quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

FIAT-147

Décadas atrás Manoel Constâncio morava numa propriedade, que pertencia ao Município de Pedra Preta. Tinha uma família numerosa, como era muito trabalhador, e um bom administrador de propriedades, aproveitava as oportunidades que a natureza lhe oferecia, principalmente a água. E água é o melhor bem que um bom administrador sabe desfrutar.
Acontece que anos atrás foi muito bom de inverno, e Manoel Constâncio colheu uma boa safra, com o lucro da venda do algodão, comprou um JIPE-58, na cidade de Jandairá. Quando Manoel Constâncio chegou em frente de casa que parou com JIPE, foi uma festa danada, menino chorava de alegria, João Constâncio ficou tão emocionado que lhe deu uma dor de barriga, correu para dentro das juremas com a bosta escorrendo pelo mocotó. Chico que era o mais velho se apossou logo da direção, afastou os irmãos de perto do Jipe, disse:
--- Eu vou ser o motorista de papai, aprendi a dirigir no trator de Leocadinho, depois ensino ao resto da cambada de meninos sambudos.
A família dos Constâncios eram constituída, por Seu Manoel, Dona Chiquinha, esposa. Filhos: Chico, Dorinha, João, Neném, Salomão, Tonho, Mainho, Cássio e Raimundo. Os maiores logo aprenderam a dirigir o JIPE, Cássio e Raimundo como era os menores não tinham o direito de aprender guiar o automóvel da família. Cássio quando pedia para aprender a dirigir, levava um monte de cascudos dos irmãos mais velhos. E o menino mijão de rede, cresceu com esse trauma de não saber dirigir. Isso foi afetando cada dia a cabeça de Cássio, que ficou com essa psicose por anos a fio.
Passou muitos anos e ele não aprendeu a dirigir. Casou muito cedo, com pouco tempo já tinha três filhos. E dava duro no Laticínio São Pedro, mas conhecido como a Marina.
O serviço de Cássio era pesado, passava quase a noite toda na entrega de leite nas cidades vizinhas. Mas Cássio não esquecia o sonho de aprender a dirigir e comprar um carro, desde pequeno era o seu maior desejo. Quando ele passava pela cobertura da feira livre de Pedro Avelino, onde ficavam os mais endinheirados, com as tampas das malas dos carros aberta com o som nas alturas, ficava louco para possuir um carro, esse era o desejo de consumo de Cássio, que ficava horas e horas escutando o som dos carros, e dizia consigo mesmo: - Um dia ainda vou possuir um carro desse com um som bem potente. E saía constrangido pelas calçadas em procura de casa, com o peito cheio de esperança, que um dia possuiria um carro com som, para chegar na cobertura da feira e botar para lascar, o seu som iria bater nos quatros cantos da cidade de Pedro Avelino.
Pediu aos motoristas dos caminhões de entrega de leite para lhe ensinar a dirigir. Mas era proibido pela administração do laticínio, mesmo assim com muitas insistências os motoristas ensinaram Cássio a dirigir. Qual não foi seu entusiasmo quando aprendeu a dirigir, vibrava de alegria, o primeiro passo foi dado para comprar um carro. Foi á gota dágua para Cássio querer possuir um carro de qualquer maneira, isso tinha sido sempre o sonho de sua vida. Ia fazer umas economias para concretizar os seus sonhos de qualquer maneira. Só que faziam mais de cinco anos que trabalhava na Marina e nunca tinha conseguido juntar um tostão sequer. Teve um plano mirabolante, daquele dia em diante iria dar nó cego na empresa, para lhe darem um pé na bunda, assim receberia seus direitos trabalhistas e ainda por cima ficaria recebendo o seguro desemprego por três meses.
Tomou uma cachaça grande, de madrugada estava de ressaca vomitando dentro do pinico, não iria entregar o leite naquela madrugada. Bateram na sua casa para ele ir trabalhar, não foi, disse:
--- Hoje não vou, tô com uma ressaca de morrer, estou cagando sem o cu sentir.
