fazendo piruetas no céu cheio de estrelas brilhantes. Lá embaixo a cidade de São Paulo estava clara com as lâmpadas Natalinas acendendo e apagando, acendendo e apagando. Como uma flecha os três entraram na janela da cobertura de Juliana e Juliano. Sentaram na cama de Juliana, a fada Benedita foi conversar com as crianças:
--- Bem meus amigos, como disse a vocês vou repetir mais uma vez: Vocês dois são crianças lindas, de bons corações, só está faltando a vocês o que o Mestre Paulo Freire dizia: conhecimento de mundo. 12% da riqueza do País está nas mãos dos mais ricos, onde sua família está inserida. 28% está nas mãos da classe média alta. 10% na classe média, 20% na classe pobre e 30% a população que está abaixo da linha da pobreza, aqueles que catam comida do lixo. O que eu quero mostrar a vocês que existe uma desigualdade social muito grande no nosso País. Todos nós somos humanos, temos o mesmo Deus, que não devemos excluir ninguém de nossa sociedade, tanto faz cego, cadeirantes, surdo mudo, homossexuais, negros, velhos e índios somos todos iguais, nunca descrimine um ser humano, todos nós somos irmãos.
--- É isso mesmo Fadinha Benedita, eu não sei para que meu pai quer tanto dinheiro, Temos essa cobertura, uma bela casa na praia, um apartamento em Nova Iork, um em Paris, uma casa em Miami, dois helicópteros, um avião para fazer suas viagens, mas só se preocupa com bolsas de valores. Minha mãe todos os dias faz compras sem necessidades, papai dar um cartão de crédito para ela, que não tem limites, mamãe pode gastar com o que quiser, que ele cobre. Só vive tomando chá com as amigas da alta sociedade, só pensa em futilidades, para ela produtos de beleza, academia de malhação, médicos dermatologista para ela é tudo, esteticistas, massagens, saunas e outras besteiras mais é no que ela se liga, não nós dá um beijo. Quem mais sente é Juliano, a mim ela quer me fazer de adulta, e eu não gosto. Logo que eles chegarem farei uma reunião, para dizer-lhes que somos criança e precisamos viver como tal, e que também queremos carinho e amor. Vamos fazer isso num é Juliano?
--- Vamos sim.
--- Muito bem, é isso mesmo Juliana, peça a seus pais uma conversa franca, diga que vocês estão sofrendo, com a falta do amor e do carinho deles, que eles tenham mais tempo para acompanhar a infância de vocês, que não se prendam tanto ao dinheiro e as coisas fúteis da vida, exija carinho e afeto, sem briga e sem rancor.
Os dois irmãos correram e abraçaram a Fada Benedita, com muito carinho e agradecendo pelos conselhos que tinham lhes dado.
--- Bem meus amiguinhos, estou indo embora, mais daqui uns meses eu volto para ver como vocês estão.
A fada Negra chamada Benedita apontou a sua varinha de condão e saiu voando pelo céu estrelado e com a lua muito clara. A fadinha continuou a sua rotina de visitar as crianças que tinham necessidades de ter alegria, de ponta a ponta do Brasil. Passado seis meses a fadinha Benedita foi ao Bairro do Morumbi em São Paulo. Olhou, Juliana e Juliano estavam sentados no chão e seu pai sentado na cama contando estórias para eles, a mãe também estava presente. A fada esperou um pouco e todos foram dormir. Ela entrou devagarzinho fez um círculo com a varinha de condão, todos os bichos de pelúcia de Juliana tomaram vida, pularam na cama da menina. Juliana acordou atordoada vento os bichinhos correndo no quarto, notou logo que aquilo era coisa da Fada Benedita, quando olhou ela estava na sua frente, a abraçou, Juliano também vinha chegando foi se juntar as duas no abraço, Benedita Perguntou:
--- Como estão vocês?
--- Agora é outra coisa Benedita, estamos vivendo num mar de rosas. Destruímos o abismo que tinha entre nós e os nossos pais. O nosso pai reduziu o tempo de trabalho, nossa mãe deu um basta nas coisas fúteis, nossos pais todos finais de semana, nos levam para a praia, para os parques, jogamos futebol, eles nos ouve, compartilham com nossos problemas, nos ajudam nas tarefas da escolar, acabamos com a discriminação racial, Juliano é amicíssimo dos filhos do porteiro que são dois negrinho muito gente boa, chamados Robinho e Biriba. Minhas colegas podem vir aqui em casa, os amigos de Juliano também freqüentam nossa casa, estamos muito felizes, graças a você Fada Benedita. Eu agora acredito que no Brasil também existe fada e negra. Juliano já arrancou até o couro da cabeça de um dedo, ficou todo contente, lembrando de você.
--- Sendo assim vou embora muito feliz por vocês. Até outro dia. E lembrem, nunca exclua ninguém, somos todos iguais.
--- Sim fadinha, eu convenci papai, fazer doações todos os meses para aquelas crianças carequinhas. As empresas dele estão financiando os deficientes que praticam esporte, a todos eles.
--- Muito bem Juliana, essa é uma inclusão social muito digna de uma família feliz, repartir o pão como fez Jesus Cristo.
--- Adeus fadinha, apareça sempre.
E os dois irmãos ficaram na janela de sua cobertura acenando para fada Benedita que subiu para o céu se misturando com as estrelas.

FIAT-147

Décadas atrás Manoel Constâncio morava numa propriedade, que pertencia ao Município de Pedra Preta. Tinha uma família numerosa, como era muito trabalhador, e um bom administrador de propriedades, aproveitava as oportunidades que a natureza lhe oferecia, principalmente a água. E água é o melhor bem que um bom administrador sabe desfrutar.
Acontece que anos atrás foi muito bom de inverno, e Manoel Constâncio colheu uma boa safra, com o lucro da venda do algodão, comprou um JIPE-58, na cidade de Jandairá. Quando Manoel Constâncio chegou em frente de casa que parou com JIPE, foi uma festa danada, menino chorava de alegria, João Constâncio ficou tão emocionado que lhe deu uma dor de barriga, correu para dentro das juremas com a bosta escorrendo pelo mocotó. Chico que era o mais velho se apossou logo da direção, afastou os irmãos de perto do Jipe, disse:
--- Eu vou ser o motorista de papai, aprendi a dirigir no trator de Leocadinho, depois ensino ao resto da cambada de meninos sambudos.
A família dos Constâncios eram constituída, por Seu Manoel, Dona Chiquinha, esposa. Filhos: Chico, Dorinha, João, Neném, Salomão, Tonho, Mainho, Cássio e Raimundo. Os maiores logo aprenderam a dirigir o JIPE, Cássio e Raimundo como era os menores não tinham o direito de aprender guiar o automóvel da família. Cássio quando pedia para aprender a dirigir, levava um monte de cascudos dos irmãos mais velhos. E o menino mijão de rede, cresceu com esse trauma de não saber dirigir. Isso foi afetando cada dia a cabeça de Cássio, que ficou com essa psicose por anos a fio.
Passou muitos anos e ele não aprendeu a dirigir. Casou muito cedo, com pouco tempo já tinha três filhos. E dava duro no Laticínio São Pedro, mas conhecido como a Marina.
