domingo, 9 de agosto de 2009

O CAPRICHO DE ZÉ GALEGO

Esse pequeno causo aconteceu na década de 70. Essa estória não foi que me contaram, assisti in-loco, eu estava lá. Ás vezes minha mulher Auxiliadora, reclama que eu exagero muito nas estórias que conto. Só que não é exagero, é porque eu conto como tudo aconteceu. Uma coisa que eu não sei fazer é inventar fatos e nem fantasiar. Vamos lá para o episódio, já conversei muito miolo de quartinha.
O Mercado Público de Pedro Avelino dava nojo entrar, tinha sujeiras por todos os cantos do prédio, uma coisa vergonhosa aquele ambiente comercial. Todos Prefeitos de gestões passadas não tinham conseguido colocar um zelador que deixasse aquele prédio público asseado, aquela imundice era a dor de cabeça da cidade e dos Prefeitos.
Eis que um dia chegou a nossa terra uma família proveniente da cidade de Areia na Paraíba. O chefe da família um senhor ruivo da cara pintada de sarda, que logo levou o apelido de Zé galego. O Prefeito na época era o Dr. João Adauto. Zé galego sabendo do problema do mercado foi falar com o Prefeito, lhe disse:
--- Dr. João Adauto onde eu morava existia esse mesmo problema fui convidado para tomar conta do Mercado de Areia na Paraíba. Tomei conta e dei conta, deixei aquele mercado um brinco, em matéria de limpeza eu sou Craque. Pode deixar aquele Mercado por minha conta, que deixo brilhando igual ao palácio da Alvorada. E digo ao senhor que não estou contando goga, quando digo que faço é porque faço mesmo.
Imediatamente João Adauto contratou o Paraibano como zelador do mercado, e também no final do ano, o vestia de Papai Noel para distribuir balas, chocolates e brinquedos para as crianças de Pedro Avelino.
Zé galego passou mais de trinta dias trabalhando na limpeza do prédio, deixou tudo uma beleza, tudo muito limpo e asseado, por gosto entrava-se naquele prédio. O zelador vivia em atividades constante, tinha mania por limpeza, não podia vê uma coisa suja, que ia limpar, pintou as balanças do mercado, pintou também as correntes e os ganchos de pendurar carne, limpou os encardidos dos azulejos, os sanitários podia se almoçar dentro, que não tinha fedentina. A bicicleta de Zé galego era a mais zelada da região, brilhava no sol, a espingarda reluzia, guardada em uma capa feita de flanela, o homem tinha mania de limpeza. Os cachorros vagabundos sem dono, que transitavam dentro do mercado, Zé galego tomou conta de todos, tirou os carrapatos, deu banho, fez uma limpeza geral, os cadelos do mercado andavam gordos e lustrosos nas unhas do zelador.
Nos sábados quando terminava a feira ele trazia a mulher, lavava o mercado todo, dava uma geral para homem nenhum botar defeito, só quem não gostava dele era os marchantes, o zelador roubava carne que era uma beleza, mas vamos deixar isso para lá, vamos falar das virtudes do zelador.
Bem gente, depois dessa explanação toda, vou dizer a vocês onde quero chegar. Certa vez, alguém usou o sanitário do mercado público e deixou lá depositado um tolete daqueles grandes, parrudos, com quase 35 centímetros de comprimento, por 6 de espessura, o danado era tão grande, que a metade do corpo ficou dentro da água e a outra metade ficava dormindo na parede do bojo, quando Zé galego viu aquilo gritou:
--- Quem é esse que está arrombado? Quem já viu um tolete desse tamanho, isso é coisa para quem tem as pregas curruti.
Zé galego imediatamente saiu chamando pessoas para vê o tamanho do tolete. O pessoal que estavam dentro mercado vieram olhar, Netão, Néo, Fausto, João Ferreira, Cícero Bernardino e outros mais. Todos se acotovelavam para vê o tamanho e a grossura daquele tolete fornido e aloprado. Uns diziam é de sicrano, outros diziam é de beltrano, ninguém descobria quem era o autor daquela obra prima. Quando Néo gritou:
--- Patrão ou é de Dedão ou de Bagadi!
Disseram a Dedão, que chegou dentro do mercado fumando numa quenga, encontrou Néo no local de D. Santina, perguntou:
--- Néo você anda dizendo que aquele tolete é meu? Você conhece o tamanho dos meus toletes pra dizer que é meu? Por acaso ele tem a minha assinatura?
--- Olhe aqui patrão, eu não diche assim, eu diche que era de Bagadi.
Dedão saiu com raiva dizendo:
--- Coisa mais feia, até do tolete dos outros Néo toma conta.
Daqui a pouco chegou Bagadi procurando Néo, o encontrou na mercearia de Domingos, perguntou:
--- Neó você anda dizendo que aquele tolete do mercado é meu? É verdade?
--- Oi aqui patrão, eu não diche assim, eu diche que era de Dedão.
--- Você nunca me viu cagando para saber se o tolete é meu ou não? Porque eu só cago em casa, nunca caguei pra ninguém vê.
--- Pois não patrão, é assim mesmo, o povo inventa demais.
Ficou só nas perguntas, no disse me disse, que era de fulano era de beltrano, e não descobriram quem era o dono da obra.
Começou aglomeração dentro do Mercado, espirrava gente por todos os becos que davam para o quadro do mercado. João de Dionísio foi olhou para o bicho e saiu espalhando a notícia do tolete, chegando na prefeitura, passou o ocorrido para Antonio Clementino:
--- Antonio cagaram um tolete no sanitário da Prefeitura que dá uns 40 centímetros.
Antonio Clementino passou pela Bomba de gasolina de Zé Sobrinho e contou a Val:
--- Compadre Val cagaram um tolete no sanitário do Mercado que dava 45 centímetros.
E quem passava Val contava a estória do tolete, a cidade estava cheia da novidade.
Mulheres puxavam os filhos pelo braço em direção do Mercado, menino chorava por que não via o tolete, as mães os colocavam nos braços para verem o aloprado, os meninos ficavam olhando por cima dos ombros dos mais altos, formou-se uma festa inédita a presença daquele tolete. Téia de Gracinha vinha de carreira com o filho Joãozinho no pescoço, para ver a novidade, correu quase dois quilômetros, queria vê o tolete, chegando no mercado falou:
--- No bairro São Francisco estão dizendo que o tolete tem quase 50 centímetros, é verdade?
Carlinhos Canela respondeu:
--- De onde, olhe que você vê o tamanho do bruto.
Téia olhou, mediu de longe com o palmo estirado, falou:
--- Não é isso tudo que estão falando, deve ter uns 35 centímetros, o que GB4 cagou detrás da casa de Manel Quelé, lá nos dedinhos do campo do flamengo, matou doze pintos atolados. Generosa deu a molesta com ele.
Nessa confusão Xavier que trabalhava no cartório, disse:
--- Lá em Florânia, um sujeito cagou um maior do que esse. (Xavier na mentira não tinha panderista que acompanhasse).
O mercado Público estava repleto, gente se acotovelando para ver o tal tolete.
Nesse pega pra capar, Zé Galego Gritou:
--- Agora que todo mundo já viu, se afastem, vou buscar água para o tolete descer.
Zé galego pegou duas latas de vinte litros, colocou no calão. Foi buscar água no açude de Odilon para fazer o tolete desaparecer. Zé galego trouxe a primeira carrada dágua, despejou uma lata, o tolete rodou, rodou, não desceu, Zé galego despejou a outra lata, o tolete embiocou de cabeça abaixo, mas quando a água parou de rodar dentro do vaso sanitário, eis quem aparece novamente, o tolete. Novamente ficou com a metade do corpo dentro dágua e a outra metade fora, Zé galego puto de raiva, vai novamente ao açude de Odilon buscar outra carrada dágua.
Chico Diana na época era marchante desafiou:
--- Aposto uma grade de cerveja como esse tolete não desce com pouca água, só desce com muita.
Netão respondeu:
--- Á aposta é comigo, esse bicho já está combalido, inchado, com qualquer água ele desce.
