segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Promessa Ingênua

No dia 1o de abril de 1879, os pescadores que moravam às margens do rio Itaretama, acharam um caixote boiando. Dentro desse caixote havia uma imagem de uma santa, na qual colocaram o nome de Nossa Senhora de Itaretama. Construíram uma pequena capela com palhas de carnaúbas e colocaram-na num pequeno altar improvisado. Ao lado dessa pequena capela formou-se uma vila, e logo depois a cidade, que levou o nome do rio e da santa, Itaretama. Essa cidade com dois mil habitantes sobrevive da pequena agricultura e do turismo religioso que a Santa Padroeira da cidade oferece, Nossa Senhora de Itaretama. Nos finais de semana a cidade enche de romeiros de todas as partes, esses romeiros são pessoas humildes, que chegam para pagar suas promessas das graças alcançadas, caminhões pau de arara enchem o pátio da Igreja.
A igreja que é modesta. Logo ao lado, fica a casa dos milagres onde os romeiros deixam seus objetos das graças alcançadas, também tem o nome na frente ”CASA DOS MILAGRES”. Próximo da porta principal da igreja tem dois bancos, barracas de vender objetos religiosos, imagens de santos, fitinhas, terço e também lanches, bandeirinhas de papel seda coloridas enfeitam todo o pátio, amarrado em cordões de um poste a outro. O patamar da igreja está preparado para o aniversário da padroeira.
Passa da meia-noite, a cidade está toda dormindo, não tem um vivente andando pela cidade, de longe se escuta um toque de sanfona são romeiros dançando forró pelas cercanias da cidade. Com poucos minutos surgem na escuridão um homem chamado Chicão e a mulher Railda. Chicão carrega um instrumento cilíndrico no ombro, mais atrás, as duas filhas, Neuzinha de 14 anos e Rubenita de 15 anos. Chicão tem uns 40 anos, vestido de calça e camisa de mescla azul, botinas de campo e chapéu de massa velho, desbotado. Railda um pouco menos de 40 anos, vestido simples de chita, o mesmo traje tem as filhas, o modelo dos vestidos das três são o mesmo, e a chita é a mesma. A menina mais velha trás uma cesta na mão. Railda, mulher estabanada, malcriada, não tem medo de nada, muito valente, diz o que chega na sua boca. Chicão é calmo, paciente, às vezes tem uns arrobos de bravura. Chicão tira o instrumento cilíndrico do ombro, coloca em pé, próximo à igreja. Os quatros estão enfadados e exaustos da viagem. Chicão ajoelha-se, tira o chapéu, olha para a igreja e a casa dos milagres e diz:
- Chegamos, graças a Nossa Senhora de Itaretama,a viagem foi pesada para chegar até aqui, mais chegamos.
Railda e as duas filhas, sentam num dos bancos, tiram os sapatos e ficam descansando os pés.
- Chicão, nós vamos dormir no sereno? Pergunta Railda.
- É o jeito...
Railda levanta-se do banco, põe as mãos nos quadris e reclama:
- Não senhor, pode arranjar um canto pra nós dormir, nós não somos cachorros pra dormir na rua, pelo que sei quem dorme no relento é cachorro.
Chicão coloca o chapéu na cabeça novamente e pergunta:
- Quer dormir onde? Não conheço nada aqui. E ainda mais a cidade tá toda no escuro, de meter dedo no olho.
- Dê seu jeito, estou toda moída, minhas pernas estão um molambo, eu e as meninas temos que estirar o corpo que só pede cama. Diz Railda
Chicão, com raiva, fala:
- Por isso que eu não queria lhe trazer, você foi quem se ofereceu, agora está aí procurando arenga comigo, você sabe muito bem que romeiro não tem conforto.
Neuzinha, a filha mais nova, grita:
- Mãe, tô me mijando!
Railda, virando-se para a filha, aponta para o lado da igreja e fala:
- Mije naquele escurinho, não tem ninguém por aqui.
Neuzinha levanta-se, vai ao local apontado pela mãe, levanta a saia e se alivia, volta e senta no banco novamente.
Chicão senta-se no degrau perto do cilindro e diz:
- Estou morto de cansado, estou com os ombros moídos.
- Eu avisei a você, Chicão faça uma promessa maneira, que não lhe dê trabalho, você nunca aceita o que a gente diz, agora é tarde, não adianta reclamar.
- Eu não estou reclamando, quando eu disse a você, já tinha feito a promessa, não podia me arrepender. E com santo não se brinca, prometeu, tem que cumprir. E se eu me arrepender? E tudo voltar de novo, como é que ficamos, eu e você?
Railda, fazendo o sinal da cruz, diz:
- Nossa Senhora de Itaretama que me livre, que volte tudo como era, eu lhe deixava e ia procurar meu destino.
Chicão, abrindo a boca, fala:
- É, temos que deixar o dia amanhecer entrego a encomenda na casa dos milagres, assistimos a missa e vamos embora para nossa casa com o nosso dever cumprido.
Railda chega mais perto de Chicão, coloca uma das mãos em cima do objeto enrolado com sacos de estopa, amarrado de cordas, e pergunta:
- Chicão, será que essa sua promessa não vai dar confusão?
- De onde mulher, os padres são compreensivos, não são como os de antigamente, que eram uns cavalos batizados, os de hoje são todos mocinhos e pra frente, tem deles que até cantam, você num já viu no rádio lá de casa um cantando umas músicas bonitas falando em Deus.
- Sei não, Chicão, sei não. Pra mim, isso tudo que estamos fazendo vai feder a merda, alguma coisa está me dizendo que vai dar tudo errado.
Chicão, com raiva, diz:
- Lá vem você com seus pantins, eu não tô fazendo nada errado, só tô pagando a graça que recebi da minha santinha de Itaretama.
Railda olha para as filhas e faz um apelo:
- Chicão, tenha dó das bichinhas, estão encolhidinhas e cochilando. Homem, saía por aí, veja se encontra uma pensão de romeiros aberta, pra nossas filhas dormirem.
Chicão, com aspereza, reclama:
- Arre égua, Railda. Num vou não, se ajeitem por aí, daqui não arredo o pé até a casa dos milagres abrir, depois vocês dormem os dias que quiserem.