O serviço de Cássio era pesado, passava quase a noite toda na entrega de leite nas cidades vizinhas. Mas Cássio não esquecia o sonho de aprender a dirigir e comprar um carro, desde pequeno era o seu maior desejo. Quando ele passava pela cobertura da feira livre de Pedro Avelino, onde ficavam os mais endinheirados, com as tampas das malas dos carros aberta com o som nas alturas, ficava louco para possuir um carro, esse era o desejo de consumo de Cássio, que ficava horas e horas escutando o som dos carros, e dizia consigo mesmo: - Um dia ainda vou possuir um carro desse com um som bem potente. E saía constrangido pelas calçadas em procura de casa, com o peito cheio de esperança, que um dia possuiria um carro com som, para chegar na cobertura da feira e botar para lascar, o seu som iria bater nos quatros cantos da cidade de Pedro Avelino.
Pediu aos motoristas dos caminhões de entrega de leite para lhe ensinar a dirigir. Mas era proibido pela administração do laticínio, mesmo assim com muitas insistências os motoristas ensinaram Cássio a dirigir. Qual não foi seu entusiasmo quando aprendeu a dirigir, vibrava de alegria, o primeiro passo foi dado para comprar um carro. Foi á gota dágua para Cássio querer possuir um carro de qualquer maneira, isso tinha sido sempre o sonho de sua vida. Ia fazer umas economias para concretizar os seus sonhos de qualquer maneira. Só que faziam mais de cinco anos que trabalhava na Marina e nunca tinha conseguido juntar um tostão sequer. Teve um plano mirabolante, daquele dia em diante iria dar nó cego na empresa, para lhe darem um pé na bunda, assim receberia seus direitos trabalhistas e ainda por cima ficaria recebendo o seguro desemprego por três meses.
Tomou uma cachaça grande, de madrugada estava de ressaca vomitando dentro do pinico, não iria entregar o leite naquela madrugada. Bateram na sua casa para ele ir trabalhar, não foi, disse:
--- Hoje não vou, tô com uma ressaca de morrer, estou cagando sem o cu sentir.
Cada dia Cássio Constâncio dava um lero diferente na Empresa, já estava virando uma rotina, não lavava os tambores de leite, não fazia a limpeza como era determinado, perdia o caminhão que entregava o leite, o encarregado dele já tinha notado que Cássio estava dando nó cego. Nessas alturas Cássio estava ficando puto da vida, tinha feito de tudo e não lhe colocaram para fora da Marina, tinha que fazer uma coisa extraordinária para lhe botarem para rua.
Certo dia um dos donos da empresa comprou uma moto nova, deixou estacionada na frente do prédio da administração da Empresa, esqueceu a chave na ignição. O que fez Cássio que não sabia manejar moto, subiu, ligou, acelerou, a moto que era muito potente tomou de suas mãos, entrou de porta adentro, quebrou a porta da empresa, estragou a frente da moto, fez o maior estrago, tanto na entrada do prédio como na moto. Resultado, não lhe colocaram para fora da empresa, ficaram descontando do ordenado dele todos os meses o estrago que fez. Cássio passou mais de ano pagando o estrago que fez. Cássio não se conformava, queria sair da empresa, e não queriam despedi-lo, queria comprar o seu carrinho, queria comprar o som dos seus sonhos, queria curtir as bandas de forró no seu carro, não deixavam, mas iria preparar uma para eles. Começou a faltar, não saía com o caminhão baú para as entregas de leite, dirigia os carros da firma sem ordem, para findar a conversa, encheu o saco do pessoal da Marina, que o despediram. Cássio chegou em casa radiante de alegria.
--- Loia deram minhas latas na Marina, agora eu compro o meu carro.
--- Você é maluco Cássio? Como vamos dar de comer aos meninos?
--- Isso eu dou meu jeito.
Loia a esposa de Cássio correu e foi fazer queixa a mãe dele. Dona Chiquinha imediatamente foi lá onde ele estava.
--- Meu filho você perdeu o seu emprego?
--- É mãe, mandaram eu pegar o beco.
--- Meu filho não perca o seu ganha pão, se você quiser eu vou falar com Ediclaiton ou então com Élson para você voltar.
--- Negativo, eu que quis sair, eu sempre fui um menino traumatizado, meus irmãos nunca deixaram eu dirigir o JIPE de papai, eu nunca tive o prazer de possuir um brinquedo da Estrela, eu sempre só brinquei com carrinho de lata e boi de osso, sempre fui um menino descriminado, e hoje vou ter o prazer de possuir o meu carrinho e não vou deixar passar essa oportunidade.
--- Meu filho deixe de ilusões bestas, quem vai dar de comer aos seus filhos?
--- Eu dou meu jeito.
--- Deixe de ser teimoso Cássio, tome juízo, volte para o seu emprego, seus filhos e sua mulher precisam do dinheiro que você ganha.
--- Juízo eu tenho de sobra, eu quero é meu carrinho com som.
--- Eu nunca andei num carro de papai! Num volte a trabalhar papai, compre um carrinho para nós passear. – dizia Gonzaga o filho mais velho.
--- Tá vendo mãe, até os meninos sente a falta de um carro.
A família se reuniu, e foram colocar Cássio num canto de parede. Comprometeram-se com ele, que falariam com os donos da Empresa, para ele continuar trabalhando. Não adiantou, Cássio não arredou o pé dos seus propósitos.
E o teimoso foi chamado na firma para acertar as suas contas, recebeu tudo direitinho, fundo de garantia e os papéis para ir a Caixa Econômica receber o seguro desemprego. Foi ao Banco do Brasil, retirou o primeiro dinheiro, no outro dia viajaria até a cidade de Macau para retirar o FGTS, e também daria entrada no seguro desemprego. Retirado o primeiro dinheiro, chegou no comércio de Jeová comprou uma carteira de cigarros CARLTON, e jogou fora á carteira de cigarros DERB cheinha no camburão do lixo.
No outro dia viajou para a cidade de Macau, recebeu o Fundo de Garantia, saiu todo fagueiro em direção ao Restaurante Maré Mansa, o estrago foi grande, só comeu camarão do grande e peixe de primeira, puxado com uma cervejinha bem geladinha, daquelas que fica mofada, e dizia consigo mesmo: - se fui pobre não me lembro. Despesa paga no restaurante, Cássio rumou para rodoviária onde pegaria o ônibus de volta para Pedro Avelino. No caminho avistou um FIAT-147, bem arrochadinho com uma placa de vende-se. O menino mijão de rede endoidou pelo carro, saiu á procura do proprietário, logo achou:
--- Quanto está pedindo pelo carrinho?
--- Barato, quase de graça!
--- Qual a situação dele?
--- Está filé, bom igual ao queijo de Caicó. Não bate nada, os pneus estão meia vida, o motor esta tinindo, ainda tem um som que é uma beleza, chega a doer nos ouvidos.
A conversa não se alongou muito, Cássio já estava de volta para Pedro Avelino de carro. Cássio estava numa ânsia grande para chegar em casa. Não custou muito e Cássio já estava na porta de casa com seu FIAT-147. Os meninos de Cássio caíram todos dentro do carro, Gonzaga estava agarrado na direção fazendo o barulho do carro com a boca, Artur pulava em cima dos bancos, a mulher de Cássio na porta com a cara mais feia do mundo, estava em ponto de briga. E foi chegando gente para ver o carro de Cássio, chegou á família toda. Dona Chiquinha olhou para a cara do filho e disse:
--- Meu filho pra que você comprou esse carro?
--- Ora mãe para passear com minha família.
