quarta-feira, 14 de outubro de 2009

DAQUI A TRINTA E QUATRO ANOS

Naquela tarde de 15 de outubro de 2040, soprava um vento quente de seca, era mês de outubro, a poeira cobria os prédios e casas abandonadas da ex-cidade de Pedro Avelino, hoje vila da cidade de Afonso Bezerra.
Caminha lentamente um velho careca, de cara enrugada e pernas tortas; arrasta-se com auxilio de uma bengala, a procura de algum amigo para conversar, o velho em questão, reside ali naquele conjunto a mais de 54 anos, esse conjunto chama-se IPE, tem mais de 50 casas, só três estão habitadas, a dele, a de Laécio e de Ana Brás. Laécio reside com sua esposa Dulciene, e Ana Brás com os três irmãos, Manoel Brás, João Maria Brás, mais conhecido como peneira e Marcos Brás, são os únicos habitantes que não abandonaram suas casas, todos esses velhos estão entre setenta a noventa anos. Todos aposentados.
O velho passa pelas quadras, 1,2,3,4, e 5 do conjunto, não encontra uma viva alma para jogar um pouco de conversa fora. Entra em casa novamente, tira uma cadeira de balanço e coloca na calçada, fica olhando para o horizonte, sem perspectiva de nada, atualmente, tem 90 anos, espera com calma e paciência que a morte venha lhe buscar, a idade está bem avançada, mas ainda está lúcido, lembra de tudo, conversa com ênfase, só a vista que está cansada pelo tempo. Fecha os olhos e fica com a bengala batendo no chão. De repente, como uma miragem surge um carro bonito e moderno, que o velho nunca tinha visto daquela espécie, o dito carro estaciona em sua frente, o velho se assombra, faz mais de 10 anos que não passa carro por ali, o carro vinha das bandas da cidade de Lajes, o velho pensou consigo mesmo, deve ser o extraterrestre que o povo tanto fala, que veio parar na ex-cidade de Pedro Avelino, o velho arregala os olhos, descem um senhor alto, cabelos pretos, bem vestido, com ele uma senhora simpática, e um casal de crianças, entre 11 e 12 anos.
--- Boa tarde meu velho!
--- Boa tarde, o que deseja o amigo?
--- Meu velho é o seguinte: minha família por parte de meu avô é toda dessa cidade, meu avô, nasceu aqui, e quando rapaz foi embora, para São Paulo. Em São Paulo casou com minha avó que é portuguesa.
--- E de que família ele é?
--- Câmara e Costa.
--- Então você está na cidade certa, ele é daqui mesmo.
--- Mas ele falava maravilhas da cidade onde nasceu, falou em tantas coisas bonitas, que eu sempre tive vontade de conhecer, me desloquei de São Paulo até aqui para conhecer a terra do meu avô. Quando chego, encontro uma cidade fantasma, o que aconteceu?
--- Como é seu nome mesmo?
--- José Câmara Costa.
--- Pois é José Câmara, precisava um dia todo para eu lhe contar a estória dessa ex-cidade.
--- Não tem problemas, hoje não dá mais tempo, Mas amanhã com certeza eu venho passar o dia com senhor, quero saber de tudo. Como é nome do senhor mesmo?
--- Eu me chamo Manoel Julião Neto, mais todos me chamam de Manoelzinho.
--- Então estamos certo seu Manoelzinho, amanhã estarei aqui para passarmos o dia juntos Ok.
--- Tudo certo, José Câmara, estarei aqui esperando, a hora que você chegar estarei pronto.
--- Seu Manoelzinho, qual é cidade aqui perto onde eu possa me hospedar?
--- É Afonso Bezerra, lá tem de tudo, é só 14 Km, até lá.
--- Mas seu Manoelzinho, a estrada está péssima, de Lajes até aqui, eu gastei mais de duas horas, só andei dentro de buracos e livrando pés de paus, o que aconteceu com o asfalto daqui? Por que ainda se encontra, uns pedaços de asfalto.