Cada dia Cássio Constâncio dava um lero diferente na Empresa, já estava virando uma rotina, não lavava os tambores de leite, não fazia a limpeza como era determinado, perdia o caminhão que entregava o leite, o encarregado dele já tinha notado que Cássio estava dando nó cego. Nessas alturas Cássio estava ficando puto da vida, tinha feito de tudo e não lhe colocaram para fora da Marina, tinha que fazer uma coisa extraordinária para lhe botarem para rua.
Certo dia um dos donos da empresa comprou uma moto nova, deixou estacionada na frente do prédio da administração da Empresa, esqueceu a chave na ignição. O que fez Cássio que não sabia manejar moto, subiu, ligou, acelerou, a moto que era muito potente tomou de suas mãos, entrou de porta adentro, quebrou a porta da empresa, estragou a frente da moto, fez o maior estrago, tanto na entrada do prédio como na moto. Resultado, não lhe colocaram para fora da empresa, ficaram descontando do ordenado dele todos os meses o estrago que fez. Cássio passou mais de ano pagando o estrago que fez. Cássio não se conformava, queria sair da empresa, e não queriam despedi-lo, queria comprar o seu carrinho, queria comprar o som dos seus sonhos, queria curtir as bandas de forró no seu carro, não deixavam, mas iria preparar uma para eles. Começou a faltar, não saía com o caminhão baú para as entregas de leite, dirigia os carros da firma sem ordem, para findar a conversa, encheu o saco do pessoal da Marina, que o despediram. Cássio chegou em casa radiante de alegria.
--- Loia deram minhas latas na Marina, agora eu compro o meu carro.
--- Você é maluco Cássio? Como vamos dar de comer aos meninos?
--- Isso eu dou meu jeito.
Loia a esposa de Cássio correu e foi fazer queixa a mãe dele. Dona Chiquinha imediatamente foi lá onde ele estava.
--- Meu filho você perdeu o seu emprego?
--- É mãe, mandaram eu pegar o beco.
--- Meu filho não perca o seu ganha pão, se você quiser eu vou falar com Ediclaiton ou então com Élson para você voltar.
--- Negativo, eu que quis sair, eu sempre fui um menino traumatizado, meus irmãos nunca deixaram eu dirigir o JIPE de papai, eu nunca tive o prazer de possuir um brinquedo da Estrela, eu sempre só brinquei com carrinho de lata e boi de osso, sempre fui um menino descriminado, e hoje vou ter o prazer de possuir o meu carrinho e não vou deixar passar essa oportunidade.
--- Meu filho deixe de ilusões bestas, quem vai dar de comer aos seus filhos?
--- Eu dou meu jeito.
--- Deixe de ser teimoso Cássio, tome juízo, volte para o seu emprego, seus filhos e sua mulher precisam do dinheiro que você ganha.
--- Juízo eu tenho de sobra, eu quero é meu carrinho com som.
--- Eu nunca andei num carro de papai! Num volte a trabalhar papai, compre um carrinho para nós passear. – dizia Gonzaga o filho mais velho.
--- Tá vendo mãe, até os meninos sente a falta de um carro.
A família se reuniu, e foram colocar Cássio num canto de parede. Comprometeram-se com ele, que falariam com os donos da Empresa, para ele continuar trabalhando. Não adiantou, Cássio não arredou o pé dos seus propósitos.
E o teimoso foi chamado na firma para acertar as suas contas, recebeu tudo direitinho, fundo de garantia e os papéis para ir a Caixa Econômica receber o seguro desemprego. Foi ao Banco do Brasil, retirou o primeiro dinheiro, no outro dia viajaria até a cidade de Macau para retirar o FGTS, e também daria entrada no seguro desemprego. Retirado o primeiro dinheiro, chegou no comércio de Jeová comprou uma carteira de cigarros CARLTON, e jogou fora á carteira de cigarros DERB cheinha no camburão do lixo.
No outro dia viajou para a cidade de Macau, recebeu o Fundo de Garantia, saiu todo fagueiro em direção ao Restaurante Maré Mansa, o estrago foi grande, só comeu camarão do grande e peixe de primeira, puxado com uma cervejinha bem geladinha, daquelas que fica mofada, e dizia consigo mesmo: - se fui pobre não me lembro. Despesa paga no restaurante, Cássio rumou para rodoviária onde pegaria o ônibus de volta para Pedro Avelino. No caminho avistou um FIAT-147, bem arrochadinho com uma placa de vende-se. O menino mijão de rede endoidou pelo carro, saiu á procura do proprietário, logo achou:
--- Quanto está pedindo pelo carrinho?