Cássio encheu o carro de amigos e foi para cobertura da feira livre tomar birita, com o som do carro em toda altura, e com um CARLTON no canto da boca, e dizia para os amigos:
--- Pobre sofre demais, eu mesmo já sofri muito, hoje sou outro homem. Tenho meu carrinho, uma porrada de dinheiro para receber, vou só curtir a vida.
Cássio chegou em casa pela madrugada, vinha morto de embriagado, entrou em casa se arrastando, pegou no portal da porta quase não sobe o batente, deitou-se com roupa e tudo, com pouco tempo á cama começou a rodar, não conseguia dormir, a boca começou a encher de água salobra, notou que ia vomitar, não deu tempo de ir ao banheiro, vomitou em cima de Artur que dormia no berço, e saiu correndo lavando a casa de vomito, a casa ficou com uma catinga de alojo que não tinha cão quem agüentasse. Quando o dia amanheceu, o sobrinho dele que tinha o apelido de pé de feijão, queria o carro emprestado para ir buscar uma porca no assentamento Bom Jesus, Cássio mandou entregar a chave do carro.
Cássio sentou-se no batente da cozinha, e a mulher brigando lá pra dentro, com a maior raiva. E Cássio não estava nem ai, chamou Gonzaga:
--- Gonzaga vá à casa de mamãe e traz uma garrafa de água gelada.
--- Bonito para sua cara, não possui uma geladeira em casa, mesmo assim compra um carro.
--- Pra que eu quero geladeira, tem a de mamãe.
Quando estavam nesse pé de discursão, chegou pé de feijão com o banco do carro cheio de lama da porca que tinha trazido de assentamento Bom Jesus.
--- Porra pé de feijão, sujasse o carro todo, é uma catinga danada de chiqueiro de porco.
--- Eu vou lavar tio Cássio.
--- Eu pensei que você só ia ao assentamento e voltar.
--- Mas um frete para trazer a porca era trinta paus.
--- Me pedisse o dinheiro que eu dava, não botar uma porca dentro do meu carro. Esse carro não é para carregar porco, e para curtir e passear com minha família, de outra vez me peça o dinheiro que eu dou.
--- Foi mau tio.
Pé de feijão passou a manhã toda lavando o FIAT-147, e Cássio supervisionando o trabalho do sobrinho, que dava um grau no carrinho do tio, que já tinha mandado pegar cerveja para tomar com os amigos. Os amigos de Cássio eram chegando e tomando a cerveja que ele tinha comprado, tudo naquele dia era 0800, ninguém pagava nada, era tudo por conta do novo rico do conjunto Santa Luzia.
O carrinho de Cássio não teve mais sossego, todos os dias, aparecia uma viagem para ele. Todos os irmãos inventavam viagens no FIAT-147, Lóia de pirraça nunca tinha entrado no carro, aquilo estava deixando Cássio contrariado, que logo falou para esposa:
--- Domingo se prepare que vamos tomar um banho de praia em Macau.
--- Não vou! – respondeu a esposa.
Os filhos começaram a chorar, queriam tomar banho de praia, não conheciam o mar. Os meninos não sabiam como era a praia. Finalmente a esposa de Cássio concordou que iria tomar banho nas praias de Macau.
--- Compre um frango para agente levar para os meninos comerem na praia.
--- Ó mulher você só pensa como pobre, nós não somos farofeiros, vamos comer peixe frito na orla marítima. Na beira da praia só tem cervejas geladas de doer os dentes.
No domingo bem cedo, Cássio arrumava os filhos, tinha comprado sungas para os dois meninos e biquíni para a menina, Lóia não iria tomar banho de mar, só iria para Macau por causa das crianças, daqui a pouco veio mais dois sobrinhos, mais uma sobrinha, e Mainho ainda queria ir com Adriana que pesava no mínimo cem quilos e mais duas filhas, não deu para ir, e Cássio saiu com os filhos e os sobrinhos para Macau. Foram por Afonso Bezerra e pegaram a estrada de barro de Mulungu que estava horrível, era só as costelas de trepidação, finalmente pegaram a estrada do óleo e chegaram em Macau, precisamente na praia de Camapô. A menina quando viram a praia enlouqueceram, caíram dentro mar, se sujavam de areia, brincavam à-vontade, e Cássio tomava cerveja no quiosque e os meninos tomavam refrigerante com pasteis. Rapidamente chegou um peixe frito com farofa e batas fritas, Cássio cheio de bossa fumava cigarros CHARM, não tinha encontrado CARLTON. A tarde chegou e Cássio juntou a família para vir embora para Pedro Avelino, mas antes foi a uma sorveteria fazer uma fasta de sorvetes para as crianças.
O carro de Cássio não parava, irmãos viviam de passeios no final de semana no seu carro, foi á cidade Pedra Preta, foi á cidade de Jandairá, quem queria fazer uma viagem, pegava o carro do menino mijão de rede.
O dinheiro de Cássio estava acabando, e o seu FIAT-147, só estava o mamão, o som não funcionava mais, a lataria estava toda chacoalhando, era uma batedeira infeliz de grande, os pneus estavam carecas, mas Cássio não parava de farrear, fazia pescarias nos açudes, o carrinho de Cássio servia para tudo, se era para pegar um saco de carvão, vai o carro de Cássio, vai pegar cal e cimento, tijolos, telhas, paus para fazer fogueiras vai o carro de Cássio, o carro não prestava para nada, ficou só a sucata. O para choque estava amarrado com corda, quando abria o capô escorava a tampa com um pedaço de cabo de vassoura, os bancos estavam todos rascados. O interior do FIAT-147 fedia a lama de porco e a peixe podre.
O dia amanheceu, e Cássio Constâncio se preparava para ir a Macau pegar a última parcela do salário desemprego. Meteu a chave na ignição, o carro não pegou, a bateria tinha arriado, saiu juntando gente para empurrar o FIAT-147. Juntou muita gente no conjunto Santa Luzia, as portas das casas do conjunto ficaram entupidas de curiosos e curiosas para verem os biriteiros empurrarem o carro de Cássio, subiam até o hotel empurrando, desciam até o cemitério empurrando, e nada, o carro de Cássio não pegava no tranco, os amigos já estavam todos cansados, estavam todos sem condições de fazerem mais força. Quando de repente Cássio torceu a chave na ignição, o FIAT, pegou sem sacrifício nenhum. Cássio pegou o carro nos ferros com destino a Macau.
Chegando na Caixa Econômica de Macau, recebeu a última parcela do seguro desemprego, saiu no seu FIAT-147, com destino a praia, tomou umas cervejas com camarão, e resolveu ir embora, mas primeiro passaria pelo distrito de Baixa do Meio, onde parou na rodoviária, tomaria mais uma cerveja, e seguiria viagem para casa. Quando de repente apareceu um amigo numa motoneta, e propôs troca no FIAT-147.
--- Tem rolo do FIAT com a Motoneta?
--- Tem!
--- Como?
--- Troco o FIAT na Motoneta, e você me volta duzentos!
--- Tá doido, a minha motoneta é toda original, dou um no outro.
--- Um carro desse vale muito, e sua motoneta não vale quase nada.
--- Então vamos fazer um negócio, nem eu nem você, vou dar uma proposta para fechar. Dou a motoneta e uma novilha de cabra, é pegar ou largar, feito?
--- Feito!