--- Meu amigo, fazia mais de 10 anos que não entrava um carro aqui nessa vila, eu até me assombrei quando vi você entrar com seu carro. Aqui nessa vila não passa mais ninguém, isso aqui é uma cidade fantasma, aqui já teve de tudo, agora só resta os escombros. E tome muito cuidado com a estrada para Afonso Bezerra, no meio onde era asfalto, nasceram muitos pés de juremas, pereiros, mufumbos e algarobas e o mata-pasto cobriu o resto, vá devagar, livrando tudo que encontrar pela frente.
--- E as pessoas que moram por aqui e Afonso Bezerra, quando querem ir para Natal, viajam por qual estrada?
--- Pela cidade de Angicos, pega a BR direto, vão bater em Natal.
--- Tem algum hotel bom para se hospedar em Afonso Bezerra?
--- Meu amigo eu vou fazer uma comparação, Faz de conta que Pedro Avelino é Natal, e Afonso Bezerra é Nova Iork, lá tem de tudo, tem prédio de doze andares Supermercados todo informatizado, Lojas de vender carros, Aeroporto para pequenos aviões e Helicóptero, hotéis de uma a cinco estrelas, magazines, para alta sociedade fazerem suas compras, Shoppin center, tem logo quatro, fabricas tem mais de 20, os prédios mais alto possui até heli-porto. Afonso bezerra hoje é uma grande metrópole, tem oitenta mil habitantes.
--- Seu Manoelzinho o senhor não está exagerando?
--- Vá lá, e amanhã você me diz.
--- Ok. Até amanhã.
O moço colocou a família dentro do carro e dirigiu-se para Afonso Bezerra para passar a noite. E o velho Manoelzinho, entrou em casa se escorando na bengala, sua esposa o esperava, com café bem quentinho, o velho tomou o café, acendeu um cigarro Hollywood, deu grandes tragadas, para aliviar as saudades, que eram grandes e distantes.
No outro dia, ás 8:00 hs em ponto, chega em frente à casa do velho Manoelzinho, José Câmara e a família, vinham munidos de água e lanches, iriam passar o dia, como se fossem fazer pic-nic, na vila de Pedro Avelino, não tinha uma mercearia, tudo vinha da cidade Afonso Bezerra, os 35 e habitantes idosos daquela cidade fantasma, viviam em função da cidade vizinha.
O velho ermitão estava de pé, digo sentado na sua cadeira, olhando para o nada, por que nada via, quando José Câmara o cumprimentou:
--- Bom dia, seu Manoelzinho, como passou a noite?
--- Com um pigarro danado, do danado desse cigarro, que nunca consegui largar. Mas como foi na cidade vizinha?
--- Ótimo, cidade de progresso, tem de tudo, nunca pensei que uma cidade do Rio Grande do Norte, estivesse tão bem desenvolvida como Afonso Bezerra, também nunca pensei que tivesse uma cidade fantasma como Pedro Avelino.
--- Pra você vê amigo, como as coisas mudam, quando Paris lançava uma moda, o povo de Pedro Avelino não queria mais, hoje está essa catástrofe.
--- Seu Manoelzinho vamos dar uma volta no meu carro, quero que o senhor me mostre, os lugares onde meu avô falava tanto quando era criança. Vamos lá.
--- Vamos.
O velho ancião entrou no carro, ajudado pelo novo amigo, foram dar umas voltas pela ex-cidade de Pedro Avelino, hoje vila de Afonso Bezerra. Logo que dobraram a esquina, José Câmara foi pedindo ao velho Manoelzinho:
--- Seu Manoelzinho, eu queria que o senhor fosse me descrevendo, por onde fossemos passando.