Railda, chateada e de braços cruzados, reclama:
- Te descunjuro homem teimoso do cão, homem teimoso dos seiscentos mil diabos, vai ter a cabeça dura assim na caixa prego.
Chicão, repreendendo Railda, bate na boca três vezes e fala:
- Mulher da boca suja, tu tais de frente a uma igreja, a casa de Nossa senhora de Itaretama, respeite a santa.
Railda foi para onde estavam as duas filhas, juntaram-se da melhor maneira possível no banco, cobriram-se com um lençol que traziam na cesta, deixando só a cabeça de fora, cochilaram. Chicão deitou-se perto do instrumento cilíndrico, colocou o chapéu sobre o rosto e adormeceu. De repente, aparece, saindo de um beco que dava para o pátio da igreja, Doutor Quinzinho e seu amigo inseparável, o ajudante Golinha. Doutor Quinzinho não estava bêbado, mas Golinha arrastava-se agarrado no ombro do Doutor. Doutor Quinzinho é médico de Itaretamam, alcoólatra, andava sempre de palitó branco e sapatos brancos, e um burrinho de cachaça no bolso do palitó. Golinha não tinha morada certa, é um negrinho baixo, que acompanha o Doutor para todas as emergências. O Doutor tem uma vida desastrada, dizem que é amigado com um homossexual que se veste diariamente de mulher, chamado Sebastião Barbosa do Rêgo, mas tem o nome de guerra de Dalila Pignataro. Também é vereador e presidente da Câmara, tem muito conceito na cidade, faz muitas caridades como enfermeiro, por isso Dalila foi eleito o vereador mais votado de Itaretama.
Doutor Quinzinho chega no patamar da igreja e fala:
- Ajeite-se aí Golinha, estou com o ombro doendo de você se pendurar.
Golinha, balbuciando, diz:
- Calma, doutor, calma, estamos chegando.
Os dois amigos sentaram-se em frente à família de Chicão. Doutor Quinzinho tirou o burrinho do bolso, colocou o gargalo na boca, tomou um gole, ofereceu a Golinha, que já dormia com as pernas encolhidas no banco, guardou o burrinho, tirou um cigarro, acendeu e deu uma longa tragada.
Doutor Quinzinho falou:
- Golinha, vá lá embaixo passar uma água nessa cara, que tu melhora. Golinha está roncando.
Doutor Quinzinho foi ao lado da igreja, pegou uma lata com água, jogou em cima de Golinha, que acordou atordoado.
- Tá chovendo.
- Que chovendo nada, nós vamos ficar três dias acordados, até acabar a festa da padroeira, esse foi o nosso compromisso Golinha, lembra?
Golinha despertou, sentou-se, arregalou os olhos e apontou:
- O que é aquilo ali, Doutor?
– Sei lá.
– Preste atenção, Doutor.
Doutor Quinzinho levantou-se do banco, foi até onde estava Chicão, dormindo, e falou:
– Amigo, amigo, acorde.
Chicão acordou, ficou sentado, colocou o chapéu entre as pernas e perguntou:
– O dia já amanheceu?
– Ainda falta muito, amigo, agora que é uma e quinze.
– Pensei que fosse mais tarde.
– Por que está dormindo aí?
– Estou esperando o dia amanhecer para pagar minha promessa.
Railda levantou-se e veio para perto do marido.
– Tanta pensão de romeiro que tem aqui, precisava dormir no relento com toda sua família?
Railda cruza os braços e fala:
– É que nós não conhece nada aqui, e quando chegamos estava tudo fechado.
Chicão, olhando para a mulher, a repreende:
– Railda, eu já te disse, que quando eu tiver conversando você não se metesse, o homem perguntou a mim, num foi a você.
– Mas eu quis responder e daí? Vai me engolir por causa disso? Se for me engolir diga que eu abro os braços.
Doutor Quinzinho pede calma com as duas mãos:
– Calma, calma. Vocês são de onde?
– Nós moramos num sítio chamado Itapaçaroca, distante quase oitenta léguas daqui.
– Vieram a pé?
Railda responde, novamente:
– De casa até a estrada, de carroça, da estrada até perto daqui, na carroceria de um caminhão, deixaram a gente ali perto, e nós viemos a pé.
Chicão levantou-se, irritado.
– De novo, Railda, de novo você se meteu na conversa.
– Calma, calma, amigo. Todo esse esforço só para pagar uma promessa?
– O senhor é da polícia?
- Não, amigo, sou o médico da cidade, e aquele ali é Golinha, meu assistente.
Golinha acenou com a mão.
– Bem, Doutor, é a devoção, é o milagre que recebi de Nossa
Senhora de Itaretama. Vale a pena qualquer sacrifício, graças a ela estou aqui para entregar na casa dos milagres o que prometi.
– E o que é esse trambolho da sua altura que está todo enrolado?
– É a estátua da minha rola.
– Como é que é?
– É isso mesmo que o senhor escutou.
– Você pode abrir para me mostrar?
Golinha levantou-se cambaleado e veio para perto. Chicão começou a desamarrar o embrulho. Quando terminou, Doutor Quinzinho colocou a mão na boca e falou, admirado:
– Meu amigo, esse foi o maior pênis que já vi na minha vida!
Chicão, batendo com a mão no pênis de madeira, disse:
– É de madeira, todo de imburana, foi feito pelo carpinteiro Zé Berimbau, não tem um nó, como o senhor diz é do mesmo jeito do meu pênis, é cuspido e escarrado, o corpo é moreno e a cabeça meio arroxeada, é mesmo que o senhor tá vendo. Quer que eu bote a rola pra fora para o senhor ver como é do mesmo jeito?
– Não quero ver nada. Mas meu amigo, esse pagamento de promessa não vai dar certo, o padre daqui não vai aceitar, isso vai dar a maior confusão do mundo.
– Por que?
Golinha, coçando a cabeça, fala:
– Isso vai dar uma merda.
– Seu Chicão, eu nunca vi uma promessa tão esdrúxula igual a essa, eu vi pernas, braços, cabeças, pés, mãos e peitos, mas pênis eu nunca vi, isso vai dar a maior confusão que Itaretama já viu.
