sábado, 20 de fevereiro de 2010

ESTÓRIA DE CAÇADOR

Estava eu na minha residência, lendo um livro extraordinário, que não levantava da rede nem para ir ao banheiro. Naquele sábado estava sem apetite para tomar aguardente. Quando de repente o danado do telefone toca (detesto telefone), não atendi, a minha mulher partiu lá dentro reclamando que eu estava perto e não atendia, nem dei ouvidos, não gosto de telefone mesmo. Por parte do diabo quem estava do outro lado da linha, era o indefectro do Tarcísio Eimar, fazendo um convite irrecusável:
--- Eimar quer falar com você. Disse a minha mulher
--- Diga aí mago!
--- Manoel Estamos lhe convidando para comparecer a cacimba de Rômulo da usina, para passarmos a par na lama.
--- Mago, estou lendo o livro de Nei Leandro de Castro, As pelejas de Ojuara, é putaria que da gosto. E hoje não estou com apetite para brincar de ficar embriagado.
--- Home venha, se eu lhe disser o que tem de tira gosto, você nem imagina.
--- Eu sei de sua estórias fantasiosas, mas diga o que tem.
--- Veja só Manoel o que tem: Cachaça Caranguejo com a tampa enferrujada, vinda diretamente de São José dos Angicos, Umbu da melhor qualidade vindo diretamente da fazendinha de Rômulo. Sardinha manteiga, bem tostadinha trazida diretamente da praia de Iracema no Ceará, e para complementar, ova de Pirarucu importada do Rio Amazonas, detalhes: essas ovas chegaram sexta-feira via SEDEX.
--- Está certo mago vou pra ir.
--- Eu sabia que você não recusaria um convite desse.
Tomei um banho ligeiro botei a mulher a tiracolo, partimos para a cacimba onde meus colegas já bebiam desde as dez horas da matina. Essa dita cuja cacimba, fica situada na área da casa de Rômulo. A praça da cacimba estava repleta, o conclave de biriteiros estava completo, não faltava ninguém. O gado estava com muita sede, tinham passado a semana em recesso, todos estavam tomando uma cima da outra, bebiam como quem estava roendo, já tinham secado duas garrafas, os cascos estava no canto da parede.
Na cacimba estava duas mesas juntas, em cima dessas mesas colocaram: uma garrafa de cachaça caranguejo com mais de trinta anos de idade, com a tampa toda enferrujada, se desmanchando.
Ao redor das mesas estava formado o conclave de cachaceiros: Ademir, Laécio, Rômulo, Antonio de Aristides e Tarcisio Eimar, (o magro). Jogando por fora estavam, as esposas dos biriteiros, Dulciene, Gildenora. Eu contrariado logo me abarraquei, e Auxiliadora minha mulher também.
Ao redor de todos ficava num vai-e-vem danado limpando as mesas, num requebrado mais infeliz do mundo, trazendo tira gosto e fazendo todos os recados, um Gay de primeira viagem chamado JOSA, vestindo uma roupa toda danada de arrochada, principalmente a calça colada e uma blusa estampada, brinco de argolas grandes e cabelos loiros batendo nos ombros, este rapazinho alegre, atende pelo codinome de Bárbara. Essa bichinha é um docinho de pessoa, delicado e prestativo, toda hora oferecia alguma coisa as damas presentes.
E tocamos o pau na cachaça caranguejo, tomamos uma garrafa, mais outra, mais uma, depois sujamos com cerveja, bem geladinha, dessas de doer nos dentes. Aí como dizia a finada minha mãe: todos cachaceiros são mentirosos, pode ser da pessoa mais pobre ao Presidente da República, inclusive meu filho quando está melado.
Laécio estava mentindo tanto, que não tinha panderista que o acompanhasse, Ademir também contava das suas, e eu não ficava atrás contava as minhas também.
Nessas alturas Heriberton mais conhecido como Belo, com a cara toda amarrotada de cachaça, passou disse uma graça, ninguém lhe deu atenção para jogar no time, ele saiu de fininho. Maria Antonia a patroa do mago Eimar, fazia seus golzinhos escondido para o mago não ver, já estava triscada, com um umbu na mão esquerda e o cigarro nos dedos da mão direita.
Estava uma festa, cada biriteiro que quisesse contar uma mentira mais extraordinária do que o outro. Todos falando de uma vez só. Varela chegou pedindo dinheiro para comprar pilhas para um radio, Rômulo deu-lhe dois reais, o biriteiro foi embora, ficamos levando aquele papo sadio que costumávamos implementar todos os sábados.
No meio dessas mentiradas toda, Tarcisio Eimar foi contar uma de suas estórias acontecidas na sua terra Natal, Santa Cruz do Inharé, Eimar jura por tudo que é sagrado, que essa estória é verdadeira, e que tudo foi na sua infância. O mago quando começa a mentir, é fogo, o que ele mente numa hora, macaco não pula em um ano.
Assim começou Eimar.

