sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O Apetite de Avelino Soldado

Tenente Antonio José foi designado para ser o delegado de Pedro Avelino, o mesmo era casado com uma filha da terra, homem sério, mais metido a encapetado, dizia suas brincadeiras com um ar sério, cara fechada, dizia mais nunca ria do que fazia.
Chegando em Pedro Avelino, o contingente da delegacia era apenas de dois soldados, o tenente achando pouco, requisitou a Companhia de Macau, pelo menos mais dois soldados, no que foi prontamente atendido.
Apresentou-se ao Tenente os soldados Mendes e Avelino, o soldado Mendes era calado, falava pouco, comportado. O soldado Avelino um tagarela, o assunto dele era só comida, passava o dia reclamando, que em Pedro Avelino não tinha peixe, que terra era Macau, que tinha peixe franco. O povo dessa terra não conhece nem peixe, eles não sabe como é bom um ensopado de arraia. E uma caçarola cheia de ostra fervida no leite de coco com coentro, cebola e tomate, é de se comer pensando em não pecar. Mas o povo daqui só sabe comer carne de bode, carne salgada, e peixe de água doce, o peixe pior que existe, é a tal da trairá, tem as espinhas feito um gancho, enganchando na goela de um, só sai se for no Hospital Walfredo Gurgel. Se esse povo de Pedro Avelino fosse a Macau comigo, eu entupiria o rabo deles só com peixe do bom.
Todas as tardes que estava de serviço na Delegacia de Polícia, Avelino fazia café e comprava uma folha de pão doce na padaria de Dudu, a folha vinha com 20 pães, comia tudo com um bule de café, tinha uma gulodice de meter medo. O Tenente Antonio José ia passando no corredor da Delegacia e viu Avelino traçando os pães com café e disse:
--- Avelino você come mais do que a porca de Tigipió.
--- Por quê a porca de Tigipió Tenente?
--- A porca de Tigipió Avelino, eram quatro caminhões carregando comida pra ela, um caminhão quebrou ela morreu de fome.
Avelino só fez rir com o canto da boca, e o Tenente dizia para os outros soldados:
--- Ainda faço uma boa com Avelino!
E Avelino continuava com sua gulodice, chegou no bar de Dona Santina dentro do Mercado Público, mandou fritar 15 ovos para comer com farinha, quando Dona Santina colocou os ovos no prato Avelino reclamou:
--- D. Santina ainda ficou uns pedacinhos pregados na tacha. Traga tudo, passe também uma farinhazinha no fundo da tacha.
Dona Santina foi e raspou os pedaços que tinha ficado pregado, veio até com pedacinhos de alumínio. E Avelino continuava com sua fome canina. Um menino das retirantes ficou olhando ele comer, imediatamente Avelino reclamou com o menino:
--- Desencosta daqui menino apigorão. Eu tenho o maior abuso de menino espião, agente comendo e outro espiando a comida não serve, dá bucho inchado. Sai daqui menino, vá vê se eu estou ali na esquina.
O menino se retirou de perto do soldado, mais disse a sua piada:
--- Avelino come mais do que ferida de Laura de tororomba.
--- O que tem a ferida de Laura?
--- Laura tinha uma ferida na perna, todos os dias colocavam um quilo de carne de charque em cima, a ferida comia, deixava só a cinza.
--- Sai daí sambudo, vai conversar merda noutro lugar, num ver que eu estou comendo.
E Avelino levava aquela vida de glutão, a farda apertada, os botões da camisa só faltavam voar, suado, parecia uma anta. Andava todo arreganhado, só vivia com as virilhas assadas das coxas roçarem uma na outra. Os pés inchados, as pernas com varizes, do peso que era grande. Davam conselhos para o soldado fazer um regime, daqui a pouco ele não agüentaria nem andar. Ficava com raiva, não dava nem atenção, dizia: - quando morrer, morro de barriga cheia.
Estava toda guarnição conversando na calçada da Delegacia, assuntos bestas, quando Avelino saiu-se com essa:
--- Bom mesmo é peru assado em forno de padaria com cerveja bem geladinha, o caba come tanto que fica teso.
Os que estavam na calçada ficaram olhando para cara um do outro, não estavam falando em assunto de comida. O Tenente Antonio José perguntou:
--- Você já comeu Avelino?
--- Não, mais compadre Bastinho Ferreira comeu, e me disse que era bom que só a porra. Deu uma risada grande e entrou na Delegacia para comer uma banda de rapadura e tomar mais de dois litros dágua.
Á noite saíram em Patrulha pelo centro da cidade, estava havendo uma festa do Padroeiro da cidade, tinha muitas barraquinhas vendendo muitas iguarias, e Avelino lambendo os beiços, mas o Tenente Antonio José não parava, era só andando, e Avelino puto da vida porque estava longe das comidas. O tenente parou um pouco de lado da igreja, ficou os soldados perfilados, e tenente numa ponta e Avelino na outra. Por trás de Avelino tinha um menino com um balaio vendendo pitombas. Avelino perguntou bem baixinho para o tenente não escutar:
--- O que é isso:
--- Pitomba.
--- Isso presta?
--- É bem docinha, e de Ceará Mirim.
--- Quanto é um cacho?
--- Cinqüenta centavos.
--- Me dê dois.
Avelino tirou todas as pitombas do cacho e colocou no bolso soltas, era só tirando e chupando, e engolindo os caroços, gostou, comprou mais dois cachos, fez do mesmo jeito dos dois anteriores. Passou a fome, atrás dele ficou uma ruma de cascas de pitombas. Terminou a festa foram todos para casa. No outro dia de manhã bateu a mulher de Avelino na Delegacia, queria falar com o Tenente:
--- Diga Idalina!
--- Tenente, Avelino mandou pedir ao senhor para arranjar um transporte na Prefeitura, para levar ele no Hospital.
--- O que ele tem?
--- Tá com o bucho por acolá, não pode nem ir fora, não sai nada.
--- O que ele comeu para ficar desse jeito?
--- Diz ele que foi umas pitombas que chupou ontem de noite, e fez mal.
--- Eu sei o qual é a doença. Ele está entupido, deve ter engolido todos os caroços das pitombas.
--- Foi ele disse.
O tenente arranjou um transporte na Prefeitura e levou Avelino para o Hospital, com a barriga maior do que era. Estava com febre.
--- Você nesses dias morre de congestão, não pode ver comida, tudo demais é veneno Avelino. – disse o Tenente.
Avelino com vergonha do Tenente cobria o rosto com o lençol, e falava para o tenente:
--- O pior que não posso dar nem um peidinho, tá tudo tapado.
As enfermeiras fizeram uma lavagem intestinal em Avelino, que foi caroço de pitomba até para casa de caixa prego. Avelino ficou dois dias se restabelecendo da entupição anal.
O tenente Antonio José convivia com Avelino, mas tinha muito abuso de sua gulodice. Vivia pensando como fazer uma presepada com o soldado comilão. Tinha que armar uma para ele de qualquer maneira, mas não tinha aparecido oportunidade.
Um certo sábado, Zé Branco proprietário da fazenda Olho dágua velho, falou com o Tenente Antonio José para ir patrulhar a festa que ia fazer em sua propriedade, era uma novena, depois um bingo de uma novilha de cabra, uma bicicleta Monark de segunda mão e uma porca com doze bacorinhos, depois o forró até o dia amanhecer. Ficou tudo acertado entre o Tenente e Zé Branco.
O tenente reuniu os soldados e deu as ordens para o sábado à noite:
--- Vamos está noite em patrulha, para uma festa que vai acontecer na fazenda do Senhor Zé Branco, peço a vocês que reforcem no jantar, por que não irão oferecer nada de comida pra nós, é só trabalhar, certo?
Todos concordaram e foram para frente da Delegacia, nisso foi passando um dos meninos de Avelino, Avelino Chamou:
--- Senhor pai!
--- Diga a sua mãe que pegue aquelas costelas secas, que comprei na feira, faça uma sopa pra janta, faça muito, que vou trabalhar a noite toda. Os pães eu levo quando for para casa.
Avelino não demorou muito, foi na padaria de Dudu, comprou uma base de uns vinte pães, e dois pacotes de bolacha regalia. E fez carreira para casa, no caminho comprou uma espiga de milho assado e saiu traçando pelo meio da rua.
Mais tarde chegaram todos para irem patrulhar a festa de Zé Branco. Avelino vinha suado, com a camisa da farda, pregada nas costa, e dizia:
--- Tomei pra mais de três litros de sopa, com seis pães franceses, estou aqui arfando, tá saindo pelo ladrão, cada arroto que dou a sopa vem no gogó.
Mendes ainda aconselhou Avelino a folgar o sinto, podia ser que ele passasse mal com o calor que estava fazendo, naquela noite de verão.
Chegando na festa, ficaram todos formados em fila indiana. A novena tinha começado, o Tenente saiu e foi conversar com o dono da festa, conversaram um pouco, e o Tenente voltou e, falou para os seus comandados:
--- Zé Branco me avisou agora, que lá pras duas horas da manhã, vai ter um jantar para nós da polícia, Peru assado com farofa carioca e arroz a lá grega, e cerveja bem geladinha.
--- Mais Tenente como é que o senhor faz isso comigo, eu estou aqui cheio até a tampa, tomei mais de três litros de sopa, chega estou arfando, não tenho lugar para butar mais nada.
--- Eu não sabia de nada, Zé Branco me avisou agora.
Avelino ficou resmungando baixinho: - Como é que pode uma coisa dessas, não vou comer nadinha, ainda estou arrotando a graxa das costelas. - Teve uma idéia:
--- Tenente vou ali fora, fazer uma necessidade.
Avelino se distanciou da patrulha, e foi bater no chiqueiro das cabras, escorou-se em duas estacas fortes de pau sabiá, meteu o dedo na garganta que o arco de sopa subiu, vomitou a sopa toda, misturada com pedaços de pão e caroços de milho. Arredou-se um pouco do chiqueiro das cabras, foi para dentro de um partido de jurema e ainda foi cagar sem ter vontade, queria desbastar tudo. Urrava, fazia força, não estava com vontade da cagar, mas tinha que desocupar a barriga para comer o peru de Zé branco com arroz a lá grega, nunca tinha visto falar nesse tipo de arroz, mas devia ser bom. De longe o Tenente Antonio José apreciava o que Avelino estava fazendo, as calças arriadas por cima dos coturnos, aquele mundo de bunda aparecendo, e ele fazendo força para botar para fora o que não estava pronto. Avelino voltou apressado, vinha suado igual à tampa de panela, ficou de pé novamente na patrulha. Quando deu uma hora da manhã, Avelino estava morrendo de fome, falou pra o Tenente:
--- Tenente vá lá saber se está tudo pronto.
O tenente saiu e voltou logo em seguida, e avisou:
--- Fui falar com Zé Branco agora, ele disse: que os cachorros roubaram o peru assado que tinha guardado pra gente, e que não tinha mais nada de comida na cozinha.
--- Tenente pelo amor de Deus não me diga uma coisa dessas! Eu vomitei a sopa todinha que tinha jantado, estou aqui me lascando de fome, isso é uma malvadeza, o que o senhor fez comigo, já sei foi tudo de caso pensado.



MANOEL JULIÃO NETO

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