– Mas Doutor, como o senhor diz, o pênis faz parte do corpo, por que eles não vão aceitar? Vão ter que aceitar, o meu problema foi no pênis.
– A merda vai feder. Disse golinha.
Dr. Quinzinho, repreende Golinha:
– Cale a boca, Golinha.
– Reieira vai ser grande. Falou golinha.
– Cale a boca, Golinha.
Chicão pediu a uma das filhas:
– Filha, me dê o outro lençol que está na cesta.
A menina trouxe o lençol e Chicão cobriu o pênis.
– Como foi isso?
– Vai contar, Chicão? Gritou Railda.
- Vou!
– Então, deixe eu sair de perto, não agüento mais escutar você contar esse milagre.
Chicão, com aspereza na fala responde a mulher:
– Deixe de ser besta, o povo tem de saber a benção que recebi de Nossa Senhora de Itaretama, se não fosse ela, como era que eu estava hoje, e você também?
Railda saiu, com as mãos tampando os ouvidos, foi se enrolar no lençol com as filhas.
Golinha, com ironia, disse:
– Conte, amigo, adoro escutar estória de sacanagem.
Chicão, com raiva, falou:
– Aqui não tem nada de estória de sacanagem, o que vou contar foi um milagre que a santa me concedeu, por isso estou fazendo todo esse sacrifício.
– Conte sua estória, Chicão. E tu fica calado Golinha, não se meta onde não é chamado.
– Pois não, Doutor, vou contar como tudo aconteceu, tim tim por tim tim. Era sábado, eu tinha chegado da feira, também tinha comprado um sabonete chamado PHEBO, que cheirava que era uma belezura. Chamei Railda para tomar banho junto comigo, ela veio. E nós começamos a passar sabonete um no outro, quando nós estava branquinho de espuma, que eu já estava arretado, daquele jeito que homem fica, o senhor sabe como é, escorreguei, caí de papo pra baixo, aí o meu pau quebrou no meio, ficou um nó roxo no meio, igual à de cachorro, foi uma dor danada, tão grande que desmaiei. Quando dei por mim, a mulher tinha me levado pra cama, eu com aquele dor do inferno. Railda que é caprichosa nessas coisas enrolou o bicho com uns panos, como o senhor diz, o meu pênis fazia pena, todo inchado. Fui ao Doutor da vila, que fica perto de onde moro, o Doutor passou uns remédios, o bicho desinchou, só que ficou muito feio, do meio pra frente ficou mole, igual a puxa-puxa, e do meio pra trás, duro, num dava pra fornicar de jeito maneira, Railda se aperreou e disse que eu tinha que dar um jeito, daquela maneira não podia ficar, e eu não podia perder Railda, mulher nova, fogosa. Fui a um curador, que benzeu o bicho, passou umas garrafadas, mandou eu tomar mastruz com leite e água de raiz de urtiga branca, passei um mês tomando e nada, o bicho continuava com a ponta mole, do mesmo jeito. Voltei ao curador, ele disse: tudo que eu podia fazer eu fiz, agora só um milagre. Saí dali desesperado, não podia perder Railda, no caminho fiquei de joelho no meio do tempo, e pedi a Nossa senhora de Itaretama se o meu pênis, como diz o senhor, ficasse bom, direitinho, como era antigamente, eu mandava fazer uma de madeira de imburana do mesmo jeito e do meu tamanho, e depositaria na casa dos milagres da igreja dela. Com uns dias, o bicho começou a tomar jeito, a ponta começou a ficar nem mole nem dura, e fiquei bom, e estou aqui para pagar minha promessa do milagre que recebi.
Dr. Quinzinho, passando a mão na testa, disse:
– Que estória mais danada. Não terá sido dos remédios que o senhor tomou anteriormente que fez efeito e lhe deixou curado?
– Não senhor, foi á santa que obrou milagre.
– Isso vai dar um reboliço tão grande nessa cidade, que vai pegar fogo.
- Isso vai dar um cabaré maior do mundo.
- Cala a boca Golinha. Repreendeu Doutor Quinzinho.
Railda, do jeito que estava, enrolada com as filhas, dizia:
– Eu tenho tanto abuso dessa promessa de Chicão, se pudesse ele não contava a ninguém.
Doutor Quinzinho passou a mão no rosto, pensativo, e falou:
– Chicão, eu acho que você tem toda razão, em querer pagar sua promessa, do jeito que você quer. Mas é um modo inusitado de pagar promessa. O padre daqui é muito carrasco, o Bispo também vai participar da festa da padroeira. As beatas daqui são muito frescas e fervorosas por religião, não vão aceitar que você coloque isso dentro da casa dos milagres.
Chicão, preocupado, perguntou:
– Por que?
– O povo católico vai pensar que isso é uma imoralidade, que você está desfazendo da santa.
Chicão, nervoso, disse:
– Não senhor, não estou desfazendo de ninguém, Doutor. O povo que recebe milagres deixa tudo que quer na casa dos milagres, moletas, bengalas, dedo de madeira, pé de madeira, braços de madeira e peitos de madeira. Qual é o motivo que eu não posso deixar a estátua do meu pênis? O pênis também faz parte do corpo, e graças a Santa, eu fiquei bom da minha rola.
– Êta ferro, o caldeirão vai ferver amanhã.
- Cala a boca Golinha. Não se meta onde não é chamado.
- Já tô calado, não digo mais nada.
– Chicão, o Doutor tem razão, vamos deixar esse troço aí, e vamos embora pra nossa casa.
Chicão, desconsolado, disse:
– Railda, não posso, a promessa foi deixar a estátua do meu pênis exposto dentro da casa dos milagres para todos que vierem visitar, vejam. E eu não vou enganar a santa que me deu a alegria de viver novamente. Combinado é combinado, não pode ser desmanchado.
Neuzinha, choramingando, falou:
– Pai, vamos embora, nós vamos sofrer a maior vergonha na frente de todos.
Chicão, com ar de carinho com a filha, disse:
– Eu não posso fazer isso, minha filha, não posso enganar a santa. Quando eu morrer e chegar lá em cima, vou ter que prestar conta à santa, se eu não cumprir o que prometi, vou ser castigado.