Isso aconteceu em 1940. Morávamos na zona rural de Santa Cruz, num lugarejo onde tinha poucos habitantes. Vizinho a minha família morava dois amigos que caçavam juntos há bastante tempo, eram amigos mesmo, eram unha e carne, viviam como dois irmãos, qualquer coisa que acontecesse com um, o outro estava presente para dar a assistência devida como fazem todos os amigos de verdade. Um certo dia saíram para caçar.
O dia tinha amanhecido ensolarado, o céu estava limpo como o véu de Maria. Os dois muniram-se dos apretechos de caça, espingarda de soca, facão, cabaço com água, rapadura e farinha, foice e munição (chumbo, pólvora, bucha de corda e espoleta). Saíram os dois estrada afora, o sol estava quente de tinir, e os amigos dentro da mata a procura de algum bicho. Passaram no açude do alívio, molharam a cabeça, tornaram a encher os cabaços com água fria. Entraram na mata novamente, e nada, naquele dia não estavam com sorte. O sol estava perto de se pôr, e nada, a água tinha acabado. Os dois amigos estavam preparando-se para voltar para casa, quando um dos caçadores afastou-se um pouco para urinar, escorou-se num pé de jurema preta, abriu a braguilha, e de dentro das calças puxou, como diz Gordo Maciel, o pênis. O caçador de pênis de fora, dava aquela mijada gostosa, que faz aquele cacho de espuma na areia fofa, e salpica pingos de mijo em cima das botas. Quando de repente, uma cobra cascavel dessas novinhas, saiu de dentro do oco que tinha no tronco da jurema, que o caçador estava escorado, picou a cabeça do pênis do caçador, (segundo o filosofo Gordo Maciel, o nome não é cabeça, é glande). O pobre homem contorcia-se em dores na cabeça, (Em tempo) da glande do pênis machucada, o amigo chegou em socorro:
--- O que aconteceu?
O ferido contou o ocorrido, pediu ao amigo que saísse imediatamente a procura de socorro. Mesmo assim fez o amigo. Saiu louco por dentro da mata a procura de alguém para pedir um remédio ou algo parecido para salvar o amigo que estava mordido de cobra. Encontrou um velho sentado na frente de uma cabana, contou-lhe o ocorrido, só não disse onde tinha sido a picada da cobra. O velho prontamente ensinou ao caçador como ele iria fazer para livrar o amigo da morte, e o velho ensinou:
--- No local onde a cobra picou você dar um cortizinho de nada, quando começar a minar sangue, você chupa, até tirar a última gota do veneno que a cobra injetou. Se você não fizer isso, o seu amigo vai morrer, agora você tem que chupar muito e ligeiro, senão o veneno toma conta do corpo do seu amigo.
Nessas alturas todos estavam estupefatos com a estória cultural que Eimar estava contando, o silencio tomava conta de todos, era um silencio sepulcro, todos querendo saber o final daquela aventura. Eimar parou de contar o ocorrido, e delicadamente pegou a garrafa de caranguejo, colocou uma dose, jogou na garganta, e imediatamente empurrou uma colherada de ova de pirarucu vindo do Rio Amazonas, de goela abaixo. E Eimar fazendo cera com a estória para ver a pressão da galera.
Laécio já puto da vida, gritou:
--- Termina logo a porra dessa estória.
Josa de codinome Bárbara, também incomodada dizia:
--- Também Eimar quando começa uma estória, só falta não terminar.
Eimar elegantemente disse:
--- Continuando – O caçador voltou para onde estava o amigo, onde o encontrou de pernas abertas, com o pênis em estado fetal. O ferido perguntou:
--- Achou o remédio?
--- Encontrei um velho numa cabana lá em cima. Ele disse que você vai morrer.
Escutando a estória com bastante atenção, estava Bárbara, que imediatamente retrucou:
--- Que maldade, se eu estivesse lá, esse homem jamais teria morrido.
Dizendo isso, Bárbara deu uma rabanada, e foi para a cozinha para trazer mais um prato de umbu.
--- Pode acreditar, que tudo isso foi verdade, eu não sou homem de mentira.

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