--- Barato, quase de graça!
--- Qual a situação dele?
--- Está filé, bom igual ao queijo de Caicó. Não bate nada, os pneus estão meia vida, o motor esta tinindo, ainda tem um som que é uma beleza, chega a doer nos ouvidos.
A conversa não se alongou muito, Cássio já estava de volta para Pedro Avelino de carro. Cássio estava numa ânsia grande para chegar em casa. Não custou muito e Cássio já estava na porta de casa com seu FIAT-147. Os meninos de Cássio caíram todos dentro do carro, Gonzaga estava agarrado na direção fazendo o barulho do carro com a boca, Artur pulava em cima dos bancos, a mulher de Cássio na porta com a cara mais feia do mundo, estava em ponto de briga. E foi chegando gente para ver o carro de Cássio, chegou á família toda. Dona Chiquinha olhou para a cara do filho e disse:
--- Meu filho pra que você comprou esse carro?
--- Ora mãe para passear com minha família.
Cássio encheu o carro de amigos e foi para cobertura da feira livre tomar birita, com o som do carro em toda altura, e com um CARLTON no canto da boca, e dizia para os amigos:
--- Pobre sofre demais, eu mesmo já sofri muito, hoje sou outro homem. Tenho meu carrinho, uma porrada de dinheiro para receber, vou só curtir a vida.
Cássio chegou em casa pela madrugada, vinha morto de embriagado, entrou em casa se arrastando, pegou no portal da porta quase não sobe o batente, deitou-se com roupa e tudo, com pouco tempo á cama começou a rodar, não conseguia dormir, a boca começou a encher de água salobra, notou que ia vomitar, não deu tempo de ir ao banheiro, vomitou em cima de Artur que dormia no berço, e saiu correndo lavando a casa de vomito, a casa ficou com uma catinga de alojo que não tinha cão quem agüentasse. Quando o dia amanheceu, o sobrinho dele que tinha o apelido de pé de feijão, queria o carro emprestado para ir buscar uma porca no assentamento Bom Jesus, Cássio mandou entregar a chave do carro.
Cássio sentou-se no batente da cozinha, e a mulher brigando lá pra dentro, com a maior raiva. E Cássio não estava nem ai, chamou Gonzaga:
--- Gonzaga vá à casa de mamãe e traz uma garrafa de água gelada.
--- Bonito para sua cara, não possui uma geladeira em casa, mesmo assim compra um carro.
--- Pra que eu quero geladeira, tem a de mamãe.
Quando estavam nesse pé de discursão, chegou pé de feijão com o banco do carro cheio de lama da porca que tinha trazido de assentamento Bom Jesus.
--- Porra pé de feijão, sujasse o carro todo, é uma catinga danada de chiqueiro de porco.
--- Eu vou lavar tio Cássio.
--- Eu pensei que você só ia ao assentamento e voltar.
--- Mas um frete para trazer a porca era trinta paus.
--- Me pedisse o dinheiro que eu dava, não botar uma porca dentro do meu carro. Esse carro não é para carregar porco, e para curtir e passear com minha família, de outra vez me peça o dinheiro que eu dou.
--- Foi mau tio.
Pé de feijão passou a manhã toda lavando o FIAT-147, e Cássio supervisionando o trabalho do sobrinho, que dava um grau no carrinho do tio, que já tinha mandado pegar cerveja para tomar com os amigos. Os amigos de Cássio eram chegando e tomando a cerveja que ele tinha comprado, tudo naquele dia era 0800, ninguém pagava nada, era tudo por conta do novo rico do conjunto Santa Luzia.
O carrinho de Cássio não teve mais sossego, todos os dias, aparecia uma viagem para ele. Todos os irmãos inventavam viagens no FIAT-147, Lóia de pirraça nunca tinha entrado no carro, aquilo estava deixando Cássio contrariado, que logo falou para esposa:
--- Domingo se prepare que vamos tomar um banho de praia em Macau.
