segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O MENINO QUE O PAI QUERIA QUE FOSSE DOUTOR

Joaquim tinteiro vaqueiro velho das antigas, responsável e trabalhador. Foi muito por muito tempo vaqueiro da família Tassino aqui em Pedro Avelino, na fazenda Logradouro. Joaquim prestava muita atenção nos procedimentos dos filhos, e deles, notou que Francisco com disposição e inteligência fora do comum, ágil nas coisas, aprendia tudo com facilidade. Francisco tinha apenas 12 anos de idade, então Joaquim tinteiro achou que seu filho estava se perdendo dentro daquela fazenda, ele merecia coisa melhor, falou para D. Cruzinha sua esposa:

--- Vou levar Francisco para estudar na rua, esse menino está se perdendo aqui dentro desse mato, de vaqueiro só abasta eu, que não arranjei nada, nem um pedaço de terra para mim, e não vou estruir a inteligência do meu filho como os outros pais fazem, enterrando os filhos nas fazendas dos outros.

E no sábado dia da feira, arrumaram Chico, colocaram poucas roupas que tinha, numa bolsa de palha de carnaúba. Joaquim tinteiro colocou Chico na garupa da burra cardan, e tirou com Chico em procura das ruas de Pedro Avelino.

Chico era um menino taludo da cara larga cheia de sarda e vermelha, cabelos loiros desse duro, o famoso cabelo de espeta caju, o pau da venta vivia eternamente suado, andava com as calças sempre com uma perna arregaçada até o joelho e a outra perna até em baixo, vivia assobiando qualquer música entre os dentes, batendo com os dois dedos indicadores nos peitos para acompanhar o ritmo, esse era o perfil de Chico quando era menino.

Joaquim tinteiro chegou em frente da casa de D. Albertina, que era a madrinha de Chico. Tirou Chico de cima da burra por um braço, entraram de casa adentro, Chico todo desconfiado, pelos cantos das paredes, menino de dentro do mato tem vergonha de tudo, o pai disse:

--- Bom dia comadre Albertina!

--- Bom dia compadre Joaquim, o que o trás por aqui?

--- Vim trazer uns ovos que Cruzinha mandou para a senhora, e eu tenho um assunto para tratar com a senhora.

Joaquim mandou Chico tomar abença a madrinha, no que Chico fez prontamente. E Joaquim debulhou suas idéias para a comadre o que queria:

--- Comadre Albertina, o que eu quero dizer para a senhora que Francisco é um menino muito inteligente, como à senhora está vendo, desse tamanho, mas já amansa boi e burro brabo, sabe capar qualquer animal, cura bicheira de cabrito, faz uma cerca como ninguém. Comadre Francisco é um menino muito esperto, está se perdendo dentro daquele mato, eu quero botar ele para estudar. E quero que senhora faça de Francisco um Doutor para nos servir no futuro.

Tudo concretizado, tudo acertado, conselhos dados, e Chico ficou estudando na casa da madrinha. Só que Chico dizia baixinho:

--- Eu quero é ser vaqueiro, eu não quero ser doutor.

Na casa da madrinha Chico trabalhava pra se lascar. Botava água em dois burros do açude do governo, moia dois quilos de milho, pela manhã e dois pela tarde para fazer cuscuz, botava lenha nos burros, esse era o trabalho de Chico, e na parte da tarde ia para escola particular de Dona Munitinha.

Nessa época nossa turma que era mais velha do que Chico, e nós estávamos enveredando na vida pregressa da cachaça. E sempre que estamos bebendo escondido nos armazéns de Mulatinho que ficava em frente à casa de D. Albertina. Sempre que estávamos bebendo escondido, Chico chegava e ficava por ali rodeando, e Chico ficou sendo o nosso táxi oficial, só era dizer: Chico vá comprar uma garrafa de cachaça, Chico fazia carreira, comprava e voltava em cima do rastro, não tinha empalho com ele, e o pagamento, Chico tomava uma coisinha de cachaça na tampa da garrafa, não podia beber muito era muito pequeno. E Chico não largava os nossos cóis, para onde nós íamos, levava Chico a tiracolo. Só sei que Chico aprendeu a beber cachaça e a fumar. O dinheiro de Chico era pouco. Só recebia algum dinheiro quando seu pai vinha no dia de sábado, quando seu pai vinha para feira. E Chico viciou-se a fumar, comprava fumo e papel, para fumar a semana toda, quando o papel de enrolar cigarro de fumo acabava, Chico rasgava as paginas da bíblia da madrinha para enrolar cigarro. Essa travessura de Chico foi comunicada ao pai, que veio a rua e deu uma surra grande em Chico, e prometeu que se ele fizesse outra o levava para fazenda de volta, ele não ia seria mais Doutor.

