quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A volta de azul

Eram os idos dos anos quarenta, quando chegou á segunda guerra mundial. Pedro Avelino era uma pequena vila chamada de Epitácio Pessoa, sem perspectiva de vida para ninguém. Os que viviam aqui escapavam como pequenos agricultores e criadores. A vila era um abandono, a população vivia sob os grilhões de São José dos Angicos, o divertimento era a chegada do trem e a saída do trem para Natal.
No maior abandono da família morava um rapaz que tinha o apelido de Azul, que não fazia nada, era um verdadeiro vagabundo, era sustentado pelos pais, os irmãos o detestavam, por ser mal criado, nojento e embosteiro. Por aqui chegou um pessoal alistando gente para ser soldado da borracha ou então para as fileiras do Exército Brasileiro, Azul preferiu ser soldado da borracha, se cagava de medo de ir para guerra, preferiu viajar para o Amazonas, foi ser seringueiro. Foi embora, não se despediu de ninguém da família, todos o detestavam. Pegou um caminhão até Mossoró, de lá iria de navio para o Amazonas trabalhar no seringal.
A guerra terminou, e Azul não voltou para Pedro Avelino. A família de Azul que ficou aqui foi se espalhando, uma irmã ficou morando em Pedro Avelino, outros migraram para a cidade de Afonso Bezerra, Natal e Ceará Mirim. E nada de Azul aparecer. Quando se perguntava por Azul a irmã que ficou aqui, dizia:
--- Eu sei lá daquele troço, tomara que tenha morrido, que as onças tenha comido ele.
A irmã de Azul que ficou em Pedro Avelino era louca por dinheiro, tinha uma ganância grande, tudo ela colocava o dinheiro na frente, era conhecida como gananciosa, queria trabalho para todos os filhos, brigava com todos os vizinhos, não tinha quem quisesse a amizade dela era conhecida na ruindade, até intrigada com mãe ela era. Quando o marido morreu brigou com todos os filhos na partilha dos bens, queria tudo para ela, foi parar nas barras da justiça, a mulher era o diabo em forma de gente, a mãe dela se aposentou, foi até onde estava a mãe para tomar o cartão da aposentadoria, foi preciso a justiça intervir. A ganância dela era grande só via na frente dela o dinheiro, a velha era o diabo quando se falava no fio metal. Só quem a agüentava era uma filha que vivia encalhada, e também tinha herdado a mesma ruindade da mãe, ainda dizia que o povo de Pedro Avelino tinha marcação com a família dela.
Essas duas pessoas viviam escanteadas pela população, não se davam bem com ninguém, mas a população não ligava muito para elas.
Depois de mais de sessenta anos chega um telefonema na Prefeitura de Pedro Avelino perguntando se alguém conhecia uma pessoa chamada Cedília, as atendentes da Prefeitura disseram que sim, ele perguntou se era fácil falar com ela, as atendentes, confirmaram que sim. E foram chamar:
--- Dona Cedília tem um homem no telefone querendo falar com a senhora.
--- Quem diabo é. Ele não disse o que queria?
--- Só falou que queria falar com a senhora.
A velha Cedília entrou para o quarto, pedindo a filha á sobrinha para se amparar do sol.
Chegando na Prefeitura, perguntou:
--- Ele ainda está na linha?
--- Está sim senhora, pode falar.
A velha pegou o telefone com um mau humor, que parecia que iria falar com o satanás.
--- Alô quem é?
--- È Cedília?
--- É ela mesmo, pode dizer.
--- Sou eu minha irmã, Azul, estou voltando para junto de vocês.
--- Eu pensei que as onças já tinham lhe comido, e você aparece agora.
--- E mamãe ainda está viva?
--- Está dando trabalho na casa dos outros, nossos outros parentes não tenho notícias, e nem quero.
--- Minha irmã estou embarcando no avião amanhã, depois de amanhã estarei em Epitácio, para morar com você.
--- Aqui não é mais Epitácio Pessoa, agora é Pedro Avelino.
--- Até mais ver.
Dona Cedília saiu toda contente, se ele vinha de avião, era rico, e sendo rico aceitaria na sua casa. Estava precisando de um dinheiro, sempre precisou.
Chegando em casa contou á filha o que tinha acontecido:
--- Seu tio Azul apareceu, disse que vem morar com agente. Ele podre de rico.