--- Não vou! – respondeu a esposa.
Os filhos começaram a chorar, queriam tomar banho de praia, não conheciam o mar. Os meninos não sabiam como era a praia. Finalmente a esposa de Cássio concordou que iria tomar banho nas praias de Macau.
--- Compre um frango para agente levar para os meninos comerem na praia.
--- Ó mulher você só pensa como pobre, nós não somos farofeiros, vamos comer peixe frito na orla marítima. Na beira da praia só tem cervejas geladas de doer os dentes.
No domingo bem cedo, Cássio arrumava os filhos, tinha comprado sungas para os dois meninos e biquíni para a menina, Lóia não iria tomar banho de mar, só iria para Macau por causa das crianças, daqui a pouco veio mais dois sobrinhos, mais uma sobrinha, e Mainho ainda queria ir com Adriana que pesava no mínimo cem quilos e mais duas filhas, não deu para ir, e Cássio saiu com os filhos e os sobrinhos para Macau. Foram por Afonso Bezerra e pegaram a estrada de barro de Mulungu que estava horrível, era só as costelas de trepidação, finalmente pegaram a estrada do óleo e chegaram em Macau, precisamente na praia de Camapô. A menina quando viram a praia enlouqueceram, caíram dentro mar, se sujavam de areia, brincavam à-vontade, e Cássio tomava cerveja no quiosque e os meninos tomavam refrigerante com pasteis. Rapidamente chegou um peixe frito com farofa e batas fritas, Cássio cheio de bossa fumava cigarros CHARM, não tinha encontrado CARLTON. A tarde chegou e Cássio juntou a família para vir embora para Pedro Avelino, mas antes foi a uma sorveteria fazer uma fasta de sorvetes para as crianças.
O carro de Cássio não parava, irmãos viviam de passeios no final de semana no seu carro, foi á cidade Pedra Preta, foi á cidade de Jandairá, quem queria fazer uma viagem, pegava o carro do menino mijão de rede.
O dinheiro de Cássio estava acabando, e o seu FIAT-147, só estava o mamão, o som não funcionava mais, a lataria estava toda chacoalhando, era uma batedeira infeliz de grande, os pneus estavam carecas, mas Cássio não parava de farrear, fazia pescarias nos açudes, o carrinho de Cássio servia para tudo, se era para pegar um saco de carvão, vai o carro de Cássio, vai pegar cal e cimento, tijolos, telhas, paus para fazer fogueiras vai o carro de Cássio, o carro não prestava para nada, ficou só a sucata. O para choque estava amarrado com corda, quando abria o capô escorava a tampa com um pedaço de cabo de vassoura, os bancos estavam todos rascados. O interior do FIAT-147 fedia a lama de porco e a peixe podre.
O dia amanheceu, e Cássio Constâncio se preparava para ir a Macau pegar a última parcela do salário desemprego. Meteu a chave na ignição, o carro não pegou, a bateria tinha arriado, saiu juntando gente para empurrar o FIAT-147. Juntou muita gente no conjunto Santa Luzia, as portas das casas do conjunto ficaram entupidas de curiosos e curiosas para verem os biriteiros empurrarem o carro de Cássio, subiam até o hotel empurrando, desciam até o cemitério empurrando, e nada, o carro de Cássio não pegava no tranco, os amigos já estavam todos cansados, estavam todos sem condições de fazerem mais força. Quando de repente Cássio torceu a chave na ignição, o FIAT, pegou sem sacrifício nenhum. Cássio pegou o carro nos ferros com destino a Macau.
Chegando na Caixa Econômica de Macau, recebeu a última parcela do seguro desemprego, saiu no seu FIAT-147, com destino a praia, tomou umas cervejas com camarão, e resolveu ir embora, mas primeiro passaria pelo distrito de Baixa do Meio, onde parou na rodoviária, tomaria mais uma cerveja, e seguiria viagem para casa. Quando de repente apareceu um amigo numa motoneta, e propôs troca no FIAT-147.