Nossa turma foi a um aniversário, e levamos Chico, que meteu a cara na cachaça com vontade, embriagou-se, foi dormir, quando acordou foi aos gritos:

--- Me derem água, senão em morro de sede. Eu quero água, eu quero água!

Por causa desse alarme, colocaram-lhe o apelido de Chico d’água, mas o seu nome verdadeiro é: Francisco Brás Câmara, só que ninguém o conhece pelo seu nome verdadeiro, só Chico d’água.

D. Albertina comunicou a Joaquim Tinteiro o porre que Chico tinha tomado, que veio buscá-lo para casa, Chico não ia ser mais Doutor, agora ia ser vaqueiro, era o que ele queria.

E os tempos se passaram, fui embora para Natal, fui para a Marinha, passei mais de quinze anos sem vir a Pedro Avelino, quando em 1978 volto à terrinha. Quem encontro no meio da feira, Chico d’água, chapéu de couro atolado na cabeça, foi uma festa, Chico d’água já era vaqueiro o mesmo, já corria até em vaquejada. Partimos para dentro do mercado tomar cachaça com picado de porco. Recordamos muitas coisas, a conversa foi longa. Chico puxou do bolso o papel e fumo para fazer um cigarro, e eu me lembrei das páginas da bíblia de D. Albertina, e relembrei a Chico, rimos muito. Finalmente Chico d’água me convidou para o seu casamento dele com a minha amiga Gorete.

Fui ao casamento dos meus amigos, dançamos forró a noite toda, comemos buchada de bode com cachaça, foi uma maravilha de casamento. E Chico foi passar a lua de mel e trabalhar na fazenda Condado de Mulatinho.

Com os anos Chico depravou-se na cachaça e na irresponsabilidade, Gorete ficou grávida, era uma sexta-feira, e Gorete falou para Chico:

--- Chico vá correndo na rua trazer um carro para me levar para a maternidade.

Chico pegou o cavalo e tirou para a rua a procura de um transporte para levar Gorete para a maternidade. Quando chegou na rua encontrou uns amigos que iam para uma vaquejada em Pendências, chamaram Chico, e ele foi. Quando chegou em casa foi na segunda-feira na parte da tarde. Márcia já tinha nascido e Gorete já estava na beira do fogo fazendo comida para a menina. As histórias de Chico são hilárias.

Certa vez, Chico foi para feira, era sábado, Gorete ficou tomando conta das ovelhas e das vacas. Chegando na feira Chico fez logo as compras comprou o grosseiro e a mistura, a mistura foi dois quilos de carne de bode, um frango congelado. Colocou tudo dentro de um saco, e guardou na loja de Jairo, só sairia mais tarde para casa, estava muito cedo para chegar em casa, foi tomar umas lapadas de cachaça antes de partir com sua feira para fazenda o condado onde morava. Quando estava tomando uma meiota (ainda não existia latinha) quando chegou Odílio com os cavalos, o chamou num canto e fez uma proposta:

--- Chico vamos uma vaquejada em Santana dos Matos

--- E minha feira quem vai deixar em casa?

--- Manda nos carros da feira que passa por lá.

Chico nem se ligou de mandar a feira para casa, já estava chumbado de birita o que desse para ele estava tudo bem, tinha deixado um resto de feira em casa dava para Gorete passar o sábado. E Chico d’água se mandou para Santana na camioneta de Odílio, passou o pedaço do sábado, o domingo, só chegou na segunda feira à tarde. Ai foi que lembrou da feira, só que não lembrava onde tinha deixado, saiu procurando por bares, lojas e armazéns, só faltava Jairo abrir o comércio. De repente surge Jairo no beco da farmácia, Chico foi a seu encontro e perguntou:

--- Jairo eu deixei minha feira na loja?

--- Não sei só olhando, agora eu sei que na loja está uma catinga de podre danado, vou mandar Josildo da uma olhada, eu acho que é algum rato que morreu.