Cássio amarrou a novilha de cabra na traseira da motoneta e tirou para a cidade Jandairá para visitar os irmãos e as irmães por parte de pai. Chegando em Jandairá os parentes fizeram uma festa. Cássio mandou logo matar a novilha de cabra para fazer um churrasco, mandou comprar um engradado de cerveja, e um pacote de cigarros CARLTON, colocou em cima da mesa, e a farra começou com tudo, até sanfoneiro tinha no churrasco. O churrasco foi até tarde da noite, e Cássio dançando ao som do forró mastruz com leite.
No outro dia logo cedo Cássio acordou preocupado, o povo de casa não sabia por onde ele andava. Quando estava se preparando para viajar de volta para Pedro Avelino, apareceu um colega de infância da cidade Pedra Preta, que morava na cidade de Jandairá, perguntou:
--- Por aqui Cássio?
--- Oi como vai?
--- Bem, está de viagem?
--- Vou pra casa, sai ontem e não dei mais notícias, devem estar todos preocupados.
--- Tem jogo com a motoneta?
--- Claro, troco até num risco no chão, depende da volta. O que tem pra trocar?
--- Um jumento besteira, que conhece uma égua no cio de longe.
--- Vá buscar que espero.
O amigo saiu apressado, logo voltou puxando o jumento por uma corda. Um jumento preto, grande, peito largo, bem ripado, patas aprumadas e garupa fornida.
--- Gostou do jumento?
--- Parece bom, qual o rolo? – perguntou Cássio.
--- Dou o jumento na motoneta, e você me volta duzentos.
--- Você não tem juízo, trocar uma motoneta possante num jumento e ainda voltar dinheiro, só se eu tivesse ficando doido.
--- Vou fazer um negócio com você Cássio, de amigo para amigo, o jumento e mais cem de volta.
--- Nada feito!
--- Vinte!
--- Tá feito, e ninguém desmancha.
Cássio saiu em cima do jumento em osso, de Jandairá para Pedro Avelino, fazia planos de vender o jumento caro, pôs jumento besteira custava uma nota preta.
O sol estava quente, Cássio morrendo de sede, não encontrava uma casa para tomar água, vinha por dentro do mato, quando de repente chegou na fazenda Bom Princípio, foi encontrando Canindé quengão, que foi dizendo:
--- Apeisse Cássio, venha tomar água.
Cássio tomou água, almoçou na casa de quengão, e ficou no alpendre fazendo hora até o sol esfriar. Quando de repente quengão perguntou se Cássio vendia o burro:
--- Vendo e troco, faço qualquer negócio.
Quengão foi buscar uma bicicleta velha que estava encostada no armazém de guardar o que não prestava, para trocar no burro de Cássio.
--- Troco á bicicleta no burro, quer?
--- Você me volta cinqüenta!
--- Nada feito, dou um no outro, quer?
--- Está Feito.
Cássio saiu pedalando a bicicleta velha enferrujada pelo caminho esburacado que dava na cidade de Pedro Avelino. Quando chegou no carrasco, o garfo da bicicleta quebrou. Cássio colocou a bicicleta nas costa e saiu de estrada afora. Quando chegou no riacho da onça encontrou Zé canela que perguntou de onde ele vinha, Cássio contou toda sua trajetória daqueles dois dias que tinha passado fora de casa, perguntou:
--- Tem jogo com essa bicicleta?
--- Tem! – respondeu Cássio.
--- O que tem para trocar?
--- Tenho bichos de galinhas.
Zé Canela pegou uma tigela com milho e chamou as galinhas:
--- Ti, ti, ti, ti...
O terreiro ficou cheio de galinhas, Guines e patos.
--- Como vai ser o rolo Cássio?
--- Dou a bicicleta em dez bichos de galinha.
--- Nada feito, duas galinhas, um pato e um galo. É pegar ou largar.
--- Rolo feito. – disse Cássio.
A noite foi chegando, Cássio já avistava as luzes da cidade, caminhava vagarosamente com os bichos de penas pendurados nos dedos. Entrou na cidade por trás das ruas para ninguém vê-lo com as galinhas penduradas nos dedos. Saiu no beco de Hildinei, e foi direto para o comércio de Valdir rabo cheio, sentou-se num tamborete morto de cançado, Neném seu cunhado perguntou:
--- Vem de onde assim Cássio?
--- De Macau!
--- Cadê o FIAT-147?
--- Tai nesses quatros bichos.
Valdir vinha chegando e perguntou a Cássio:
--- Vem de onde Rabo cheio?
--- De Macau.
--- E esses bichos é pra vender, para trocar, qual é a transa.
--- Qualquer negócio eu faço.
--- Diga!
--- Dou os quatros bichos, em dois quilos de feijão, um quilo de charque, dois quilos de açúcar, um pacote de café, duas carteiras de cigarros DERB, um pacote de fósforo, e duas barras de sabão.
--- Assim você quer me lascar Cássio, não faço essa troca nem se mamãe me pedisse.
--- Então diga a sua proposta.
--- Não vou dizer Cássio, você está ficando sabido demais.
--- Então diga Rabo cheio.
--- Eu dou uma garrafa térmica, duas carteiras de cigarros, um pacote de pão, uma margarina, uns pirulitos pra os meninos e cinco reais.
--- Tá feito, bota tudo isso pra cá.
--- Cássio, você só estava fumando CARLTON ou CHARM, voltou para o DERB? Perguntou neném.
--- O CARLTON e o CHARM, estavam me dando um pigarro danado, por isso que voltei para o DERB.
Cássio botou tudo dentro de uma sacola plástica, e saiu em procura de casa, quando foi chegando, os meninos fizeram uma festa. O filho maior foi logo perguntando:
--- Papai cadê o carro?
--- Troquei.
A esposa na cozinha de cara feia, nem olhou para ele, e o menino mijão, foi logo dizendo:
--- Olha aqui Loia o presente que eu trouxe para você, essa garrafa térmica, esquenta que é uma beleza. Também trouxe café em pó, pão e margarina, faz um café para experimentar a garrafa, essas garrafas Aladim são muito boas.
--- Cadê seu carro, cadê seu som, cadê o dinheiro para farras, você acabou com tudo, agora chega com uma garrafa para me iludir. Olha ai debaixo do jarro do centro, três papéis de água e dois de luz, se não for pago até amanhã, vão cortar.
--- Não esquente a minha cabeça, vou descansar, estou morrendo de enfadado.
Na madrugada Cássio acordou, tomou café com pão e margarina, meteu o pau a fumar, amanheceu o dia e ele pensando na merda que tinha feito, agora estava liso e sem emprego. Já tinha amanhecido o dia e não tinha mais um cigarro, pediu a filho:
--- Arthur vai lá em Valdir rabo cheio, diga que mande um pacote de fumo preto, e uma cartela de papel.
--- Não está fumando CARLTON ou CHARM ricão. Dizia a mulher.
--- Tá bom Loia, não esquente mais minha cabeça.
À tardinha saiu em direção à casa da mãe, com a cara mais lisa do mundo, com a cara de cachorro que morde de furto, quando chegou D. Chiquinha foi dizendo:
--- Agora que apareceu?
--- É!
--- Bonito pra sua cara, num é Cássio?
--- Tá bom mamãe. Eu estou aqui para pedir que a senhora vá lá nos meninos da Marina para eu voltar a trabalhar lá.
--- Vou não meu filho, não tem quem faça, eu ir. Você num disse que dava o seu jeito. Agora se vire, é bom você sofrer para aprender.
E Cássio nunca mais se aprumou na vida, trabalhou de tudo que se possa imaginar. Mas passou no concurso da Prefeitura, as coisas estão entrando nos eixos.