--- Tem rolo do FIAT com a Motoneta?
--- Tem!
--- Como?
--- Troco o FIAT na Motoneta, e você me volta duzentos!
--- Tá doido, a minha motoneta é toda original, dou um no outro.
--- Um carro desse vale muito, e sua motoneta não vale quase nada.
--- Então vamos fazer um negócio, nem eu nem você, vou dar uma proposta para fechar. Dou a motoneta e uma novilha de cabra, é pegar ou largar, feito?
--- Feito!
Cássio amarrou a novilha de cabra na traseira da motoneta e tirou para a cidade Jandairá para visitar os irmãos e as irmães por parte de pai. Chegando em Jandairá os parentes fizeram uma festa. Cássio mandou logo matar a novilha de cabra para fazer um churrasco, mandou comprar um engradado de cerveja, e um pacote de cigarros CARLTON, colocou em cima da mesa, e a farra começou com tudo, até sanfoneiro tinha no churrasco. O churrasco foi até tarde da noite, e Cássio dançando ao som do forró mastruz com leite.
No outro dia logo cedo Cássio acordou preocupado, o povo de casa não sabia por onde ele andava. Quando estava se preparando para viajar de volta para Pedro Avelino, apareceu um colega de infância da cidade Pedra Preta, que morava na cidade de Jandairá, perguntou:
--- Por aqui Cássio?
--- Oi como vai?
--- Bem, está de viagem?
--- Vou pra casa, sai ontem e não dei mais notícias, devem estar todos preocupados.
--- Tem jogo com a motoneta?
--- Claro, troco até num risco no chão, depende da volta. O que tem pra trocar?
--- Um jumento besteira, que conhece uma égua no cio de longe.
--- Vá buscar que espero.
O amigo saiu apressado, logo voltou puxando o jumento por uma corda. Um jumento preto, grande, peito largo, bem ripado, patas aprumadas e garupa fornida.
--- Gostou do jumento?
--- Parece bom, qual o rolo? – perguntou Cássio.
--- Dou o jumento na motoneta, e você me volta duzentos.
--- Você não tem juízo, trocar uma motoneta possante num jumento e ainda voltar dinheiro, só se eu tivesse ficando doido.
--- Vou fazer um negócio com você Cássio, de amigo para amigo, o jumento e mais cem de volta.
--- Nada feito!
--- Vinte!
--- Tá feito, e ninguém desmancha.
Cássio saiu em cima do jumento em osso, de Jandairá para Pedro Avelino, fazia planos de vender o jumento caro, pôs jumento besteira custava uma nota preta.
O sol estava quente, Cássio morrendo de sede, não encontrava uma casa para tomar água, vinha por dentro do mato, quando de repente chegou na fazenda Bom Princípio, foi encontrando Canindé quengão, que foi dizendo:
--- Apeisse Cássio, venha tomar água.
Cássio tomou água, almoçou na casa de quengão, e ficou no alpendre fazendo hora até o sol esfriar. Quando de repente quengão perguntou se Cássio vendia o burro:
--- Vendo e troco, faço qualquer negócio.
Quengão foi buscar uma bicicleta velha que estava encostada no armazém de guardar o que não prestava, para trocar no burro de Cássio.
--- Troco á bicicleta no burro, quer?
--- Você me volta cinqüenta!
--- Nada feito, dou um no outro, quer?
--- Está Feito.
Cássio saiu pedalando a bicicleta velha enferrujada pelo caminho esburacado que dava na cidade de Pedro Avelino. Quando chegou no carrasco, o garfo da bicicleta quebrou. Cássio colocou a bicicleta nas costa e saiu de estrada afora. Quando chegou no riacho da onça encontrou Zé canela que perguntou de onde ele vinha, Cássio contou toda sua trajetória daqueles dois dias que tinha passado fora de casa, perguntou:
--- Tem jogo com essa bicicleta?
--- Tem! – respondeu Cássio.
--- O que tem para trocar?
--- Tenho bichos de galinhas.
Zé Canela pegou uma tigela com milho e chamou as galinhas:
--- Ti, ti, ti, ti...
O terreiro ficou cheio de galinhas, Guines e patos.