Doutor Quinzinho tentou novamente convencer Chicão a desistir e disse:
– Chicão, eu simpatizo muito com sua atitude firme de pagar sua promessa, só que vai ter um problema.
– Qual, Doutor?
– Você vai acabar com a festa da padroeira. Hoje, de hora em hora, vai ter missa, a procissão vai ser à tarde, a santa vai em cima de um andor percorrendo as ruas, o Bispo vai trazer da capital a coroa de ouro que os fies compraram para a santa, vão ser três dias de festa, vai ter crisma, batizado e casamento, hoje vai faltar chão para o povo, as caravanas chegam daqui a pouco, essa frente vai ficar repleta. E como vai ser, você com esse pênis de imburana no batente da igreja?
– Eu sei, Doutor, de tudo que vai acontecer, só que tenho que pagar minha promessa.
Railda, com bastante raiva, dando com os braços, disse:
– Ele é assim, Doutor, quando entorta a cabeça para um lado, não tem homem do mundo que aprume, isso é um jumento.
Chicão levantou-se e falou alto com a mulher:
– Cale a boca, Railda, deixe que sei o que estou fazendo, não preciso de conselhos de ninguém, o que eu devo, tenho que pagar.
Dr. Quinzinho, educadamente, disse:
– Eu sei, amigo, que você tem razão, eu sei também que sua promessa é justa, só que o povo não vai entender.
Golinha, abrindo a boca, disse:
- Não entende, mesmo.
- Cale a boca, Golinha. Já pedi para você não se meter.
– Eu não disse nada demais.
Railda está nervosa, anda de um lado para o outro, com os braços para trás. Fazendo barulho só falta arrombar o chão.
Chicão vai até ela e fala:
– Railda, não fique nervosa, é a promessa, eu não posso sair daqui sem botar a estátua do meu pênis, dentro da casa dos milagres. Por favor, me entenda, como sempre você fez.
- Chicão, eu entendo tudo, vou ficar do seu lado, vou ficar com você até o fim.
Virando-se para Golinha, disse:
– Golinha, diga a Dalila que venha até aqui, estou precisando dela.
Golinha, reclamando, diz:
– Essa hora?
– Agora mesmo, vá num pé e venha noutro.
Golinha, ainda trôpego, saiu se escorando nos postes.
– Doutor Quinzinho, muito obrigado por me entender. Eu sou um homem de qualidade, trabalhador e cumpridor das leis da igreja.
– Eu sei, Chicão, eu sei.
Doutor Quinzinho tira o burrinho do bolso do palitó, toma mais um gole, deita-se no banco e adormece. Chicão também pega no sono, perto da estátua. Railda e as filhas estão dormindo no outro lado deitadas no banco da pracinha que fica em frente da matriz de Nossa Senhora de Itaretama.
O dia está claro, os vendedores arrumam as mercadorias nas barraquinhas, chega o barulho da cidade que acorda, foguetes estouram, saudando o dia da padroeira, o sino da igreja começa a bater, chamando os fiéis para a primeira missa do dia. Nada disso acorda Chicão e a família. Doutor Quinzinho também dorme a sono solto. Dalila chega em companhia de Golinha, veste um macacão colado com botas longas, cabelos longos e loiros, com bolsa a tiracolo.
Dalila entra no patamar da igreja, reclamando:
– Quinzinho tem cada uma, manda me acordar essa hora, não deu tempo para me arrumar direito, o que ele quer comigo, Golinha?
Golinha, com as mãos nos bolsos, responde:
– Sei lá.
Dalila chega no banco onde Quinzinho dorme, coloca as mãos nos quadris e grita:
– Acorda, Quinzinho, acorda.
Doutor Quinzinho acordou, coçou os olhos, meteu a mão no bolso tirou um cigarro e acendeu, e perguntou:
- Porque esse chilique todo ficou com raiva?
– Pode me dizer por que mandou me acordar a essa hora? Espero que você tenha uma boa justificativa.
– Senta aqui, perto de mim, Severino.
Dalila senta e fala:
– Faça-me o favor, Quinzinho, não me chame por esse nome horrível, que eu detesto.
– Comprei uma briga pra mim, espero o seu apoio.
- Você sabe Quinzinho que por você, já estou dentro da briga.
- Está vendo aquele homem dormindo ali (aponta para onde Chicão dorme).
– Tô.
– Golinha vá lá, tire o pano de cima daquele trambolho que está coberto, e mostre a Dalila.
Golinha foi até onde estava o pênis e tirou o lençol que estava cobrindo.
Dalila, com seus trejeitos femininos, colocou a mão na boca e disse:
– Que coisa imensa, nunca tinha visto um jarro desse tamanho!
– Deixa de frescura, Dalila. Tu não podes ver um pau grande que fica nervosa.
- Que coisa majestosa, Quinzinho, grande e grosso.
- Acontece que aquele pobre homem que está dormindo, perto do trambolho, anos atrás, quebrou o pênis de um escorregão que deu dentro do banheiro, tomou toda a qualidade de remédios que os médicos e curandeiros passaram, não ficou bom, quando fez uma promessa a Nossa Senhora de Itaretama, ficou bom do pênis. Então, ele mandou fazer um pênis de imburana, do tamanho dele para colocar na casa dos milagres. Passei horas e horas procurando convencê-lo a desistir dessa promessa, ele não abriu mão, quer entregar o pênis de madeira na casa dos milagres.
- Eu não acredito nisso, Quinzinho de Deus. Ele fazendo isso vai ser o maior babado nessa cidade, a esculhambação vai ser grande, nós vamos servir de mangação, isso é muito feio para ficar exposto na casa dos milagres (com gestos femininos).
Eu também acho, só que ele tem razão para expor esse pênis de madeira na casa dos milagres.
– Por quê?
– Se uma pessoa é devota de Nossa Senhora de Itaretama, quebra um braço, uma perna, um pé, a cabeça, tem doença num peito. O que faz? Manda fazer essa parte afetada de madeira e coloca na casa dos milagres de Nossa Senhora de Itaretama. A mesma coisa aconteceu com esse homem, ele teve uma enfermidade no pênis e quer colocar um de madeira na casa dos milagres, onde ele tem direito, igual aos outros.
– O homem está certíssimo. Raciocinando bem, o homem tem razão, tô com você.