Reginaldo Rossi esta P. da Vida

Naldo estava todo molhado na ponta da calçada, se enxugando ao sol. Os olhos vermelhos de chorar, os beiços tremiam de frio, a cabeça dos dedos dos pés cheios de feridas das topadas que levava. Andava na ponta do pé direito, de uma estrepada que levou no calcanhar de um espinho de algaroba. Quando saía para escola, era o pé esquerdo no sapato e direito na chinela, não podia entrar na escola só de chinelas. Só tinha 11 anos mais era um menino revoltado. As revoltas de Naldo eram grandes por ser criança. A começar pelo nome que sua mãe lhe botou, Reginaldo Rossi, servia de mangação e de deboche para todos, principalmente na escola, quando a professora fazia a chamada e dizia: Reginaldo Rossi da Silva! Seus amigos da escola caiam na risada, até a professora ria baixinho escondendo o rosto com a caderneta de chamada. Ele não podia pagar por sua mãe ser fã do artista, ainda tinha uns amigos que diziam: Reginaldo Rossi canta garçom. A professora fazia questão de chamá-lo por Reginaldo Rossi. Já tinha pedido a professora para chamá-lo só de Naldo. E ainda tem música que diz: que saudade da professorinha, que me ensinou o bê-a- bá.
Sua mãe quando queria lhe chamar fazia questão de gritar bem alto:
--- Ô Reginaldo Rossi venha para dentro de casa, saía do meio da rua, que você na rua só arranja encrencas.
Ela tinha prazer de lhe chamar por aquele nome horroroso que todos debicavam dele. Até os médicos quando ia se consultar no posto de saúde perguntavam:
--- Você sabe cantar alguma coisa?
Sentindo-se ridicularizado com aquele nome que ele não gostava nem de pronunciar, foi falar com o Juiz no fórum.
--- Quero falar com o Juiz!
--- O Juiz está muito ocupado para atender a criança. – disse o secretário.
Ficou esperando na frente do prédio do fórum, até a hora que o Juiz sairia para almoçar. O Juiz foi saindo, Naldo aproximou-se, perguntou:
--- Posso falar com o senhor?
--- Claro, diga garoto!
--- Acontece que eu tenho um nome que não gosto, queria saber se quando eu crescer posso mudar?
--- Que nome tão feio é esse meu filho?
--- O nome não é feio, mas eu não gosto.
--- Qual é?
--- Reginaldo Rossi! E ainda tem uns que mandam eu cantar garçom!
--- Está certo, o nome não é feio, mas se lhe incomoda, e você se sente humilhado com o nome, quando você passar para maior idade pode mudar. Porque sua mãe não muda agora?
--- Ora seu Juiz se foi ela que botou, ela é fã desse artista. Não quer ver nem falar que eu mude de nome.
--- Agora é com você, fique de maior e mude de nome.
Quando saía com a mãe para qualquer local onde tinha muita gente, ela fazia questão de chamá-lo por aquele nome, nome chato de se aturar. E quando alguém perguntava o seu o nome ficava calado, a mãe o forçava a dizer:
--- Diga seu nome meu filho, diga!
Respondia constrangido, e com muita vergonha.
--- Reginaldo Rossi da Silva!
E quem perguntou respondia apertando-lhe as bochechas:
--- Que bonitinho.
Naldo só faltava se enterrar no chão. Não sabia porque sua mãe fazia tanta questão que ele pronunciasse o seu nome com tanta eloqüência. Porque sua mãe fazia tanta questão de lhe humilhar de tal maneira. Devia as pessoas que escolhesse o seu nome quando crescesse e também escolher os padrinhos, as vezes os pais escolhem para padrinhos dos filhos pessoas tão antipáticas que o afilhado custa a engolir, não toma nem abença.
A outra revolta de Naldo, era porque estava demorando muito a completar 18 anos, queria ser de maior, para mandar na sua vida, para ninguém mandar nele. Vida de menino é uma desgraça, dizia Naldo. Quando os adultos estão na sala conversando, menino não pode falar, e quando fala leva um esbregue do pai, se dão um peido fedorento, quem leva a culpa? É o menino ou o cachorro, se não tiver cachorro, foi o menino, e o pai manda se retirar para não incomodar os mais velhos. Se for para fazer um mandado quem vai? O menino. Todo menino do interior, por qualquer coisa leva um muchicão ou uma surra, já tem uma sola na parede pendurada só para ele apanhar. Ao contrario dos meninos criados nas capitais, tem deles que manda nos pais. Mas no interior o negócio é diferente, o menino está sempre errado.
O que mais deixava Naldo chateado é tomar banho todos os dias. Criança não gosta de banho, dizia Naldo: devia ser dois por semana, os restantes dos dias só lavar os pés, os braços e o rosto. Escovar os dentes todos os dias, a mãe o obriga, ou escova os dentes ou apanha, e agora a mãe de Naldo viu na televisão que tem que escovar os dentes até para dormir. A mãe de Naldo copia tudo que ver na televisão. Naldo pensa só com ele: tomara que ela não aprenda a botar chifre como nas novelas.
A surra que Naldo nunca esqueceu, foi quando pegou dois colegas seus trocando os cus, contou ao pai, levou uma surra, o pai disse que ia bater nele para ele não fazer a mesma coisa, essa surra foi injusta. Ele era macho, o cara que fizesse essa proposta a ele ia para o cacete.
Tá certo que todo menino faz suas traquinagens. Um dia seu Belmiro veio enredar a mãe, dizendo que ele estava comendo a burra dele dentro dos carnaubais, ora se aquilo era nada demais, a burra era bem mansinha, nem achava ruim, ela mesma procurava os meninos, até o velho Belmiro também fazia a mesma coisa com a burra, ele estava era com ciúmes. Agora cabra é mais difícil, tem que pear as patas traseiras, senão ela escapole e vai embora, não tem quem pegue.
Nininho se aproximou e perguntou a Naldo porque ele estava chorando naquele sol quente:
--- Porra Nininho, não estou mais agüentando mais essa vida de ser criança, todos os mandados daqui de casa quem faz sou eu. Tudo que faço está errado, ninguém me dar razão. Ainda tem gente que sente saudade de do tempo de criança. E ainda tem uma música que diz: eu era feliz e não sabia.
--- Isso passa Naldo, quando você ficar adulto, vai se lembrar com saudade das suas estripulias.
--- Eu quero completar logo 18 anos, quero, beber cachaça, fumar, jogar baralho e raparigar, quero ver se pai vai bater em mim. Vai uma porra, eu sou o pau de limpar cu daqui de casa, até meus irmãos que deviam ser do meu lado, são os primeiros que fazem enredo de mim para papai. Minhas irmãs vivem se esfregando nos machos na frente de pai e de mãe, são as moças mais faladas da cidade, lá em casa não dizem nada, mais quando eu erro, é pau.
--- Todo menino passa por isso Naldo, eu também já apanhei de papai quando era criança.
--- Olhe só Nininho se eu não tenho razão. Um dia desse eu fui tomar banho no poço do machado, papai foi me buscar, veio de lá até em casa me batendo com um molho de salsa roxa, se eu fosse de maior, ele não tinha me batido.
--- Porra Naldo, você num fica reclamando que tem raiva de banho, como é que vai tomar banho no poço do machado?
--- Banho de poço é outra coisa. Ruim é banho obrigado.
