segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O DEFUNTO FOI EXPULSO DE SUA PRÓPRIA CASA

Carimbozinho é um pequeno distrito que fica localizado no semi-árido da região central do Rio Grande do norte. No pequeno distrito existem oitenta e cinco casas, que sobrevivem de pequenos roçados, e poucas criações de ovino e caprinos e um gadinho pé duro. Quase todos os homens moradores do pequeno distrito, passam a semana fora de casa, trabalham nas cerâmicas da cidade do Assu, só passam o final de semana em casa. Os afazeres de roçado e da criação são tocados pelas mulheres e filhos.

Em carimbozinho existe uma pequena capela, que de mês em mês chega um padre muito do abusado para celebrar uma missa. O pequeno distrito é um abandono só, mas a população resiste naquele lugar tão escanteado pelos governos, que só os visita em época de eleições, na pequena rua estreita e empoeirada, tem vereadores batendo um no outro a procura de votos. Mesmo assim a vida segue na naquele recanto de mundo, como em tantos outros lugares desse Brasil afora.

Zé ximbica é mestre de olaria na cidade de Itajá, perto da cidade de Assu, casado pai de cinco filhos, homem direito, sua esposa é uma danada de trabalhadora, quando o marido está ausente tudo fica na responsabilidade de Maria do Amparo, que não tem hora e nem tempo ruim para o trabalho. Zé ximbica fica despreocupado quando está fora de casa trabalhando.

Na sexta-feira á noite Zé ximbica chega em casa, com o saco de feira para alimentar toda a família, no sábado toma uma cachacinha devagar juntamente com Maria do Amparo sua esposa e alguns amigos. Assam carne no fogo a lenha, matam galinhas caipira, bebem uma cachacinha e passam o sábado todo se divertindo como podem, diz Zé ximbica:

--- Cada um se diverte como pode, e o meu divertimento é juntamente com a minha família e minha querida mulher, o amor de minha vida.

Maria do Amparo já meia troiada de birita também repete o mesmo amor que sente por Zé ximbica.

--- Eu acho que acertei no meu casamento. Casei com o homem melhor do mundo, honesto e trabalhador. Nunca vi falar de safadeza dele com outra mulher, me considera, isso é que importante para vivermos unidos.

--- Minha velha, eu adoro meus filhos e mais ainda a você, eu vivo por vocês.

E as declarações de amores são diversas daquele casal tão unidos e admirados por todos os vizinhos.

No quintal da casa de Zé ximbica, tinha dois pés de cajá frondosos, onde a sombra era magnífica, era ali que ximbica armava uma rede, e passava o sábado deitado e se embriagando, quando todos iam embora, Maria do Amparo entrava na rede e o vadeio era grande, Maria do Amparo, fogosa deixava o pobre do Zé ximbica extenuado, isso acontecia todos os finais de semana, e os meninos da vizinhança, ficavam olhando pelas brechas da cerca de vara, o fogo de Maria do Amparo era tão grande que saía nua de dentro da rede e ia tomar banho despida no tambor de água que tinha ali perto. Gerim um filho de uma comadre de Maria do Amparo, só tinha 17 anos, era virgem mais morria de amores pelo corpo roliço de Maria que era sua madrinha. Todos do pequeno distrito sabiam do fogo de Maria, isso era sabido de boca em boca, mas Maria do Amparo não estava nem aí, era destemida, trabalhadora não tinha medo nem de homem, e aí de quem se metesse com a vida dela, que partia pra cima para brigar, na tapa na faca, no braço do modo que o adversário quisesse.

No domingo Zé ximbica se recuperava da farra do sábado, fica ajeitando uma coisa e outra, e na segunda feira logo cedo partia para Itajá, onde começava o seu trabalho de mestre de olaria. E Maria dava rumo à vida da família no pequeno distrito de carimbozinho.

O distrito ficava calmo a semana toda, só criava vida nos finais de semana, pois era o dia em que todos os homens que trabalhavam nas olarias do baixo Assu chegavam de volta.