– Eu sabia que podia contar com você.
– Esquecemos uma coisa, e a minha reputação como vereadora e presidente da câmara, como é que fica?
– Meu amor, você está lutando por uma causa justa.
– Isso ainda vai dar em casamento.
– Cala a boca, Golinha
– Êta ferro, lá se vem os donos da igreja!
Dalila e Doutor Quinzinho acompanham com o olhar, passando por eles a patrulha do padre Humberto, quatro ministros, todos de branco com uma cruz de madeira pendurada no pescoço, e as mulheres das duas irmandades que cuidam da Igreja e da casa dos milagres. Dez, chegam vestidas de branco com uma fita vermelha no pescoço, são do coração de Jesus, as dez de branco, com fitas azuis no pescoço, são da irmandade do coração de Maria. Olham com desdém para todos que estão no patamar da igreja, principalmente para Chicão que ainda dorme. Ficam perfiladas na frente da igreja, esperando o padre Humberto.
Chicão acorda, Railda e as meninas guardam o lençol dentro da cesta que traziam. Dirigem-se para perto de Chicão.
– Pai, estamos com fome.

Chicão puxa uma nota do bolso e entrega a filha, as duas filhas encaminham-se para uma barraquinha e fazem um lanche. Chicão vai falar com um dos Ministros.
– Senhor, que horas abre a casa dos milagres?
– Daqui a pouco.
Chicão volta para perto de Railda, espera ansiosamente a abertura da casa dos milagres. Perto de Chicão já tem várias pessoas com objetos para deixar na casa dos milagres.
Uma das beatas, Mocinha, chega perto de Chicão e pergunta:
– O que é isso que o senhor veio deixar na casa dos milagres?
Chicão tira o lençol de cima e responde:
– É a estátua do meu pênis.
A beata coloca a mãos nos olhos e grita:
– Que coisa feia, socorro, socorro!
As outras beatas correm em socorro da amiga, os ministros também.
– Moço, você acha que vai colocar essa coisa horrível na Casa dos Milagres de Nossa Senhora de Itaretama.
– Vou, sim senhor, vim aqui só pagar minha promessa!
– De jeito nenhum, aqui não é casa de prostituição, aqui é uma casa santa, uma casa de Deus.
– Eu sei disso, seu moço, por isso eu fiz a minha promessa e fui atendido pela santinha.
– Não tem cabimento isso que o senhor quer fazer, nunca ninguém fez uma promessa tão ridícula como essa do senhor. E por favor, retire essa porcaria da igreja, senão eu chamo a policia.
– Seu Ministro, eu só quero pagar minha promessa, deixar a estátua do meu pênis dentro da casa dos milagres e ir embora, não quero confusão comigo.
Doutor Quinzinho tomou uns goles do burrinho e foi com Dalila e Golinha até onde estava acontecendo a discursão.
– Pera aí, ministro, por que ele não pode pagar a promessa?
– Doutor Quinzinho, o senhor está vendo que não tem cabimento, uma promessa dessa, o que esse senhor está querendo fazer é para ridicularizar a nossa Santa.
– Eu não acho, ele está fazendo a coisa certa.
O Ministro saiu apressado e ficou junto dos amigos. Todos arrodeavam Chicão e seu pênis de imburana. Padre Humberto abre a porta da igreja, rapidamente fecha e pergunta:
– O que está acontecendo, que tumulto é esse na frente da casa de Deus?- Diz de supetão Padre Humberto.
O ministro diz alguma coisa no ouvido do padre. O padre vai até onde está Chicão e pergunta:
– Que doidice é essa, homem?
Chicão tira o chapéu:
– Sua benção, padre!
– Deus o abençõe. O senhor pode me dizer o que você está fazendo na frente da minha Igreja com esse cilindro horrível?
– Seu Padre, foi o seguinte, eu tive um problema no meu pênis, como diz Doutor Quinzinho, não teve remédio que desse jeito, então fiz uma promessa pra Nossa Senhora de Itaretama, fui atendido, fiquei bonzinho, hoje, no dia dela, vim deixar a estátua do meu pênis na casa dos milagres.
– Meu senhor, vá embora com essa porcaria da frente da minha igreja, antes que eu chame a polícia.
– Mas seu Padre, eu não quero confusão, só quero pagar minha promessa. Não precisa chamar a policia, não sou desordeiro.
Padre Humberto, irritado, diz:
– Isso não é promessa, isso que você está fazendo é uma imoralidade. Retire-se daqui, retire-se.
– Espere aí, padre, não é assim, não, o senhor não está agindo com justiça.
– Doutor Quinzinho, não se meta onde o senhor não foi chamado.
Dr. Quinzinho, com dedo em riste para o padre, diz:
– Me meto, sim, o pênis é igual a qualquer órgão do corpo humano, tanto faz um braço, uma perna, um dedo e um pênis, tudo que eu falei faz parte do corpo humano. (Toma da mão de uma pessoa, um braço de madeira que está perto dele). Você aceita que esse braço seja depositado na casa dos milagres?
– Um braço é uma coisa totalmente diferente. Não uma coisa escrabosa como esse troço que esse homem descomungado trouxe de tão longe.
– Diferente, não, é tudo igual, só que as doenças foram curadas em partes diferentes.
Dalila se mete na conversa:
– Por isso que essa igreja católica não sai do lugar, só tem idéias antigas.
– O Senhor, não se meta no assunto. Você é uma depravada, você é a vergonha de Itaretama. Procure um medico para se tratar, você é um doente.
Dalila, virando a bolsa no ar, diz:
– Olhe, aqui, padre, você me respeite, eu sou o presidente da Câmara de Vereadores, sou uma autoridade dentro dessa cidade e posso me meter nos problemas que existem nela, quero mais respeito comigo. Por isso que a igreja católica está perdendo terreno para os Evangélicos, eles estão tomando as dianteiras de vocês, atrasados, com essas suas leis retrógradas. Se modernizem, se não os evangélicos vão tomar todos os fiéis que ainda existem na sua igreja.
– Senhor, queira retirar-se da frente da minha igreja com essa coisa horrorosa, não queira acabar minha festa.