--- Vamos lá: Esse conjunto se chama IPE, só tem três casas ocupadas, o resto está abandonadas e outras caídas, alguns moradores desse conjunto foram embora e outros morreram. Esse prédio que está caindo, era fundação Donatile Costa. Ali, vindo de Afonso Bezerra existia um conjunto chamado Canindé Vicente, em frente onde tem aqueles muros caídos, foi um estádio de futebol que começaram no século passado, e nunca foi inaugurado, do lado um ginásio de esporte, que está descoberto com as paredes caindo, também foi dos anos noventa. Ali onde está tudo aberto e sem portas foi uma radio, chamada FM Central, do lado, foi um Hospital chamado Governador José Varela, era para ser um Hospital para atender toda a região Central, hoje só tem as paredes em pé, tinha trinta e tantos leitos, sala de fisioterapia, laboratório de analise clinicas, cozinha equipada, lavanderia com máquinas de lavar, hoje só se encontra lá dentro, camas velhas enferrujadas, pedaços de computadores, aparelho de raio-x só os pedaços, deixaram acabar tudo, é uma pena um País com tantos doentes e se vê um hospital desse tamanho acabado pelo tempo e pelo desprezo. Mais ali era o conjunto da COHAB, onde todas as casas eram habitadas, hoje só essa ruma de tijolos e algumas paredes em pé, desse outro lado, é o conjunto Donatile Costa, só tem um morador, é um velho chamado João Tinteiro, os restos das casas estão todas abandonadas e caindo. Ali onde estão só as paredes em pé, foi um local chamado Oficina Escola, no qual nunca funcionou como o nome diz.
--- Mas seu Manoelzinho deixaram tudo isso se acabar?
--- Num tá vendo, que tá tudo acabado.
--- Seu Manoelzinho não fique aborrecido comigo, é porque eu quero saber de tudo, para quando chegar em São Paulo contar ao meu avô.
--- Eu também lhe peço desculpas, fui meio ríspido na minha resposta, é que eu sou dá raça dos Braulinos, que quando ficam velhos, ficam aborrecidos e chatos que não tem quem agüente. Pode perguntar.
--- Meu avô falava muito no trem, no clube, na feira e no mercado.
--- Aqui é a rua Epitácio Pessoa, só quem mora nessa rua, que a casa ainda está de pé, é o velho Josivan Rodrigues, que quando era novo era metido a namorador, o resto das casas estão todas abandonadas, aquele local onde tem umas metralhas, era local da estação de trem, os trilhos, a estrada de ferro já levou. Na metade do século passado, era o transporte do povo dessa região, e das mercadorias também, aquele prédio que está em ruínas só com as paredes de pé, era a usina CRUZ PINHEIRO, de comprar algodão para descaroçar, e também fabricava torta e sabão, o que restou foi isso que você está vendo. Ali naquele local ficava a rodoviária e a praça Celestino Batista, virou uma mata de jurema e mata cabra e urtiga, aqui não tem mais nada, está tudo acabado.
--- Seu Manoelzinho, meu avô falou muito da feira livre do mercado e de um clube que tinha aqui, onde os jovens se divertiam.
--- Encoste naquelas ruínas que tem um frontão.
José Câmara, desviou dos pés de algarobas que tinha pelo meio do calçamento, também tinha muitos pés de marmeleiros e mufumbos, as ruas da vila de Pedro Avelino virou mata, os passarinhos voavam de um lado para outro como estivessem dentro de uma caatinga. José Câmara parou o carro, desceu e foi ajudar o velho Manoelzinho a descer. O velho saiu escorado na bengala, e José Câmara o ajudava caminhar por dentro das arvores que tinha dentro do ex-Contri club de Pedro Avelino, o velho explicava:
--- Aqui era onde a mocidade de sessenta anos atrás dançavam animadamente, ali em cima era o palco. Os carnavais dessa terra eram os mais animados de toda região, quem animava o carnaval era banda do Exercito Brasileiro, precisamente do 16 RI, depois desmancharam o clube, e fizeram um tal de CEI (Centro de Educação Integrada). Acabou-se o clube, quando queriam fazer uma festa, faziam nas quadras de esporte, ou então numa cobertura que o prefeito Titiu fez nos anos noventa.
O velho Manoelzinho e José Câmara saíram, caminhando por dentro dos pés de pau que tinha no caminho. O velho avisava aos que o acompanhava:
--- Cuidado com os marimbondos e as cobras.
--- E o que Marimbondo?
--- É um bichinho que ferroá, que no Sul o povo chama vespa.
As paredes do CEI estavam todas cheias de rachaduras enormes, as paredes do lado direito, tinham caído todas, era um descampado que dava pena, quanto mais quem alcançou tudo aquilo funcionando, era um verdadeiro abandono, o velho olhava tudo aquilo com os olhos rasos dágua, uma piscina que tinha por atrás dos escombros nunca ninguém tinha tomado um banho, estava cheia de lama podre. José Câmara percorria tudo, averiguava tudo com atenção, entrou em duas salas de aula que tinha no CEI, só encontrou os cupins comendo os caibros, e muitas carteiras quebradas. Virou-se e perguntou ao velho:
--- Seu Manoelzinho como podem deixarem uma estrutura dessa se acabar ao relento, faz pena. O meu avô vai ficar muito desgostoso quando eu lhe contar o que vi na terra dele, sempre me falou tão bem de onde tinha nascido, falava com amor.