No final de semana Zé ximbica chegou em casa abatido, sentindo falta de fôlego, era uma mufineza, o corpo mole, falte de apetite, dizia ele:

--- Maria estou uma desgraça, não sei o que está acontecendo comigo, nunca senti nada, e agora me aparece essas macacoas, deve ser a idade, já estou passando dos cinqüenta, aparece tudo que não presta em cima da gente.

--- Que nada Zé, isso é coisa que aparece, é os tempos, num tá vendo que cabra como você forte, os peitos largos, tem apetite de comer até pedra, vai entrar alguma doença no teu corpo, pode tirar isso da cabeça, vou fazer uns chás para você tomar, você vai sair segunda-feira para trabalhar zeradinho. Você em quinze anos nunca faltou ao trabalho, num é por causa de uma doencinha besta dessa que vai lhe derrubar. Nós ainda vamos dar boas vadiadas.

Maria do Amparo passou o final de semana cuidando do marido, estava preocupada, Zé ximbica nunca foi de esmorecer, aquela palpitação no coração, e a falta de ar, estava lhe preocupando, mas não havia de ser nada, ele era muito forte.

Zé ximbica melhorou, estava ativo, já não sentia o mal estar que tinha chegado em casa. Maria do Amparo arrumava a bolsa de Zé para ele viajar para Itajá. Logo cedo da segunda feira Maria preveniu a é ximbica:

--- Hoje mesmo você vá ao médico em Assu, não se brinca com a saúde, eu estou achando você ainda muito mole, se cuida Zé.

--- Não se preocupe Maria, isso que eu senti é coisa passageira, doença nunca me derrubou, e não é agora que você vai se ver livre de mim.

--- Bate na boca três vezes, e, por favor, não venha com está estória de morte, eu quero morrer primeiro do que você, porque se você morrer primeiro, eu sei que não vou agüentar, é capaz deu me matar. Você sabe o bem que eu quero a você. Um marido como você eu tenho certeza que não existe nesse mundo.

--- Besteira minha nega, a morte quando chega não manda aviso. Sexta-feira estarei de volta para nós dar uma farreada daquelas.

Zé ximbica saiu com a bolsa pendurada na mão com destino a BR, onde pegaria o transporte para ir trabalhar em Itajá. Mas deixou Maria do Amparo bastante preocupada.

O dia transcorreu normalmente, Zé estava mole, mais estava agüentando o tranco do trabalho. Em casa Maria não conseguia dormir preocupada com Zé, se arrumou para ir até Itajá, mas desistiu, tinha que cuidar dos filhos e das obrigações da casa, do roçado e das miunças que possuíam.

Maria teve sonhos misturados, a noite foi longa, dormia, acordava, sonhava coisas estranhas, como arrancando dentes, e dizem que quando se sonha arranco dentes, é sinal que alguém vai morrer. Mas Maria achava que realidade de sonhos são besteiras de quem que jogar no bicho. Levantou-se da cama antes do sol raiar, começou a fazer as obrigações de casa, colocou milho para as galinhas, soltou as miunças, foi comprar leite, encontrou seu afilhado Gerim que estava indo para escola, que disse:

--- Abença madrinha!

--- Deus o abençoei.

--- Padrinho melhorou?

--- Tá melhor, já foi trabalhar desde ontem.

Maria do Amparo seguiu o caminho de casa, olhou para trás, e viu seu afilhado olhando para a bunda dela, e pensou: --- Que danado tem esse meu afilhado que não tire os olhos de mim? Vou tomar cuidado, ele está ficando taludo, não vou dar-lhe mais cabimento de conversar, senão ele vai misturar as coisas, e Deus me livre de pensar coisas diferentes que não seja meu marido, Deus que me livre.

Tudo estava indo bem na casa de Maria do Amparo, os filhos já tinha ido para escola, e ela não tirava do pensamento a doença de Zé ximbica. O pensamento também parou no olhar do afilhado para ela, nunca tinha notado nada do olhar dele, mais o olhar dele era malicioso, olhar de cara com fome por safadeza.

Entrou uma camioneta grande no pequeno distrito de Carimbozinho, parou na bodega de Seu Sebastião, desceu um jovem alto de óculos escuro e perguntou:

--- Onde mora o senhor José Bernardo?