--- Quem disse que ele é rico?
--- Ora filha, se ele vai chegar em Natal de Avião é porque é rico, pobre não viaja de avião.
--- E vai chegar quando?
--- Depois de amanhã!
--- E o que vamos fazer?
--- Ora, ora, vamos dar a ele uma recepção de gala, vamos matar umas duas galinhas caipiras, fazer bolos, pudim. Vou encomendar feijão verde, eu acho que faz tempo que ele não come, e também assar um pedaço de carne de sol. Precisamos ajeitar ele para poder ficar morando na nossa casa. Já estou pensando em comprar uma geladeira nova, um fogão e trocar os estofados da sala, também vou pedir a ele para fazer uma reforma na casa, para aumentar a cozinha.
--- Isso vai dar certo mamãe?
--- Claro que vai, você é como São Tomé, só acredita vendo.
No outro dia começaram logo cedo a lavar a casa, deram uma faxina geral em tudo, vasculharam as telhas, varreram o quintal, passaram óleo de peroba nos móveis, passaram panos em todos os cantos da casa que ficou um brinco.
--- Olhe aqui filha, não vamos deixar nenhum de nossos parentes saber que ele vai chegar, pode ser que queiram atravessar no meio, e nossos planos vão por água abaixo, não diga nem a seus irmãos da chegada do seu tio. Vamos dormir que amanhã temos muito o que fazer, temos muitas comidas para preparar.
O dia amanheceu Dona Cedília já estava com duas galinhas mortas, e água fervendo no fogo para despenar, a filha batia a massa dos bolos, a filha perguntou:
--- Mãe será que ele gosta de pastel?
--- Não sei!
--- Será que ele bebe?
--- Não sei, mas quando ele saiu daqui bebia e muito.
--- Mesmo assim mãe vamos comprar um litro de vinho para o jantar.
O dia foi todo de trabalho das duas, preparando os quitutes para o visitante ilustre que chegaria a noite de uma longa viagem, de mais de sessenta anos.
O dia foi se acabando, foi anoitecendo, as duas se apressaram para tomar banho, e irem logo para cobertura da feira para esperar o parente rico que estava de volta. A velha Cedília dizia:
--- Minha filha eu estou tão nervosa, só em pensar que vamos mudar de vida.
--- Mamãe não faça tantos planos, às vezes com muitos planos, quebramos a cara, e nos vivemos bem só nós duas.
--- Não pense negativo filha, pense sempre positivo.
--- Mas a senhora dizia a mim que ele não valia merda, como é que agora quer ele dentro de casa?
--- Ele deve ter mudado, agora é um homem rico, deve ter aprendido bons modos.
Passava das dezoito horas, quando as duas saíram apressadas para o centro da cidade. Chegaram cedo demais na cobertura, só tinha uns pinguços tomando cachaça nos treiles e fazendo barulho. Foi chegando mais gente para esperar o ônibus da Empresa Cabral. As duas começaram a ficar nervosas quando o ônibus apontou na esquina do salão paroquial, e ônibus vinha se aproximando, a velha Cedília disse para filha:
--- Estou tão nervosa que estou com vontade de mijar.
--- Deixe de besteira mamãe, a senhora não gostava dele, agora está com essa frescura toda.
--- Mas agora ele é rico.
O ônibus parou, abriu a porta, começou a descerem passageiros, e a velha Cedília de pescoço esticado procurando o irmão pelas janelas do ônibus, de repente desceu um senhor alto bem vestido de palitó impecável, com uma maleta de executivo na mão, a velha Cedília não se conteve, correu e abraçou o homem, e foi dizendo:
--- Meu irmãozinho á quanto tempo, passei esses anos todos pensando em você, finalmente voltou para o nosso convívio.
--- Calma irmã, calma...
--- Você ainda pede que eu tenha calma, fez eu sofrer esses anos todos, eu morrendo de saudades de você, em todas minhas orações pedia para que Deus lhe protegesse. De toda nossa família a única que gostava de você era eu.
--- Calma irmã, muita calma nessa hora.
--- Olhe essa aqui é minha filha, é sua sobrinha, eu sempre achei ela parecida com você.
--- O que é isso irmã?