--- Como vai ser o rolo Cássio?
--- Dou a bicicleta em dez bichos de galinha.
--- Nada feito, duas galinhas, um pato e um galo. É pegar ou largar.
--- Rolo feito. – disse Cássio.
A noite foi chegando, Cássio já avistava as luzes da cidade, caminhava vagarosamente com os bichos de penas pendurados nos dedos. Entrou na cidade por trás das ruas para ninguém vê-lo com as galinhas penduradas nos dedos. Saiu no beco de Hildinei, e foi direto para o comércio de Valdir rabo cheio, sentou-se num tamborete morto de cançado, Neném seu cunhado perguntou:
--- Vem de onde assim Cássio?
--- De Macau!
--- Cadê o FIAT-147?
--- Tai nesses quatros bichos.
Valdir vinha chegando e perguntou a Cássio:
--- Vem de onde Rabo cheio?
--- De Macau.
--- E esses bichos é pra vender, para trocar, qual é a transa.
--- Qualquer negócio eu faço.
--- Diga!
--- Dou os quatros bichos, em dois quilos de feijão, um quilo de charque, dois quilos de açúcar, um pacote de café, duas carteiras de cigarros DERB, um pacote de fósforo, e duas barras de sabão.
--- Assim você quer me lascar Cássio, não faço essa troca nem se mamãe me pedisse.
--- Então diga a sua proposta.
--- Não vou dizer Cássio, você está ficando sabido demais.
--- Então diga Rabo cheio.
--- Eu dou uma garrafa térmica, duas carteiras de cigarros, um pacote de pão, uma margarina, uns pirulitos pra os meninos e cinco reais.
--- Tá feito, bota tudo isso pra cá.
--- Cássio, você só estava fumando CARLTON ou CHARM, voltou para o DERB? Perguntou neném.
--- O CARLTON e o CHARM, estavam me dando um pigarro danado, por isso que voltei para o DERB.
Cássio botou tudo dentro de uma sacola plástica, e saiu em procura de casa, quando foi chegando, os meninos fizeram uma festa. O filho maior foi logo perguntando:
--- Papai cadê o carro?
--- Troquei.
A esposa na cozinha de cara feia, nem olhou para ele, e o menino mijão, foi logo dizendo:
--- Olha aqui Loia o presente que eu trouxe para você, essa garrafa térmica, esquenta que é uma beleza. Também trouxe café em pó, pão e margarina, faz um café para experimentar a garrafa, essas garrafas Aladim são muito boas.
--- Cadê seu carro, cadê seu som, cadê o dinheiro para farras, você acabou com tudo, agora chega com uma garrafa para me iludir. Olha ai debaixo do jarro do centro, três papéis de água e dois de luz, se não for pago até amanhã, vão cortar.
--- Não esquente a minha cabeça, vou descansar, estou morrendo de enfadado.
Na madrugada Cássio acordou, tomou café com pão e margarina, meteu o pau a fumar, amanheceu o dia e ele pensando na merda que tinha feito, agora estava liso e sem emprego. Já tinha amanhecido o dia e não tinha mais um cigarro, pediu a filho:
--- Arthur vai lá em Valdir rabo cheio, diga que mande um pacote de fumo preto, e uma cartela de papel.
--- Não está fumando CARLTON ou CHARM ricão. Dizia a mulher.
--- Tá bom Loia, não esquente mais minha cabeça.
À tardinha saiu em direção à casa da mãe, com a cara mais lisa do mundo, com a cara de cachorro que morde de furto, quando chegou D. Chiquinha foi dizendo:
--- Agora que apareceu?
--- É!
--- Bonito pra sua cara, num é Cássio?
--- Tá bom mamãe. Eu estou aqui para pedir que a senhora vá lá nos meninos da Marina para eu voltar a trabalhar lá.
--- Vou não meu filho, não tem quem faça, eu ir. Você num disse que dava o seu jeito. Agora se vire, é bom você sofrer para aprender.
E Cássio nunca mais se aprumou na vida, trabalhou de tudo que se possa imaginar. Mas passou no concurso da Prefeitura, as coisas estão entrando nos eixos.







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