--- Aqui eu não conheço ninguém por esse nome. Respondeu o velho Sebastião.

Seu Sebastião dirigiu-se para os que estavam ali presentes, perguntou:

--- Vocês sabem quem é José Bernardo?

Mané Catolé que estava tomando uma cipoada de cachaça com Cuscuz, disse:

--- É Zé ximbica, o nome dele é José Bernardo de Oliveira.

--- Onde ele mora?

--- É ali na frente, é uma casa rodeada de plantas, principalmente de cajá, que é bom todo com cachaça.

--- O senhor pode ir lá comigo?

--- Vou! – respondeu Mané Catolé.

Saíram em direção à casa de ximbica, Catolé com a cara amarrotada de cachaça, dentro de um carro bonito, nunca tinha pensado de andar num carro daquele, bem friozinho por dentro.

--- É ali! Apontou

Desceram e o jovem do carro falou:

--- Chame a mulher de Zé Bernardo.

Catolé foi a casa e chamou Maria do Amparo, que rapidamente saiu para atender quem a estava procurando.

--- Pode dizer senhor!

--- É seguinte senhora: o seu marido o senhor José Bernardo, teve um mal súbito, nós o levamos para o hospital de Assu, só que ele faleceu, foi problemas cardíacos, e eu perdi um dos melhores funcionários da minha empresa. A senhora não se preocupe com nada, todo o velório é por minha conta, daqui a umas duas horas o corpo está chegando.

O jovem foi dizendo isso, deu dez reais a catolé, entrou no carro e foi embora. Maria ficou louca, chorava copiosamente, os vizinhos logo chegaram para consolar Maria, que não tinha consolo, não sabia como iria viver sem a companhia de ximbica. Catolé saiu espalhando a noticia pelo distrito, e contente com os dez reais no bolso que tinha ganhado do patrão de ximbica. Os filhos chegaram da escola chorando se abraçaram com a mãe, que dizia:

--- Meus filhos o que vamos fazer sem a companhia do seu pai? Ele era quem colocava tudo dentro dessa casa, e agora como vamos viver.

Catolé com os dez reais no bolso dizia:

--- Maria é muito besta, vai se aposentar, o salário mínimo agora vai para 600 paus, era melhor ela limpar os olhos e esperar o corpo de ximbica.

--- Cala tua boca catolé, numa hora dessa não se pensa em dinheiro.

Os habitantes do pequeno distrito encheram a casa de Maria do Amparo, catolé já tinha espalhado a notícia por toda parte, todos queriam consolar Maria, que deitada na cama não parava de chorar, era um choro penoso, a vizinhança acompanhava Maria no choro, entrou o afilhado de Maria também chorando a morte do padrinho, abraçou a madrinha e ficou com ela sentado na cama.

Lá no começo da rua apontou o carro funerário com ximbica dentro do caixão, parou na frente da casa do defunto, os funcionários da funerária começaram a tirar o material de dentro do carro, castiçais, velas grandes e grossas, coroas de flores, cavaletes para colocar o caixão, gelaágua para colocar água mineral, garrafas com café e chá, cortina com a imagem de Deus subindo aos céus. Enfeitaram a sala da casa toda para o velório de Zé ximbica.

Ximbica estirada dentro do caixão com dois tufos de algodão dentro dos buracos da venta, de terno e gravata, os vizinhos encheram a sala, meteram a pau a tomar água mineral gelada, e tomar café e chá com biscoito doce, já tinha menino de bucho cheio de água gelada e chá. Maria ainda não tinha tido coragem de se aproximar do caixão, estava muito fraca para se aproximar do corpo do marido, mesmo assim lá para 5 horas da tarde Maria se aproximou do caixão, e olhou para o corpo do marido e disse:

--- Para que tu foi me deixar agora ximbica, o que vai ser de mim, como vou criar os nossos filhos sem a tua presença, e caiu em cima do caixão, beijando o marido e o abraçando, ficou sentada do lado do caixão alisando os cabelos do marido, e a casa cheia de pessoas conhecidas. Um dos encarregados pela funerária ia passando Maria o chamou:

--- Meu senhor como vou pagar tudo isso, não tenho condições.