Quando Jairo abriu a loja, a catinga de podre subiu, Chico foi atrás de umas caixas onde se lembrou que tinha deixado a feira, não agüentou a catinga, a carne de bode e o frango congelado tinham ficado podre. E Chico d’água chegou em casa à tardinha, bêbado e sem a mistura.

Chico levava a vida num descompasso maior do mundo. Anos depois Chico saiu da fazenda de Mulatinho e foram morar em outra fazenda perto do distrito de Baixa do Meio. Gorete sua mulher era muito trabalhadora, e não dava muita atenção à vida que Chico levava.

Um dia o dono da fazenda fez um negócio com Gorete, todos os borregos enjeitados da fazenda que Gorete conseguisse escapar, dava a ela a metade, e Gorete topou a parada. Levava o dia correndo a procura de borregos com uma mamadeira na mão para alimentar os pequenos animais. No final do ano o dono rachou os borregos, Gorete teve direito a doze animais.

Por azar, dizia ela, ficou grávida novamente, estava tratando os seus bichos de ovelhas, com o maior cuidado do mundo, estava com os planos feitos, quando estivesse perto de ter o menino, iria comprar as coisas: banheira, fraldas, sabonete, mantas e outras coisas mais. Quando faltavam uns três meses para ter o menino, Gorete vendeu os animais ao marchante do distrito de Baixa do meio, caminho da cidade de Macau, ficou tudo acertado. Mas avisou ao marchante:

--- Vou pegar esse dinheiro domingo, quero fazer as compras na feira.

No domingo marcado Gorete não pode ir a Baixa do meio para receber o dinheiro, e mandou Chico d’água pegar o dinheiro, mas preveniu:

--- Não gaste o dinheiro viu Chico, é para eu fazer a arrumação do menino.

--- Deixe de besteira, eu estou acostumado a pegar em dinheiro.

Chico foi até o distrito de Baixa do meio e recebeu o dinheiro, e ficou na rodoviária, esperando um transporte para voltar para casa. Sentou-se um bom pedaço, e nada de aparecer um transporte, pediu uma cerveja para passar o tempo, ficou bebiricando devagar, não podia chegar em casa embriagado, Gorete daria braba com ele. Nesse instante parou um carro na rodoviária, desceu um papudinho com um violão na mão, o povo começou a cercar o individuo, Chico ficou admirado, quem era aquele cara que o povo caiu em cima, perguntou a uma rapariga velha que não parava de chorar, quem é esse:

--- É Bartô Galeno, que está aqui de passagem, ele vai fazer um show hoje em Macau.

Bartô Galeno meteu o pau a beber e a tocar violão, juntou muita gente, quase acaba a feira de Baixa do meio. Chico d’água também era fã de Bartô, desde o tempo da radio Brejui de Currais Novos. Chico entusiasmado pedia de duas cervejas de uma vez, já bebia no gargalo da garrafa. Ai Bartô cantou.

Amor você não sabe como eu estou sofrendo

Amor você não sabe como a solidão me apavora

Pois você é o grande amor da minha vida.

Chico d’água já terrivelmente bêbado gritou:

--- Bartô canta Malena.

Bartô Galeno cantou Malena e depois cantou no toca fita do meu carro. Despediu-se de todos e foi embora para a cidade de Macau. Chico d’água imediatamente pegou um ônibus da Empresa Cabral que ia para Macau, e foi assistir o show de Bartô Galeno. Chegando em Macau foi procurar Bartô Galeno no hotel, onde lhe informaram que o cantor tinha ido para a praia de Canapum. Chico d’água foi atrás.

Na praia Bartô estava rodeado de raparigas cantando e tocando violão, e Chico se meteu na farra, tomava cerveja e gritava bem alto:

--- Esse cara canta demais, ou bicho macho!

Terminou a farra e Bartô foi para o hotel, e Chico ficou vagando pelas ruas de Macau. A noite foi ao show de Bartô num clube local. Terminou o show e Chico d’água foi dormir na rodoviária. Amanheceu o dia, Chico acordou com o sol na cara, passou uma água no fucinho e ficou esperando a saída do ônibus que vinha para Pedro Avelino. Chegou a duas horas da tarde, enfiou a cara na cachaça de novo, só foi aparecer em casa na terça à tarde. Gorete perguntou:

--- Chico cadê o dinheiro dos bichos?