– Eu não quero confusão, seu padre, só quero pagar minha promessa, deixe eu colocar a estátua na casa dos milagres, deixe!
– Nunca, nunca, só se for por cima do meu cadáver.
O padre saiu apressado, não falou com seus escudeiros, entrou na igreja, com poucos minutos, voltou e ficou em pé, na frente dos escudeiros.
Chicão saiu de onde estava e foi até o padre:
– Seu padre, não leve a mal, deixe eu pagar minha promessa, não posso ficar devendo a santa, senão quando eu chegar lá em cima ela vai me cobrar. Eu juro ao senhor que coloco lá dentro, depois vou embora com minha família.
– O que você está fazendo é regido pelo demônio, você está possuído por Lúcifer, o Demo está tomando conta de você. Essa sua promessa foi o maior pecado que você fez na sua vida, se penitencie do que fez, vá embora, se confesse a Deus e seja um cristão honrado.
– Seu padre, eu sou um homem de qualidade, um homem temente a Deus, sou católico desde criança, sei todas as rezas desde pequeno, fui ensinado por minha mãe que era uma mulher que obedecia às leis da igreja.
– Vai-te reto, satanás, sai desse corpo que não te pertence, vai-te reto satanás.
– Seu padre, não gosto de confusão, mais quando entro numa não quero mais sair, olhe o que estou dizendo ao senhor, vou lhe mostrar, como vou colocar a minha rola de imburana lá dentro daquela casa dos milagres, escute o que estou lhe dizendo.
Doutor Quinzinho foi até onde estava Chicão e o trouxe de volta para perto da esposa.
Dr. Quinzinho, de frente com Chicão, com as mãos nos ombros dele, disse:
– Chicão, não se altere, tenha paciência, que eu e Dalila vamos resolver seu caso, vá numa barraca dessa e faça um lanche, que nós vamos conversar com padre Humberto.
Chicão deixou a mulher e as filhas e foi fazer um lanche. Doutor Quinzinho foi com Dalila até onde estava padre Humberto e falou:
– Padre Humberto, conceda o que esse pobre inocente está pedindo, coloque esse trambolho dentro da casa dos milagres, ele vai embora e o senhor manda tirar, fica tudo resolvido, nada atrapalhará sua festa e todos ficarão felizes.
– Doutor Quinzinho, isso que esse homem está fazendo, é uma afronta a nossa igreja católica, não posso concordar com uma heresia dessa.
– Esse pobre caipira é um inocente, isso tudo que ele está fazendo, para ele, não é nada demais, é uma coisa comum, conceda que ele cumpra sua missão. Ele andou muitas léguas até chegar aqui.
Padre Humberto, com a mão no queixo, disse:
– Doutor Quinzinho, o melhor que o senhor faz, é tomar conta da sua vida, que anda muito errada.
Dr. Quinzinho, nervoso, fala:
– A minha vida o senhor pode deixar, que sei tomar conta. Agora, vocês da igreja católica estão colhendo o que plantaram, deixaram o povo inocente trazer pedaços de paus, aparentando partes do corpo, hoje querem empatar esse homem de colocar um pênis de madeira na casa dos milagres. Vocês mesmos dizem que a santa é milagrosa, agora estão tomando no focinho pelo mal que vocês plantaram. (Doutor Quinzinho retirou-se de perto do padre Humberto).
A beata Mocinha entra na conversa:
– Isso aqui é a casa de Deus, não é casa de safadeza, eu sou encarregada da casa dos milagres e não aceito isso, as chaves estão comigo e eu não abro.
– Amiga, não trave mais a conversa, deixe o Padre e o Doutor resolverem o caso.
– Primeiro, não sou sua amiga, e não gosto de você, que é um pecador, anda por aí vestido de mulher, quando morrer, vai bater nas garras do satanás. Disse a beata mocinha.
Dalila colocou as mãos nos quadris e falou:
– Deixa de ser besta, ratazana de igreja, quem vai pra o inferno é você, que é preconceituosa, deixe a vida dos outros. Você pensa porque vive comendo hóstia vai para o céu, engano, minha nega, você vai pretinha pro inferno.
Dizendo isso Dalila puxou Doutor Quinzinho pelo braço. Os dois saíram, ficaram perto de Chicão e do pessoal que cercava o pênis de Imburana.
Golinha estirou a mão e pediu ao Doutor:
– Doutor, me dá o burrinho, quero tomar um gole. Estou ficando zonzinho com toda essa confusão.
O Doutor tomou um gole e passou o burrinho para Golinha.
Chicão, virando-se para o Doutor, disse:
– Doutor, já esperei demais, vou colocar minha estátua na casa dos milagres, agora, nem que eles mandem me matar.
Dr. Quinzinho, pegando no braço de Chicão, disse:
– Calma, Chicão, as coisas não podem ser resolvidas com violência, vamos com calma, senão isso aqui vai virar uma tragédia.
O delegado chega com quatro soldados e vai direto falar com o padre. O padre explica a situação ao delegado que, rapidamente, vai onde está Chicão.
– Você é de onde?
Chicão, com humildade, responde:
– De Itapaçaroca, bem longe daqui.
O delegado cercou Chicão com os soldados.
– O senhor pegue essa sua porcaria e deixe a cidade imediatamente, senão lhe meto no xadrez. Enfatizou o delegado.
Railda, com rispidez, diz:
– Calma, delegado, nós não somos malfeitores para sermos enxotados da cidade. Chicão e nossa família só vamos sair daqui quando ele concretizar a promessa dele.
– Delegado você pode chegar aqui no canto um pouco?
– Claro, seu vereador, claro.
Dalila levou o delegado para um lado e iniciou uma conversa:
– Delegado, estou do lado do homem do pênis de imburana, e se você ficar contra mim, corto a gratificação que lhe dou pela Câmara, entendido?
– Entendido! Respondeu o delegado.
Dalila ficou perto de Dr Quinzinho e de Chicão, que já tinha bastante gente a seu favor.
– Seu padre, esse homem não está fazendo nada demais, não está perturbando a ordem pública, não vou prendê-lo, nem vou correr com ele da cidade, e está dito.
– Pois se você não vai fazer isso, faço eu.
O padre chamou todo o seu pessoal para atacar e expulsar Chicão da frente da igreja, quando se ouviu um grito, o Bispo ia chegando naquela hora para as comemorações.