--- Você vai ficar lá em casa, e de lá não vai sair mais nunca.
--- Irmã, eu não sou seu irmão, eu vim a essa terra, para fazer um culto evangélico na Igreja do irmão João Maria de Aquino. Eu sou um pastor Evangélico. Eu sou o Pastor Jeremias.
--- Então você não é meu irmão Azul?
--- Que Azul que nada minha senhora.
Nessa conversa apareceu João Maria, apertou a mão do pastor e saiu com ele para embarcar no seu carro e levá-lo para casa.
Quando Dona Cedília olhou, juntamente com a filha avistou o irmão que vinha descendo do ônibus, escorado num cabo de vassoura, de óculos escuros, uma toalha no pescoço, mancando por uma perna e com um boné do Vasco da Gama atolado na cabeça, magro que parecia o peixe avoador seco. Foi dizendo:
--- Minha irmã Cedília, quanto tempo.
--- Você é Azul?
--- Sou eu mesmo!
--- Você não arranjou nada na vida esse tempo todo que passou fora?
--- Não!
--- Você é aposentado, trás algum dinheiro?
--- Não, só trago muitas doenças, catarata, diabetes, reumatismo e malaria, só malaria eu peguei doze na Amazonas.
--- Mas você veio do Amazonas de avião, quem pagou a passagem?
--- Foi uma ONG que ajuda as pessoas que querem voltar para sua terra.
O cobrador do ônibus avisou que o ônibus partiria naquele minuto para cidade de Afonso Bezerra.
--- Espere ai motorista, esse homem vai para Afonso Bezerra, os parentes dele estão todos lá.
---Mas minha irmã deixe eu ficar aqui com você.
--- É muito bonito para minha cara, tratar de quem está doente. Faça de conta que nunca me viu. Leva motorista, leva esse troço para Afonso Bezerra. E além do mais lá em casa todos são flamenguistas, você chega com um boné do Vasco da Gama.
--- Deixe eu ficar Cedília, eu quero me tratar na sua casa.
--- É ruim eu tratar de um nojento como você, leva motorista.
Azul subiu novamente no ônibus em direção a cidade de Afonso Bezerra, no caminho de casa, a velha reclamava.
--- Eu vou lá gastar vela com defunto ruim, ele que se lasque para lá.
--- Eu disse para a senhora, que não criasse expectativas com a chegada desse seu irmão.
--- Está bom, não quero escutar mais nada sobre essa besteira que fiz.
A velha Cedília ficou puta da vida da besteira que fez, dizia para a filha que não se perdoaria nunca. Matou galinha para aquele traste comer, fez bolo, pensando que ele estava rico, quando se dar fé, o nojento só trazia doenças, a casa dela não era hospital, o SUS que tomasse conta.
Passado um ano, Dona Cedília soube que Azul seu irmão tinha recebido do Governo Federal uma aposentaria de dois salários mínimos e meio, e mais o atrasado do tempo que tinha dado entrada na aposentadoria, recebeu essa aposentadoria pelos bons serviços que tinha prestado por ter sido soldado da borracha na Amazonas. Dona Cedília não perdeu tempo, deslocou-se de Pedro Avelino para a cidade Afonso Bezerra, ia visitar o irmão.
--- Oi Azul meu irmão, como você está?
--- Muito bem as minhas custas.
--- Vamos morar mais eu, vivo tão sozinha.
--- Vá embora de minha casa cobra sem-vergonha, agora que estou aposentado você me procura. Gananciosa, agora que estou bom de saúde e com minha aposentadoria gorda é que me procura. Dane-se daqui, pra fora cachorra. Se você não sair logo eu boto os cachorros em cima de você.
--- Naquele dia que você chegou, eu disse aquelas coisas, porque estava nervosa, tinha tomado um remédio e estava desorientada.
--- Pra fora cobra caninana, pra fora, pega ela tuninha, pega. Isca, isca, isca.
A cachorra vira lata vinha de dente trincado para pegar a intrusa, Cedília fechou o portão ligeiro, a cachorra riscou em cima. A velha pegou o beco para Pedro Avelino, com uma raiva danada do irmão, reclamava:
--- Mau agradecido, a pessoa vai convidar ele para ter uma residência descente, e ele rejeita. Ainda bota o cachorro em cima da pessoa.





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