--- Gastei!

--- Como é que vou comprar as coisas do menino, banheira, roupas, fraldas, mamadeiras e outras coisas mais, me diga?

--- Pra quê banheira, filho de pobre toma banho em agrida e toma leite numa meia garrafa, e fraldas você faz de panos velhos. E não me aborreça não.

E o meu amigo Chico d’água continuou fazendo das suas, abandonou tudo pela cachaça. A uns quatros anos atrás, Chico começou a ver um trem dentro de casa, um negão querendo matá-lo. Chico estava doente, o levaram para Hospital João Machado. Quando Chico ficou bom, uma assistente social telefonou para Pedro Avelino perguntando se alguém conhecia Francisco Brás Câmara, ninguém conhecia. Ainda passou uns três dias internado até que descobrissem que Francisco Brás Câmara era Chico d’água.

Hoje Chico não bebe mais, é um homem de responsabilidade, gordo que só um porco.

Manoel Julião Neto

O DEFUNTO FOI EXPULSO DE SUA PRÓPRIA CASA

Carimbozinho é um pequeno distrito que fica localizado no semi-árido da região central do Rio Grande do norte. No pequeno distrito existem oitenta e cinco casas, que sobrevivem de pequenos roçados, e poucas criações de ovino e caprinos e um gadinho pé duro. Quase todos os homens moradores do pequeno distrito, passam a semana fora de casa, trabalham nas cerâmicas da cidade do Assu, só passam o final de semana em casa. Os afazeres de roçado e da criação são tocados pelas mulheres e filhos.

Em carimbozinho existe uma pequena capela, que de mês em mês chega um padre muito do abusado para celebrar uma missa. O pequeno distrito é um abandono só, mas a população resiste naquele lugar tão escanteado pelos governos, que só os visita em época de eleições, na pequena rua estreita e empoeirada, tem vereadores batendo um no outro a procura de votos. Mesmo assim a vida segue na naquele recanto de mundo, como em tantos outros lugares desse Brasil afora.

Zé ximbica é mestre de olaria na cidade de Itajá, perto da cidade de Assu, casado pai de cinco filhos, homem direito, sua esposa é uma danada de trabalhadora, quando o marido está ausente tudo fica na responsabilidade de Maria do Amparo, que não tem hora e nem tempo ruim para o trabalho. Zé ximbica fica despreocupado quando está fora de casa trabalhando.

Na sexta-feira á noite Zé ximbica chega em casa, com o saco de feira para alimentar toda a família, no sábado toma uma cachacinha devagar juntamente com Maria do Amparo sua esposa e alguns amigos. Assam carne no fogo a lenha, matam galinhas caipira, bebem uma cachacinha e passam o sábado todo se divertindo como podem, diz Zé ximbica:

--- Cada um se diverte como pode, e o meu divertimento é juntamente com a minha família e minha querida mulher, o amor de minha vida.

Maria do Amparo já meia troiada de birita também repete o mesmo amor que sente por Zé ximbica.

--- Eu acho que acertei no meu casamento. Casei com o homem melhor do mundo, honesto e trabalhador. Nunca vi falar de safadeza dele com outra mulher, me considera, isso é que importante para vivermos unidos.

--- Minha velha, eu adoro meus filhos e mais ainda a você, eu vivo por vocês.

E as declarações de amores são diversas daquele casal tão unidos e admirados por todos os vizinhos.

No quintal da casa de Zé ximbica, tinha dois pés de cajá frondosos, onde a sombra era magnífica, era ali que ximbica armava uma rede, e passava o sábado deitado e se embriagando, quando todos iam embora, Maria do Amparo entrava na rede e o vadeio era grande, Maria do Amparo, fogosa deixava o pobre do Zé ximbica extenuado, isso acontecia todos os finais de semana, e os meninos da vizinhança, ficavam olhando pelas brechas da cerca de vara, o fogo de Maria do Amparo era tão grande que saía nua de dentro da rede e ia tomar banho despida no tambor de água que tinha ali perto. Gerim um filho de uma comadre de Maria do Amparo, só tinha 17 anos, era virgem mais morria de amores pelo corpo roliço de Maria que era sua madrinha. Todos do pequeno distrito sabiam do fogo de Maria, isso era sabido de boca em boca, mas Maria do Amparo não estava nem aí, era destemida, trabalhadora não tinha medo nem de homem, e aí de quem se metesse com a vida dela, que partia pra cima para brigar, na tapa na faca, no braço do modo que o adversário quisesse.