--- Tenha paciência Naldo, um dia você vai crescer e vai dar risadas do que está acontecendo hoje com você, olhe o que estou lhe dizendo.
--- Pode ser Nininho, mas eu acho muito difícil esquecer as surras que já levei.
E Naldo continuava sentado na ponta da calçada com os cabelos todo arrepiados, pensando na próxima traquinagem que faseria naquele dia quente de outubro, e lá de dentro de casa a mãe gritava:
--- Chega pentear o cabelo Reginaldo Rossi!
--- Pera ai que já vou.
E dizia baixinho: - um dia eu vou me chamar Roberto Rivelino.

As astúcias de Ludugero

Luciano era um menino feio (ainda hoje é) que se encostou à casa de Seu Luiz Cadó, e logo foi considerado como de casa, era muito mimado por todos, e também lhe colocaram o apelido de Ludugero (por causa do artista Coronel Ludugero que fez sucesso nos anos sessenta).
Ludugero começou a chegar da escola amuado, não por causa do apelido, era porque ele dizia que fazia parte da família Cadó, só que na caderneta escolar da professora não tinha o sobrenome Cadó. Isso passou muito tempo, e Ludugero não se conformava, morava dentro da casa dos Cadós, diziam que ele fazia parte da família, e porque o sobrenome dele não tinha Cadó? Seu Luiz com pena dele combinou com a família e foi até o cartório e o registrou como filho. Ludugero dava saltos de alegria, os meninos da Escola Abel Furtado não lhe chateariam mais, na caderneta da professora estava lá Luciano Cadó.
Ludugero cresceu dentro da casa dos Cadós com todo cartaz como um filho légitimo. Tinha a liberdade de dirigir todos os carros, até trator, tinha liberdade total. Olavo, Gracinha, Ozair e Manoel Cadó davam o maior cartaz ao menino que criaram como irmão. Ludugero completou quinze anos, e aprendeu a beber cachaça, bebia como gente grande, chegava em casa fora de hora, estudava na Escola Paulo VI, quando chegava em casa era embriagado fazendo barulho dento de casa. Mesmo com essas capiloçadas tinha a confiança de todos, e ajudava no comércio de Luiz Cadó, todos de Pedro Avelino o tratavam como da família Cadó. O tempo foi passando e Luciano não largava a birita, o cartaz dele começou a ficar em baixa, a família não estava mais agüentando as tribuzanas que Ludugero fazia. Quando ele viu que os Cadós não estavam mais agüentando a vida que ele levava, mudou-se para casa de sua mãe legitima, mas não dispensava as refeições da casa de Seu Luiz Cadó, todos os dias ia fazer a sua boquinha.
Luciano Cadó ficou adulto, bebia todos os dias, levava uma vida desregrada na cachaça. Todos sentiam o que Ludugero estava fazendo com ele mesmo, foi um menino bem criado, com direito a tudo, e agora não ligava para mais nada, sua vida de cachaça estava estragando sua amizade com o pessoal dos Cadó, só que a cachaça tem dessas coisas, quando vicia, ninguém ver mais nada na sua frente que não seja as bebedeiras e as farras. Ludugero tomava dois porres por dia, não tinha limites, por mais conselhos que recebia, não atendia a ninguém.
Naquele dia Luciano acordou vendo bicho, eram guinés em cima de sua rede, vacas dentro do quarto. Quando Luciano começava a ver bicho era porque a situação estava ficando feia, estava na hora de fazer um tratamento, ele entendia isso e dava um tempo na birita, depois começava tudo novamente.
Um certo dia Luciano Cadó extrapolou, Ludugero estava vendo avião, navio passando em frente a sua casa, uma suor frio tomava conta do seu corpo, estava vendo toda qualidade de visagens e assombrações. A família que lhe criou estavam todos preocupados com a situação de Luciano, que saía na rua e dizia:
--- Saiam da frente senão vocês irão ser atropelados por esses elefantes que estão passando em frente da estação.
Os que lhe criaram notaram que Luciano não estava bem de saúde, que estava precisando ser internado para se tratar, não podia ficar naquela situação. Foram ao Hospital José Varela, falaram com o médico de plantão, que deu a guia de internação para o Hospital João Machado, enquanto isso Luciano continuava enrolado num lençol no meio da rua. O médico aplicou uma sossega leão em Ludugero, que logo adormeceu na maca da ambulância. Só estava existindo um problema, alguém tinha que acompanhar Luciano até o Hospital até Natal. Gracinha Cadó não encontrava uma pessoa para acompanhar Luciano, Olavo Cadó irmão de Gracinha não podia, iria para propriedade cortar terra, ela não podia, a tarde daria aulas Escola Josefa Sampaio Marinho, tinha que aparecer alguém, Luciano não poderia ir só. Eis que surge de repente Ozair Cadó perto da linha do trem, vinha se arrastando, cabeça baixa, barba branca, a camisa rasgada nas costas, as chinelas havaianas com as tiras de cores diferentes, cabeludo e com uma ressaca de lascar, estava com as feições muito esculhambadas, a cara parecia um caneco amassado. Quando Gracinha avistou o irmão disse:
--- Pronto, Ozair é o acompanhante de Luciano.
--- Vou uma porra!
--- Só quem está desocupado é você Ozair!
--- E daí? Quem tiver seus doidos que tome conta, comigo não.
Finalmente Ozair concordou em ir, mas pediu:
--- Primeiro vou em casa tomar um banho e trocar de roupas.
--- Não precisa, é só chegar no Hospital entregar a guia de encaminhamento, e vir embora, você não vai para nenhuma festa.
Luciano dormia na maca da ambulância chega ressonava. Empurram Ozair para dentro da ambulância de qualquer maneira, fecharam a porta traseira, e mandaram o motorista pegar a estrada com destino a Natal. Ozair pegou no sono, e o motorista sentou o pé na ambulância, queria chegar logo a Natal, antes que Luciano acordasse. Quando iam passando pela cidade de Santa Maria, Luciano despertou da injeção sossega Leão, olhou em sua volta, viu Ozair roncando do seu lado, e o motorista reclamando que estava com dor de barriga. Mas Luciano Cadó ficou na dele, fingindo que estava dormindo, mas estava mesmo era morrendo de sede. Luciano já estava raciocinando normalmente, e colocou na cabeça que não ficaria internado em Hospital de doido, não era doido, estava apenas com uma crise nervosa.
O motorista se torcia com dor de barriga, Ozair roncava, estava de sono ferrado. Luciano avistou o Hospital Walfredo Gurgel, pensou: está perto de chegar o Hospital João Machado, é só dobrar a primeira rua á direita. Viu os papéis de encaminhamento para internação perto de Ozair, com seu nome, pegou as guias e escondeu. O motorista entrou no pátio do Hospital, estacionou a ambulância, abriu a porta traseira e falou:
--- Ozair leve Luciano lá para dentro para internar, que vou procurar um sanitário para cagar, estou morrendo de dor de barriga.
O motorista foi dizendo isso, e fez carreira a procura de um sanitário. Luciano desceu da ambulância com o encaminhamento na mão, Ozair com a cara de ressaca e a barba por fazer, vinha atrás. Chegando no pronto socorro, tinha dois enfermeiros que pareciam lutadores de Box. Luciano dirigiu-se aos enfermeiros e disse:
--- Estão vendo aquele velho que está fumando ali?
--- Estamos!