--- A senhora não se preocupe, o dono da empresa em que ele trabalhava vai custear todas as despesas.

--- E a cova já mandaram cavar?

--- Já sim senhora, um senhor chamado catolé está fazendo isso.

Maria não se conformava, não parava de enxugar as lagrimas que banhava o seu rosto, todos a consolando, mais Maria não tinha alívio daquela angústia que lhe consumia, queria chorar até não poder mais.

Catolé chegou procurando o homem que tinha mandado ele cavar a cova queria receber o dinheiro do trabalho:

--- Quanto foi o seu serviço amigo?

--- Trinta reais.

--- Você não está achando que está me explorando?

--- Porque o senhor não foi cavar, o senhor está pensando que cavar cova em barro duro é fácil, não é fácil não, tem que ser na base da picareta.

As velas já estavam todas acessas, os amigos da família sentados nas cadeiras ao redor do caixão, Maria do Amparo debruçada sobre o caixão, não parava de chorar. Do lado de fora, no terreiro da frente Mané Catolé se embriagava com um litro de cachaça, ele outros amigos, o tira gosto era carne de jabá assada. O silêncio era profundo, todos reverenciavam o defunto que era muito querido no distrito. Tinha no mínimo umas trinta pessoas no velório. Quando de repente estacionou um táxi que vinha com uma senhora e três crianças, sendo uma de colo. A mulher vinha chorando muito, entrou de casa adentro, descobriu o rosto do defunto e começou a chorar e dizia:

--- Não me abandone Zé Bernardo, como vou criar essas três crianças sem você, me diga?

Todos que faziam o velório ficaram sem saber o que dizer, o que dizia aquela mulher, seria uma doida, que tinha chegado. Maria imediatamente perguntou a ela.

--- O que está acontecendo?

A mulher perguntou:

--- A senhora é a irmã dele?

--- Não sou a esposa, e tenho cinco filhos com ele, e você?

--- Eu também sou mulher dele, só não sou casada no papel, mais faz mais de dez anos que moramos juntos lá em Itajá. Ele me disse que só tinha uma irmã chamada Maria do Amparo.

Maria se levantou, passou um lenço nos olhos e disse:

--- Acabou o velório, as lagrimas que botei por esse safado só foi a da obrigação. O senhor que é encarregado dessas porcarias que enfeitou a minha sala pode tirar tudinho, e leve esse defunto daqui, não vai mais ter enterro de cabra safado aqui em Carimbozinho. Vamos pessoal todos embora para casa, que amanhã todos tem o que fazer. Vamos meu senhor tire esse safado da minha sala, leve para a casa da mulher dele em Itajá, aqui não tem mais lugar para ele.

--- Mas minha senhora não podemos fazer isso!

--- Vão fazer sim, senão eu jogo ele no meio da rua.

Desarrumaram tudo, colocaram o caixão com defunto com toda parafernália dentro do carro funerário e se mandaram com o defunto para Itajá.

--- E quanto à senhora pode pegar o beco daqui com esses três meninos feios, faça o enterro dele por lá mesmo.

--- Mas eu não tenho culpa de nada ele me enganou também.

--- Quem comeu a carne que roa os ossos.

A mulher entrou no táxi que estava estacionado em frente à casa e foi embora tomar conta do corpo de Zé ximbica.

Maria do Amparo chamou o seu afilhado Gerim e disse na frente de todos presentes:

--- Meu afilhado eu sei que você é virgem, e tem muita vontade vadiar com sua madrinha num tem?

--- Tenho sim senhora.

--- Então vão todos embora que eu vou vadiar com Gerim até o dia amanhecer, eu só posso me vingar de Ximbica se for dessa maneira.

--- Mas minha madrinha eu tô com vergonha.

--- Não tenha vergonha não meu afilhado, que vadiar é coisa melhor do mundo.

Maria do Amparo se trancou com o afilhado e foi vadiar com o afilhado na cama que Zé ximbica comprou a prestação para pagar de seis vezes.

Manoel Julião Neto

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