No domingo Zé ximbica se recuperava da farra do sábado, fica ajeitando uma coisa e outra, e na segunda feira logo cedo partia para Itajá, onde começava o seu trabalho de mestre de olaria. E Maria dava rumo à vida da família no pequeno distrito de carimbozinho.

O distrito ficava calmo a semana toda, só criava vida nos finais de semana, pois era o dia em que todos os homens que trabalhavam nas olarias do baixo Assu chegavam de volta.

No final de semana Zé ximbica chegou em casa abatido, sentindo falta de fôlego, era uma mufineza, o corpo mole, falte de apetite, dizia ele:

--- Maria estou uma desgraça, não sei o que está acontecendo comigo, nunca senti nada, e agora me aparece essas macacoas, deve ser a idade, já estou passando dos cinqüenta, aparece tudo que não presta em cima da gente.

--- Que nada Zé, isso é coisa que aparece, é os tempos, num tá vendo que cabra como você forte, os peitos largos, tem apetite de comer até pedra, vai entrar alguma doença no teu corpo, pode tirar isso da cabeça, vou fazer uns chás para você tomar, você vai sair segunda-feira para trabalhar zeradinho. Você em quinze anos nunca faltou ao trabalho, num é por causa de uma doencinha besta dessa que vai lhe derrubar. Nós ainda vamos dar boas vadiadas.

Maria do Amparo passou o final de semana cuidando do marido, estava preocupada, Zé ximbica nunca foi de esmorecer, aquela palpitação no coração, e a falta de ar, estava lhe preocupando, mas não havia de ser nada, ele era muito forte.

Zé ximbica melhorou, estava ativo, já não sentia o mal estar que tinha chegado em casa. Maria do Amparo arrumava a bolsa de Zé para ele viajar para Itajá. Logo cedo da segunda feira Maria preveniu a é ximbica:

--- Hoje mesmo você vá ao médico em Assu, não se brinca com a saúde, eu estou achando você ainda muito mole, se cuida Zé.

--- Não se preocupe Maria, isso que eu senti é coisa passageira, doença nunca me derrubou, e não é agora que você vai se ver livre de mim.

--- Bate na boca três vezes, e, por favor, não venha com está estória de morte, eu quero morrer primeiro do que você, porque se você morrer primeiro, eu sei que não vou agüentar, é capaz deu me matar. Você sabe o bem que eu quero a você. Um marido como você eu tenho certeza que não existe nesse mundo.

--- Besteira minha nega, a morte quando chega não manda aviso. Sexta-feira estarei de volta para nós dar uma farreada daquelas.

Zé ximbica saiu com a bolsa pendurada na mão com destino a BR, onde pegaria o transporte para ir trabalhar em Itajá. Mas deixou Maria do Amparo bastante preocupada.

O dia transcorreu normalmente, Zé estava mole, mais estava agüentando o tranco do trabalho. Em casa Maria não conseguia dormir preocupada com Zé, se arrumou para ir até Itajá, mas desistiu, tinha que cuidar dos filhos e das obrigações da casa, do roçado e das miunças que possuíam.

Maria teve sonhos misturados, a noite foi longa, dormia, acordava, sonhava coisas estranhas, como arrancando dentes, e dizem que quando se sonha arranco dentes, é sinal que alguém vai morrer. Mas Maria achava que realidade de sonhos são besteiras de quem que jogar no bicho. Levantou-se da cama antes do sol raiar, começou a fazer as obrigações de casa, colocou milho para as galinhas, soltou as miunças, foi comprar leite, encontrou seu afilhado Gerim que estava indo para escola, que disse:

--- Abença madrinha!

--- Deus o abençoei.

--- Padrinho melhorou?

--- Tá melhor, já foi trabalhar desde ontem.

Maria do Amparo seguiu o caminho de casa, olhou para trás, e viu seu afilhado olhando para a bunda dela, e pensou: --- Que danado tem esse meu afilhado que não tire os olhos de mim? Vou tomar cuidado, ele está ficando taludo, não vou dar-lhe mais cabimento de conversar, senão ele vai misturar as coisas, e Deus me livre de pensar coisas diferentes que não seja meu marido, Deus que me livre.