--- Ele está doidinho, e quando ele está assim fica muito valente, aqui está o encaminhamento para internação, o nome dele é Luciano Cadó, tomem cuidado, esse doido é uma fera quando está em crise de abstinência de cachaça.
Os enfermeiros partiram para pegar Ozair, já iam munidos com uma camisa de força.
--- O que é isso?
--- Ora o que é isso vamos!
--- O doido não sou eu não, é ele, Luciano Cadó, eu sou Ozair Cadó, vocês estão trocando de doido.
--- Vê se eu me pareço com doido? Todas as vezes que ele está em crise faz desse jeito.
Ozair saiu correndo pelos corredores largos do Hospital João Machado, e os enfermeiros atrás com a camisa de força aberta, pegaram Ozair, colocaram no chão, e vestiram com a camisa, Ozair todo inquirido com a camisa gritava:
--- Ludugero filho de uma puta, filho de rapariga com soldado de polícia, quando eu te pecar vou te lascar.
--- Vocês estão vendo como ele é agressivo?
--- Estamos!
--- Bem Luciano, fique ai quietinho, que logo, logo, você estará recuperado. Quanto a vocês enfermeiros, muito obrigado. Ele é um bom homem, mas quando fica louco agride a todos.
--- Ludugero filho de rapariga, eu ainda te pego. Esse troço foi papai que criou, e agora está me sacaneando. Quando ele era pequeno foi eu que o ensinei a dirigir, levava ele para o cabaré, ele hoje me paga assim.
--- Calma garotinho, você vai ficar bom.
--- Não me chame de garotinho, fresco sem-vergonha.
Dizendo isso Luciano saiu, levaram Ozair aos emboleus para dentro do hospital. Luciano quando chegou no pátio do hospital, avistou o motorista encostado na ambulância esperando Ozair. Luciano deu a volta e saiu se escondendo por trás dos pés de mangueiras, ganhou a rua e Ozair ficou internado no lugar dele. Saiu a pé para hospedaria Central, lá pegou uma das Kombi de Arnoud, veio embora para Pedro Avelino.
Chegando em casa Gracinha Cadó perguntou:
--- Cadê Ozair?
--- Ficou internado no meu lugar.
No outro dia, Gracinha foi a Natal, liberar Ozair do Hospital João Machado e desfazer o que Luciano aprontou.

A volta de azul

Eram os idos dos anos quarenta, quando chegou á segunda guerra mundial. Pedro Avelino era uma pequena vila chamada de Epitácio Pessoa, sem perspectiva de vida para ninguém. Os que viviam aqui escapavam como pequenos agricultores e criadores. A vila era um abandono, a população vivia sob os grilhões de São José dos Angicos, o divertimento era a chegada do trem e a saída do trem para Natal.
No maior abandono da família morava um rapaz que tinha o apelido de Azul, que não fazia nada, era um verdadeiro vagabundo, era sustentado pelos pais, os irmãos o detestavam, por ser mal criado, nojento e embosteiro. Por aqui chegou um pessoal alistando gente para ser soldado da borracha ou então para as fileiras do Exército Brasileiro, Azul preferiu ser soldado da borracha, se cagava de medo de ir para guerra, preferiu viajar para o Amazonas, foi ser seringueiro. Foi embora, não se despediu de ninguém da família, todos o detestavam. Pegou um caminhão até Mossoró, de lá iria de navio para o Amazonas trabalhar no seringal.
A guerra terminou, e Azul não voltou para Pedro Avelino. A família de Azul que ficou aqui foi se espalhando, uma irmã ficou morando em Pedro Avelino, outros migraram para a cidade de Afonso Bezerra, Natal e Ceará Mirim. E nada de Azul aparecer. Quando se perguntava por Azul a irmã que ficou aqui, dizia:
--- Eu sei lá daquele troço, tomara que tenha morrido, que as onças tenha comido ele.
A irmã de Azul que ficou em Pedro Avelino era louca por dinheiro, tinha uma ganância grande, tudo ela colocava o dinheiro na frente, era conhecida como gananciosa, queria trabalho para todos os filhos, brigava com todos os vizinhos, não tinha quem quisesse a amizade dela era conhecida na ruindade, até intrigada com mãe ela era. Quando o marido morreu brigou com todos os filhos na partilha dos bens, queria tudo para ela, foi parar nas barras da justiça, a mulher era o diabo em forma de gente, a mãe dela se aposentou, foi até onde estava a mãe para tomar o cartão da aposentadoria, foi preciso a justiça intervir. A ganância dela era grande só via na frente dela o dinheiro, a velha era o diabo quando se falava no fio metal. Só quem a agüentava era uma filha que vivia encalhada, e também tinha herdado a mesma ruindade da mãe, ainda dizia que o povo de Pedro Avelino tinha marcação com a família dela.
Essas duas pessoas viviam escanteadas pela população, não se davam bem com ninguém, mas a população não ligava muito para elas.
Depois de mais de sessenta anos chega um telefonema na Prefeitura de Pedro Avelino perguntando se alguém conhecia uma pessoa chamada Cedília, as atendentes da Prefeitura disseram que sim, ele perguntou se era fácil falar com ela, as atendentes, confirmaram que sim. E foram chamar:
--- Dona Cedília tem um homem no telefone querendo falar com a senhora.
--- Quem diabo é. Ele não disse o que queria?
--- Só falou que queria falar com a senhora.
A velha Cedília entrou para o quarto, pedindo a filha á sobrinha para se amparar do sol.
Chegando na Prefeitura, perguntou:
--- Ele ainda está na linha?
--- Está sim senhora, pode falar.
A velha pegou o telefone com um mau humor, que parecia que iria falar com o satanás.
--- Alô quem é?
--- È Cedília?
--- É ela mesmo, pode dizer.
--- Sou eu minha irmã, Azul, estou voltando para junto de vocês.
--- Eu pensei que as onças já tinham lhe comido, e você aparece agora.
--- E mamãe ainda está viva?
--- Está dando trabalho na casa dos outros, nossos outros parentes não tenho notícias, e nem quero.
--- Minha irmã estou embarcando no avião amanhã, depois de amanhã estarei em Epitácio, para morar com você.
--- Aqui não é mais Epitácio Pessoa, agora é Pedro Avelino.
--- Até mais ver.
Dona Cedília saiu toda contente, se ele vinha de avião, era rico, e sendo rico aceitaria na sua casa. Estava precisando de um dinheiro, sempre precisou.
Chegando em casa contou á filha o que tinha acontecido:
--- Seu tio Azul apareceu, disse que vem morar com agente. Ele podre de rico.
--- Quem disse que ele é rico?
--- Ora filha, se ele vai chegar em Natal de Avião é porque é rico, pobre não viaja de avião.
--- E vai chegar quando?
--- Depois de amanhã!
--- E o que vamos fazer?
--- Ora, ora, vamos dar a ele uma recepção de gala, vamos matar umas duas galinhas caipiras, fazer bolos, pudim. Vou encomendar feijão verde, eu acho que faz tempo que ele não come, e também assar um pedaço de carne de sol. Precisamos ajeitar ele para poder ficar morando na nossa casa. Já estou pensando em comprar uma geladeira nova, um fogão e trocar os estofados da sala, também vou pedir a ele para fazer uma reforma na casa, para aumentar a cozinha.
--- Isso vai dar certo mamãe?
--- Claro que vai, você é como São Tomé, só acredita vendo.