O Bispo chega e pergunta:
– O que está acontecendo aqui?
Os vendedores das barracas estão apreciando a confusão entre o padre e Chicão. Agora, com a chegada do Bispo, os ânimos ficaram mais tensos. Um pastor evangélico, com a Bíblia na mão, aprecia toda aquela confusão juntamente com três seguidores de sua religião. Em volta de Chicão, estão seus defensores, Doutor Quinzinho, Dalila, Railda, as filhas, Golinha e alguns amigos seus, pinguços. As beatas e os ministros encontram-se perfilados em frente à casa dos milagres.
Padre Humberto apertou a mão do Bispo, depois, as beatas beijam a mão do Bispo. Padre Humberto conta o que está acontecendo.
Padre Humberto, com as duas mãos cruzadas no peito, diz:
– Senhor Bispo, esse homem trouxe esse imenso pênis de madeira e quer colocar na casa dos milagres, eu e o meu pessoal não estamos aceitando, e aqueles que estão do lado dele querem que ele faça essa heresia de colocar aquela ignorância dentro da casa dos milagres.
O Bispo olhou, fez cara de espanto e falou:
– Que coisa mais horrível, que promessa mais descabida, esse homem só pode ser da parte do cão.
Chicão, com humildade, disse:
– Sou não, senhor. Sou da parte de Deus, protegido de Nossa Senhora de Itaretama.
O Bispo, indignado, falou:
– Retire-se daqui com essa imoralidade, tenha vergonha. Você está com o diabo no corpo ou foi mandado por alguém para acabar a festa da padroeira?
O pastor evangélico, de sopetão, abre a bíblia e começa a ler. Todos escutam em silêncio, inclusive o Bispo.
O Pastor lê com veemência:

Livrai-me, Senhor, do homem mau;
Preservai-me do homem violento,
Daqueles que tramam o mal no coração,
Que provocam discórdias diariamente,
Que aguçam a língua qual serpente,
Que ocultam nos lábios veneno viperino.
Salvai-me, Senhor, das mãos do ímpio;
Preservai-me do homem violento,
Daquele que trama minha queda.
Orgulhosos, armam laços contra mim,
Estendem suas redes e junto ao caminho me colocam ciladas.
Digo ao Senhor: Vós sois o meu Deus.
Escutai, Senhor, a voz da minha súplica.
Senhor Deus, meu poderoso apoio!
Vós protegeis minha fronte no dia do combate.
Não atendais, Senhor, aos desejos do ímpio,
Não deixeis que se cumpram seus desígnios.
Que não levantem a cabeça os que me cercam;
Sobre eles recaia a malícia de seus lábios.
Carvões ardentes chovam sobre eles:
Sejam lançados numa fossa de onde não se ergam mais.
Não terá duração na terra má língua;
O infortúnio surpreenderá o homem violento.
Sei que o senhor defende o desvalido,
E faz justiça aos pobres.
Sim, os justos celebrarão vosso nome,
E os retos poderão viver em vossa presença.
Aleluia, Senhor, Aleluia, Senhor.
Hebreus 140


O Bispo, inconformado, diz:
– O senhor está no local errado, aqui não é a sua pocilga para você está dizendo as suas hipocrisias.
O Pastor, calmo e comedido, responde:
– Senhor Bispo, eu só estou aqui para defender esse pobre homem, que fez essa promessa ingênua. O culpado de tudo isso que está acontecendo, é de vocês mesmos, vocês incentivam o povo a fazer essas besteiras, incute na cabeça dos inocentes, que santo tal faz milagres, que santo fulano de tal é milagroso, olhe o que acontece, estão com problemas agora para resolver. Porque tanto faz essa santa de vocês como esse pênis de madeira, todos dois são uma coisa só, são dois pedaços de pau sem valor. Do jeito que vocês aceitam um pé feito de pau como milagre, tem que aceitar o pênis do homem como milagre, os dois foram feitos por Deus, o valor que tem o pênis, tem o pé, tem o braço, tem a cabeça. Deus não discriminou nenhuma parte do corpo do homem, todas as suas partes são bonitas e abençoadas.
O Bispo, com raiva, disse:
– O senhor está se metendo aonde não foi chamado, isso aqui é um problema de nossa Igreja Católica, retire-se daqui e vá para o seu chiqueiro dizer as suas bravatas de homem santo em outro local.
Dalila, com uma das mãos nos quadris, falou:
– Seu Bispo, vamos resolver o caso do Chicão, depois o senhor briga com o Pastor.
O Bispo perguntou:
– E você, quem é?
Dalila, bem debochada, responde:
– Eu sou Dalila Pignataro, vereador e Presidente da Câmara. O senhor quer saber mais alguma coisa?
O Bispo, com as mãos na cabeça, fala:
– Meu Deus, essa cidade está perdida, até o Presidente da Câmara é um homossexual, aqui nada pode dar certo. Vou dizendo, aqui, esse homem não entra com esse troço feito pelo satanás.
– Não seja injusto, deixe o homem pagar a promessa dele! Falou o Pastor.
A beata Mocinha teve um surto de histerismo e correu para cima do Pastor, dizendo:
– Cão, herege, retire-se da frente da casa do senhor, aqui não é o seu lugar. Volte para o lixo que é sua igreja, volte para sua casa de cachorros, aqui não lhe cabe. Não se meta nas coisas de nossa igreja católica.
Bateu no rosto do pastor e o pastor bateu na beata com a bíblia, agarram-se e embolaram no chão. Padre Humberto e as outras beatas foram apartar a confusão. O pastor Evangélico deu um passa pé no Padre que as pernas do vigário ficou para o ar. O Pastor era bom de briga, sentou a Bíblia na cara do Padre que as paginas voaram, agarrou a fita que estava no pescoço da beata que quase a mata enforcada. Foi trabalho segurar o Pastor que não abria do pau.
– Silêncio. Exijo respeito. Vocês estão diante da casa de Deus! Falou o Bispo aos gritos.
– Como é Bispo, o pênis entra ou não entra na casa dos milagres? Perguntou Dalila.
– Não!