Tudo estava indo bem na casa de Maria do Amparo, os filhos já tinha ido para escola, e ela não tirava do pensamento a doença de Zé ximbica. O pensamento também parou no olhar do afilhado para ela, nunca tinha notado nada do olhar dele, mais o olhar dele era malicioso, olhar de cara com fome por safadeza.

Entrou uma camioneta grande no pequeno distrito de Carimbozinho, parou na bodega de Seu Sebastião, desceu um jovem alto de óculos escuro e perguntou:

--- Onde mora o senhor José Bernardo?

--- Aqui eu não conheço ninguém por esse nome. Respondeu o velho Sebastião.

Seu Sebastião dirigiu-se para os que estavam ali presentes, perguntou:

--- Vocês sabem quem é José Bernardo?

Mané Catolé que estava tomando uma cipoada de cachaça com Cuscuz, disse:

--- É Zé ximbica, o nome dele é José Bernardo de Oliveira.

--- Onde ele mora?

--- É ali na frente, é uma casa rodeada de plantas, principalmente de cajá, que é bom todo com cachaça.

--- O senhor pode ir lá comigo?

--- Vou! – respondeu Mané Catolé.

Saíram em direção à casa de ximbica, Catolé com a cara amarrotada de cachaça, dentro de um carro bonito, nunca tinha pensado de andar num carro daquele, bem friozinho por dentro.

--- É ali! Apontou

Desceram e o jovem do carro falou:

--- Chame a mulher de Zé Bernardo.

Catolé foi a casa e chamou Maria do Amparo, que rapidamente saiu para atender quem a estava procurando.

--- Pode dizer senhor!

--- É seguinte senhora: o seu marido o senhor José Bernardo, teve um mal súbito, nós o levamos para o hospital de Assu, só que ele faleceu, foi problemas cardíacos, e eu perdi um dos melhores funcionários da minha empresa. A senhora não se preocupe com nada, todo o velório é por minha conta, daqui a umas duas horas o corpo está chegando.

O jovem foi dizendo isso, deu dez reais a catolé, entrou no carro e foi embora. Maria ficou louca, chorava copiosamente, os vizinhos logo chegaram para consolar Maria, que não tinha consolo, não sabia como iria viver sem a companhia de ximbica. Catolé saiu espalhando a noticia pelo distrito, e contente com os dez reais no bolso que tinha ganhado do patrão de ximbica. Os filhos chegaram da escola chorando se abraçaram com a mãe, que dizia:

--- Meus filhos o que vamos fazer sem a companhia do seu pai? Ele era quem colocava tudo dentro dessa casa, e agora como vamos viver.

Catolé com os dez reais no bolso dizia:

--- Maria é muito besta, vai se aposentar, o salário mínimo agora vai para 600 paus, era melhor ela limpar os olhos e esperar o corpo de ximbica.

--- Cala tua boca catolé, numa hora dessa não se pensa em dinheiro.

Os habitantes do pequeno distrito encheram a casa de Maria do Amparo, catolé já tinha espalhado a notícia por toda parte, todos queriam consolar Maria, que deitada na cama não parava de chorar, era um choro penoso, a vizinhança acompanhava Maria no choro, entrou o afilhado de Maria também chorando a morte do padrinho, abraçou a madrinha e ficou com ela sentado na cama.

Lá no começo da rua apontou o carro funerário com ximbica dentro do caixão, parou na frente da casa do defunto, os funcionários da funerária começaram a tirar o material de dentro do carro, castiçais, velas grandes e grossas, coroas de flores, cavaletes para colocar o caixão, gelaágua para colocar água mineral, garrafas com café e chá, cortina com a imagem de Deus subindo aos céus. Enfeitaram a sala da casa toda para o velório de Zé ximbica.

Ximbica estirada dentro do caixão com dois tufos de algodão dentro dos buracos da venta, de terno e gravata, os vizinhos encheram a sala, meteram a pau a tomar água mineral gelada, e tomar café e chá com biscoito doce, já tinha menino de bucho cheio de água gelada e chá. Maria ainda não tinha tido coragem de se aproximar do caixão, estava muito fraca para se aproximar do corpo do marido, mesmo assim lá para 5 horas da tarde Maria se aproximou do caixão, e olhou para o corpo do marido e disse:

--- Para que tu foi me deixar agora ximbica, o que vai ser de mim, como vou criar os nossos filhos sem a tua presença, e caiu em cima do caixão, beijando o marido e o abraçando, ficou sentada do lado do caixão alisando os cabelos do marido, e a casa cheia de pessoas conhecidas. Um dos encarregados pela funerária ia passando Maria o chamou:

--- Meu senhor como vou pagar tudo isso, não tenho condições.