Aposta fechada. Zé galego chegou com outro calão dágua, arriou o calão, foi buscar um tamborete no café de D. Cícera Guiné que ficava perto, subiu no tamborete, suspendeu a lata acima da cabeça. Com altura que estava despejando, a água descia com mais força, despejou a primeira lata, o tolete rodou e não desceu, as duas torcidas vibravam, uns torcendo por Netão e outros por Chico Diana, despejou a outra lata, o bicho desceu. Netão vibrava tinha ganhado a grade de cerveja, quando estava na vibração, lá vem o tolete botando a cabeça de fora, veio subindo devagarzinho, devagarzinho. Ficou com a metade dentro dágua e outra metade deitado no bojo. O quadro foi revertido, a turma de Chico Diana foi ao delírio. Zé Galego já puto de raiva disse:
--- Há tolete filho de uma puta de teimoso, mais agora ele vai se lascar comigo, ele não me conhece não, ele não conhece um Paraibano com raiva, eu quando estou com raiva, até eu mesmo tenho medo de mim.
E Zé galego suado, à camisa estava pregada nas costa, foi buscar outro calão dágua. O mercado já superlotado, todos rindo da teimosia do tolete. Nesse dia o feijão de um bocado de mulheres queimou, menino ficou sem ir para escola, todos intertido com a teimosia do tolete.
Chico Felix vinha da fazenda 30, entrou em D. Santina pediu:
--- Comadre Santina bote uma chamada de cachaça.
D. Santina colocou uma base de uns cinco dedos num copo Americano. Chico Felix Jogou na boca, engoliu de um gole só, como é do seu costume. Perguntou a D. Santina:
--- Que danado de tanta gente é essa comadre?
--- Há compadre Chico Felix, num sei não, dizem que é a estória de um tolete, o povo dessa terra faz folia com tudo, para esse povo de dentro do Mercado tudo é uma festa.
Chico Felix saiu e foi olhar, chegando lá olhou, voltou para o café de D. Santina.
--- Comadre Santina, o cabra que bota um tolete daquele é um sujeito afolozado, uma ruma de merda daquela, eu só vi fazer um boi manso que eu tenho na fazenda.
--- Eu não gosto dessas conversas. – falou D. Santina.
E lá vem Zé galego com outra carrada dágua, para descer o tolete. Zé galego entrou, arriou o calão, falou em voz alta e em bom tom:
--- Olhe aqui tolete filho de uma égua, você está me desafiando, agora vamos ver quem é mais teimoso, se é você ou eu.
Quando Zé Galego ia despejar a primeira lata, Chico Diana, gritou:
--- Espere ai Zé Galego. Quer apostar novamente Netão?
--- Já está apostado, já está valendo. – confirmou a aposta Netão.
--- Pode despejar a água Zé Galego.
E Zé Galego despejou as duas latas de uma vez. Ele despejou uma e João Cururu a outra. A água desceu com uma velocidade estrondosa. O tolete rodava, dava rabiçaca, dentro do vaso sanitário, que parecia uma cobra dando botes dentro dágua. A água rodopiou, rodopiou, e o marvado do tolete não desceu, é mole o quer mais?
Foi a alegria da galera, Chico Diana ganhou novamente a aposta, correu pro abraço. Tinha ganhado mais uma grade de cerveja.
Zé Galego já estava afobado, com raiva, daquele empurra, empurra dentro do sanitário apertado, pedia:
--- Vocês querem sair daqui de dentro, o povo daqui é muito besta parece que nunca viram um tolete.
E saiu novamente para buscar água no açude de Odilon, que era um pouco longe, ficava por trás da Prefeitura.
Os meninos que jogavam bola no Rio, onde hoje é a ponte, souberam da notícia, chegaram de carreira para ver a novidade, na frente vinha Nininho de Zé dos Barris, com a cara vermelha, um calção velho sujo, e duas listras de catarro amarelo escorrendo do nariz, quando o catarro ia chegando nos beiços, ele puxava, o catarro subia, não passava um segundo lá vem novamente as duas listras de catarro descendo novamente, e Nininho puxava, e assim o galego velho passava o dia todo puxando as duas listras. E Nininho foi logo perguntando:
--- O tolete já desceu?
Luiz Gordo que não arredava o pé do espetáculo, respondeu:
--- O João Tolete é teimoso, ainda está dando trabalho a Zé Galego, o bicho parece um cassetete de sordado.
Daqui a pouco passou Zé de Mãe vendendo jogo de bicho, Francalino gritou:
--- Esse Tolete foi Zé de mãe que cagou!
Zé de mãe sungou as calças, afobado como sempre, respondeu:
--- Esse tolete, é da P.Q.te.P, corno, filho de uma P. Eu ainda mato um cabra semvegonho desse. Eu não devo a nenhum corno de dentro de Pedro Avelino, procure a quem devo. Quando acabar um corno desse vem me chatear.
Zé de mãe sungou as calças, colocou o talão de jogo de bicho no bolso da camisa, e saiu com os pés de banda, para fazer o jogo de Valdir rabo cheio.
Lá vem chegando Zé Galego com o calão dágua, arriou, no chão, Chico Diana, olhou para Zé Galego e disse:
--- Zé Galego esse tolete só desce, se você for buscar o mar e jogar ai dentro.
---Olhe aqui Chico Diana, você não vai ganhar mais nenhuma cerveja de Netão, ele agora desce.
--- Duvido Zé Galego, duvido. Respondeu Chico Diana.
--- Olhe aqui tolete, eu nunca fui desmoralizado por ninguém, quanto mais por um bexiga de um tolete, eu vou mostrar, a esse tolete taludo sem vergonha, como é que um paraibano faz.
Todos perplexos com aquela conversa de Zé galego com o tolete. Ficou um silencio total, ninguém falava, todos esperando o que Zé Galego ia aprontar, era um empurra, empurra, silencioso. Assim como no dia que Zico bateu o pênalti contra a seleção da França e perdeu. Quando se deu fé, com ímpeto, com raiva, possesso, Zé galego agarrou esse tolete com as duas mãos e o estraçalhou, deixando o tolete parrudo totalmente esfarelado, aniquilado, depois despejou as duas latas dágua, e o sanitário ficou bem limpinho novamente. Zé galego estava exausto, enfadado, com os nervos a flor da pele, falou para a platéia, que assistia aquele espetáculo horrível.
--- Eu sou mais forte do que qualquer tolete que aparecer.
Zé galego foi aplaudido esfuziantemente pela galera presente, todos saíram para as suas casas, satisfeitos com a demonstração de bravura de Zé galego.
Só quem não estava satisfeito com aquele desfecho, era um menino, amarelo e sambudo chamado barbuleta (Genilson) que chorava sentado na calçada de Zé Simão. Canindé Barbeiro Botafoguense de quatro costado foi até ele, perguntou:
--- Por quê está chorando Genilson?
--- Não me deixaram vê o tolete, eu sou pequeno, quando me aproximava levava um empurrão, todo mundo viu menos eu, quando é que vou ter outra oportunidade, me diga?
--- Num chore, não esquente a cabeça com isso. Meu compadre Polodoro caga uns dos grandes, no dia que ele cagar um daqueles bem fornidos, levo você para vê. Tá bem?
--- Tá não, eu queria vê aquele que todo mundo viu. - respondeu barbuleta. - que continuou chorando sem consolo

MANOEL JULIÃO NETO
manoeljuliao2008@gmail.com

3 comentários:

  1. Você sabe que sempre fui um grande admirador do seu jeito irreverente de escrever.
    Sempre adorei ler as suas estórias.
    Hoje sinto-me imensamente feliz pois sei que este seu talento agora irá irrigar vários jardins.
    Um grande abraço, do seu amigo e admirador:
    Brenno Teodoro.

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  2. Meu Caro amigo Manoelzinho, confesso que só agora acessei seu blog, mas qual não foi a surpresa em que me vir voltando ao tempo de minha infância na nossa querida cidade de Pedro Avelino, pois suas estórias retratam o nosso passado que graças a pessoas como vc ficará para sempre eternizado para as futuras gerações. Parabéns.
    Um abraço do amigo Sérgio Cadó.

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  3. Amigo Manoel, sensacional a estória da qual tem participação o Zé Galego... me fez lembrar do mesmo, ele realmente era uma cara "invocado".

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