No outro dia começaram logo cedo a lavar a casa, deram uma faxina geral em tudo, vasculharam as telhas, varreram o quintal, passaram óleo de peroba nos móveis, passaram panos em todos os cantos da casa que ficou um brinco.
--- Olhe aqui filha, não vamos deixar nenhum de nossos parentes saber que ele vai chegar, pode ser que queiram atravessar no meio, e nossos planos vão por água abaixo, não diga nem a seus irmãos da chegada do seu tio. Vamos dormir que amanhã temos muito o que fazer, temos muitas comidas para preparar.
O dia amanheceu Dona Cedília já estava com duas galinhas mortas, e água fervendo no fogo para despenar, a filha batia a massa dos bolos, a filha perguntou:
--- Mãe será que ele gosta de pastel?
--- Não sei!
--- Será que ele bebe?
--- Não sei, mas quando ele saiu daqui bebia e muito.
--- Mesmo assim mãe vamos comprar um litro de vinho para o jantar.
O dia foi todo de trabalho das duas, preparando os quitutes para o visitante ilustre que chegaria a noite de uma longa viagem, de mais de sessenta anos.
O dia foi se acabando, foi anoitecendo, as duas se apressaram para tomar banho, e irem logo para cobertura da feira para esperar o parente rico que estava de volta. A velha Cedília dizia:
--- Minha filha eu estou tão nervosa, só em pensar que vamos mudar de vida.
--- Mamãe não faça tantos planos, às vezes com muitos planos, quebramos a cara, e nos vivemos bem só nós duas.
--- Não pense negativo filha, pense sempre positivo.
--- Mas a senhora dizia a mim que ele não valia merda, como é que agora quer ele dentro de casa?
--- Ele deve ter mudado, agora é um homem rico, deve ter aprendido bons modos.
Passava das dezoito horas, quando as duas saíram apressadas para o centro da cidade. Chegaram cedo demais na cobertura, só tinha uns pinguços tomando cachaça nos treiles e fazendo barulho. Foi chegando mais gente para esperar o ônibus da Empresa Cabral. As duas começaram a ficar nervosas quando o ônibus apontou na esquina do salão paroquial, e ônibus vinha se aproximando, a velha Cedília disse para filha:
--- Estou tão nervosa que estou com vontade de mijar.
--- Deixe de besteira mamãe, a senhora não gostava dele, agora está com essa frescura toda.
--- Mas agora ele é rico.
O ônibus parou, abriu a porta, começou a descerem passageiros, e a velha Cedília de pescoço esticado procurando o irmão pelas janelas do ônibus, de repente desceu um senhor alto bem vestido de palitó impecável, com uma maleta de executivo na mão, a velha Cedília não se conteve, correu e abraçou o homem, e foi dizendo:
--- Meu irmãozinho á quanto tempo, passei esses anos todos pensando em você, finalmente voltou para o nosso convívio.
--- Calma irmã, calma...
--- Você ainda pede que eu tenha calma, fez eu sofrer esses anos todos, eu morrendo de saudades de você, em todas minhas orações pedia para que Deus lhe protegesse. De toda nossa família a única que gostava de você era eu.
--- Calma irmã, muita calma nessa hora.
--- Olhe essa aqui é minha filha, é sua sobrinha, eu sempre achei ela parecida com você.
--- O que é isso irmã?
--- Você vai ficar lá em casa, e de lá não vai sair mais nunca.
--- Irmã, eu não sou seu irmão, eu vim a essa terra, para fazer um culto evangélico na Igreja do irmão João Maria de Aquino. Eu sou um pastor Evangélico. Eu sou o Pastor Jeremias.
--- Então você não é meu irmão Azul?
--- Que Azul que nada minha senhora.
Nessa conversa apareceu João Maria, apertou a mão do pastor e saiu com ele para embarcar no seu carro e levá-lo para casa.
Quando Dona Cedília olhou, juntamente com a filha avistou o irmão que vinha descendo do ônibus, escorado num cabo de vassoura, de óculos escuros, uma toalha no pescoço, mancando por uma perna e com um boné do Vasco da Gama atolado na cabeça, magro que parecia o peixe avoador seco. Foi dizendo:
--- Minha irmã Cedília, quanto tempo.
--- Você é Azul?
--- Sou eu mesmo!
--- Você não arranjou nada na vida esse tempo todo que passou fora?
--- Não!
--- Você é aposentado, trás algum dinheiro?
--- Não, só trago muitas doenças, catarata, diabetes, reumatismo e malaria, só malaria eu peguei doze na Amazonas.
--- Mas você veio do Amazonas de avião, quem pagou a passagem?
--- Foi uma ONG que ajuda as pessoas que querem voltar para sua terra.
O cobrador do ônibus avisou que o ônibus partiria naquele minuto para cidade de Afonso Bezerra.
--- Espere ai motorista, esse homem vai para Afonso Bezerra, os parentes dele estão todos lá.
---Mas minha irmã deixe eu ficar aqui com você.
--- É muito bonito para minha cara, tratar de quem está doente. Faça de conta que nunca me viu. Leva motorista, leva esse troço para Afonso Bezerra. E além do mais lá em casa todos são flamenguistas, você chega com um boné do Vasco da Gama.
--- Deixe eu ficar Cedília, eu quero me tratar na sua casa.
--- É ruim eu tratar de um nojento como você, leva motorista.
Azul subiu novamente no ônibus em direção a cidade de Afonso Bezerra, no caminho de casa, a velha reclamava.
--- Eu vou lá gastar vela com defunto ruim, ele que se lasque para lá.
--- Eu disse para a senhora, que não criasse expectativas com a chegada desse seu irmão.
--- Está bom, não quero escutar mais nada sobre essa besteira que fiz.
A velha Cedília ficou puta da vida da besteira que fez, dizia para a filha que não se perdoaria nunca. Matou galinha para aquele traste comer, fez bolo, pensando que ele estava rico, quando se dar fé, o nojento só trazia doenças, a casa dela não era hospital, o SUS que tomasse conta.
Passado um ano, Dona Cedília soube que Azul seu irmão tinha recebido do Governo Federal uma aposentaria de dois salários mínimos e meio, e mais o atrasado do tempo que tinha dado entrada na aposentadoria, recebeu essa aposentadoria pelos bons serviços que tinha prestado por ter sido soldado da borracha na Amazonas. Dona Cedília não perdeu tempo, deslocou-se de Pedro Avelino para a cidade Afonso Bezerra, ia visitar o irmão.
--- Oi Azul meu irmão, como você está?
--- Muito bem as minhas custas.
--- Vamos morar mais eu, vivo tão sozinha.
--- Vá embora de minha casa cobra sem-vergonha, agora que estou aposentado você me procura. Gananciosa, agora que estou bom de saúde e com minha aposentadoria gorda é que me procura. Dane-se daqui, pra fora cachorra. Se você não sair logo eu boto os cachorros em cima de você.
--- Naquele dia que você chegou, eu disse aquelas coisas, porque estava nervosa, tinha tomado um remédio e estava desorientada.
--- Pra fora cobra caninana, pra fora, pega ela tuninha, pega. Isca, isca, isca.
A cachorra vira lata vinha de dente trincado para pegar a intrusa, Cedília fechou o portão ligeiro, a cachorra riscou em cima. A velha pegou o beco para Pedro Avelino, com uma raiva danada do irmão, reclamava:
--- Mau agradecido, a pessoa vai convidar ele para ter uma residência descente, e ele rejeita. Ainda bota o cachorro em cima da pessoa.