--- A senhora não se preocupe, o dono da empresa em que ele trabalhava vai custear todas as despesas.

--- E a cova já mandaram cavar?

--- Já sim senhora, um senhor chamado catolé está fazendo isso.

Maria não se conformava, não parava de enxugar as lagrimas que banhava o seu rosto, todos a consolando, mais Maria não tinha alívio daquela angústia que lhe consumia, queria chorar até não poder mais.

Catolé chegou procurando o homem que tinha mandado ele cavar a cova queria receber o dinheiro do trabalho:

--- Quanto foi o seu serviço amigo?

--- Trinta reais.

--- Você não está achando que está me explorando?

--- Porque o senhor não foi cavar, o senhor está pensando que cavar cova em barro duro é fácil, não é fácil não, tem que ser na base da picareta.

As velas já estavam todas acessas, os amigos da família sentados nas cadeiras ao redor do caixão, Maria do Amparo debruçada sobre o caixão, não parava de chorar. Do lado de fora, no terreiro da frente Mané Catolé se embriagava com um litro de cachaça, ele outros amigos, o tira gosto era carne de jabá assada. O silêncio era profundo, todos reverenciavam o defunto que era muito querido no distrito. Tinha no mínimo umas trinta pessoas no velório. Quando de repente estacionou um táxi que vinha com uma senhora e três crianças, sendo uma de colo. A mulher vinha chorando muito, entrou de casa adentro, descobriu o rosto do defunto e começou a chorar e dizia:

--- Não me abandone Zé Bernardo, como vou criar essas três crianças sem você, me diga?

Todos que faziam o velório ficaram sem saber o que dizer, o que dizia aquela mulher, seria uma doida, que tinha chegado. Maria imediatamente perguntou a ela.

--- O que está acontecendo?

A mulher perguntou:

--- A senhora é a irmã dele?

--- Não sou a esposa, e tenho cinco filhos com ele, e você?

--- Eu também sou mulher dele, só não sou casada no papel, mais faz mais de dez anos que moramos juntos lá em Itajá. Ele me disse que só tinha uma irmã chamada Maria do Amparo.

Maria se levantou, passou um lenço nos olhos e disse:

--- Acabou o velório, as lagrimas que botei por esse safado só foi a da obrigação. O senhor que é encarregado dessas porcarias que enfeitou a minha sala pode tirar tudinho, e leve esse defunto daqui, não vai mais ter enterro de cabra safado aqui em Carimbozinho. Vamos pessoal todos embora para casa, que amanhã todos tem o que fazer. Vamos meu senhor tire esse safado da minha sala, leve para a casa da mulher dele em Itajá, aqui não tem mais lugar para ele.

--- Mas minha senhora não podemos fazer isso!

--- Vão fazer sim, senão eu jogo ele no meio da rua.

Desarrumaram tudo, colocaram o caixão com defunto com toda parafernália dentro do carro funerário e se mandaram com o defunto para Itajá.

--- E quanto à senhora pode pegar o beco daqui com esses três meninos feios, faça o enterro dele por lá mesmo.

--- Mas eu não tenho culpa de nada ele me enganou também.

--- Quem comeu a carne que roa os ossos.

A mulher entrou no táxi que estava estacionado em frente à casa e foi embora tomar conta do corpo de Zé ximbica.

Maria do Amparo chamou o seu afilhado Gerim e disse na frente de todos presentes:

--- Meu afilhado eu sei que você é virgem, e tem muita vontade vadiar com sua madrinha num tem?

--- Tenho sim senhora.

--- Então vão todos embora que eu vou vadiar com Gerim até o dia amanhecer, eu só posso me vingar de Ximbica se for dessa maneira.

--- Mas minha madrinha eu tô com vergonha.

--- Não tenha vergonha não meu afilhado, que vadiar é coisa melhor do mundo.

Maria do Amparo se trancou com o afilhado e foi vadiar com o afilhado na cama que Zé ximbica comprou a prestação para pagar de seis vezes.

Manoel Julião Neto