– Vocês padres, com essa mentalidade atrasada, estão perdendo o seu rebanho, os evangélicos estão na frente de vocês. Vocês só querem ser certos, mas a classe que tem mais homossexual e pedófilos é a de padre, Vocês vivem escondidos atrás dessa religião atrasada, olhando o defeito de todos e cheios de defeitos também, tomem vergonha na cara, acabem com essas leis bestas que vocês têm, que não levam a nada. Todos os dias saem escândalos de vocês nos jornais e nas televisões, e ainda não aprenderam.
– Me respeite, eu sou um Bispo, e eu não estou aqui para responder perguntas de homossexual.
Chicão, humildemente, pede:
– Por favor, não briguem por minha causa, eu só quero pagar minha promessa e ir embora pra minha casa. Andei mais de oitenta léguas para chegar até aqui, e não posso deixar de cumprir o que prometi á Nossa Senhora de Itaretama.
Doutor Quinzinho chamou o Bispo de um lado para conversar:
– Seu Bispo, sou o médico dessa cidade, esse homem, Chicão, que veio pagar essa promessa, é um rude, inocente, é um tosco que tem muita fé na Santa, ele acha que colocando o pênis de madeira dentro da casa dos milagres pagará a promessa dele, e se não colocar vai ser castigado pela santa, então faça o seguinte: deixe ele levar aquele trambolho para dentro da casa dos milagres, quando ele for embora o senhor manda retirar, ele só quer isso. O senhor se lembre que ele é um homem ignorante, porém inocente, ele só sairá daqui quando conseguir o seu intento, e pelo que vi ele vai brigar para colocar o pênis de madeira na casa dos milagres, ele é capaz de matar e morrer para concretizar a promessa que prometeu a Santa. O que o senhor acha?
O Bispo, irritado, responde:
– De jeito nenhum, isso será uma desmoralização para a igreja.
Dr. Quinzinho, ainda calmo, fala:
– Seu Bispo, sua igreja nunca será desmoralizada, isso é uma coisa tão simples, o senhor pode resolver essa confusão num estalar de dedos.
O Bispo, ainda irritado, diz:
– Essa sua proposta, não quero nem levar a sério.
– O senhor deixa entrar várias peças, como pernas, braços e outras coisas, por que não pode pênis?
– O senhor não está vendo que isso é uma afronta? Não queira que eu volte atrás nas minhas convicções.
Dr. Quinzinho, irritado, diz:
– Prepare-se para o pior, eu estou lhe avisando.
De um lado estavam o Bispo, o Padre, os Ministros e as beatas. Do outro, Chicão, Railda, as filhas, Golinha, Doutor Quinzinho, o Pastor e seus ajudantes. A guerra estava lançada, Chicão se ajoelhou e pediu, chorando:
– Deixem eu pagar minha promessa, em nome de Jesus. Não quero briga, não quero arenga, só quero cumprir meu compromisso com a santa, deixe eu entrar na casa dos milagres, não sejam tão ruins, isso aqui não tem nada de maldade, eu só estou cumprindo o meu dever. Deixe eu pagar o meu compromisso que fiz junto a Nossa Senhora de Itaretama.
Doutor Quinzinho começou a atiçar Railda:
– Você vai deixar fazerem essa desfeita com seu marido? Um homem tão bom e trabalhador, a senhora vai deixar esse povo desmoralizar Chicão.
Railda, comentando baixinho, diz:
– Doutor, daqui a pouco eu e minhas meninas vamos espantar esse povo todo que está na porta da casa dos milagres. Eles não conhecem nós. Eles vão ver como uma mulher briga, e as minhas meninas são piores do que eu.
Doutor Quinzinho coloca lenha na fogueira:
– Faça bem feito, os policiais não vão fazer nada com vocês, eles estão do nosso lado. Quem manda aqui é Dalila.
– Deixe comigo, daqui a pouco eu começo.
Railda foi à cesta, tirou uma peixeira, colocou na mão e gritou:
– Chicão, meu marido, você vai pagar sua promessa, agora. Agora é matar ou morrer, esses incrédulos não querem permitir, mais você vai pagar sua promessa, quem está dizendo é Railda.
Railda foi para a frente, com a peixeira na mão, desafiando a todos. Chicão pegou o pênis de imburana e foi na frente e as filhas atrás, fizeram uma espécie de aríete, e começaram a entrar na Casa dos Milagres, os que lhe arrodeavam, afastaram-se, e a família de Chicão, avançava.
O Bispo morrendo de medo, com as pernas tremendo dizia:
– Virgem Maria, a mulher está armada.
– Estou e mato qualquer um que atravessar em nossa frente. Se o senhor vier em cima de mim vou lhe furar no cu, lugar onde já é furado. Venham bando de ratos de Igreja, venham me enfrentar na peixeira Paraibana, venham! Bando de filhos de uma puta, venham corram dentro, venham pra frente da bicuda.
A beata Mocinha, num surto de loucura, gritava, se descabelando:
– Esse povo está com o diabo nos couro, parem, parem!
O bispo avançou para impedir que subissem com o cilindro, agarrou-se na cabeça do pênis de imburana, ficou aquele bolo, nem pra cima, nem pra baixo. A beata Mocinha, descontrolada, correu, foi até a cinta do delegado, tirou o revólver e atirou em Chicão. O tiro pegou no peito Bispo e ela continuou atirando, saiu correndo, o padre Humberto correu, foi até o Bispo que estava estendido no chão, ferido. Chicão, derrubou a porta da casa dos milagres com a cabeça do pênis de madeira, colocou o pênis de pé, lá dentro. Saiu triunfante.
– Promessa cumprida, minha Nossa Senhora de Itaretama.
Ajoelhou-se na frente da igreja, fez o sinal da cruz e foi embora para Itapaçaroca com sua família.
- Vamos Railda, pegue as meninas e vamos para nossa casa.
- Atiraram no Bispo Chicão.
- E eu com isso, não fui eu, só fiz a minha parte, paguei minha promessa, cumprir meu trato com a santa.
Golinha sentado no banco tomando uma no burrinho dizia:
- Esse Chicão é foda mesmo.
- Vamos Dalila prá casa. Vamos Golinha que ainda vai ter muita festa.



Manoel Juliao Neto