Saíram dos escombros, o velho mostrava onde foi á delegacia de policia, mostrava onde tinha as ruas principais, todas abandonadas, com o vento batendo nas janelas e portas das casas em ruínas. A maioria das casas o teto tinha afundado, a Biblioteca Municipal José Pereira, só tinha a parede da frente, os livros todos rasgados com bandas de tijolos e caliça seca por cima, as prateleiras que antes guardavam os livros, eram pedaços de ferros retorcidos, e enferrujados, a junta de serviço militar, também estava caída, na frente estava de pé o mastro de astear a bandeira Brasileira que ainda estava guardada toda empoeirada dentro de uma vitrine de madeira, que dá porta se avistava. Foram seguindo passaram nas quatro bocas, não tinha mais casas de comércio, era um descampado só, das quatro bocas, se via a casa de Chico Câmara em ruínas, na cobertura, as telhas de alumínio tinham voado todas, estavam no caminho para fazenda São Pedro, os ferros da cobertura só estavam os espigões apontando para o céu, o posto Muniz, pertencente a família Muniz, as bombas que mediam os combustíveis estavam quebradas, jogadas ao relento. O mercado público, estava sendo morada de morcegos e marimbondos, andando-se por dentro encontrava-se muitos buracos de peba e tejuaçu. O velho levou o amigo para ver a Prefeitura, fazia dó, pedaços de computadores, jogado no chão, processos rasgados e desbotados pelo sereno, os movéis e utensílios todos quebrados com o impacto do telhado que caiu por cima. Saíram pelo portão lateral e foram até ao Colégio Josefa Sampaio Marinho, por onde a maioria dos habitantes da antiga cidade de Pedro Avelino estudaram. José Câmara pediu ao velho que lhe mostrasse o açude publico. O velho subiu novamente no carro do amigo com dificuldade, e apontou a estrada, lá na frente pararam. Mostrou a José Câmara, a Igreja de São Paulo, desceram e foram até lá, a sujeira de bosta de andorinha e morcego estavam cobrindo o assoalho, as lagartixas corriam por cima do altar, os bancos de madeira estavam quebrados e cheios de poeira, o cupim comia a madeira do teto, tinham levado as imagens, dos santos, inclusive a de São Paulo que era o Padroeiro. Roubaram o sino e o busto de padre Antas que ficava em frente á igreja, levaram e venderam num ferro velho que tinha em Afonso Bezerra, acabaram com tudo. Aqui não existe mais nada meu amigo, só uns poucos habitantes, que não quiseram ir embora. Saíram novamente, chegando perto do rio, o velho avisou ao amigo.
--- Esse é o rio Gaspar Lopes, no século passado foi feito essa ponte, que está arriada, aparecendo os ferros, não tem mais serventia de nada, não existe mais gente para passar por cima dela, e nem carros, não dá nem para passar o seu automóvel.
José Câmara pegou o carro na primeira, e atravessou o rio Por dentro da areia fofa, saiu em cima de uma barreira, onde foi a Granja de Jeová, o velho apontou e disse ao amigo:
--- Tá vendo onde tem aqueles pés de mangueira e de pinha?
--- Estou, por quê?
--- Ali eu fiz muitas farras quando era mais novo, passava o dia bebendo e conversando, fazia muito tempo que eu não passava por aqui, isso me trás péssimas recordações.
Seguiram, passando por barrocas imensas, as pedras do calçamento todas viradas, aqui e acolá se encontravam restos de casas abandonadas, não tinha nada em pé, chegando perto onde fora o posto de saúde, e a pracinha estava sentado, Manoel de Quirino, num banco que restou onde era a pracinha, cacete na mão para caminhar, boné velho na cabeça, lá na frente estava Téia, escorado no pedaço do muro que fora do posto de saúde, os dois calados e desconfiados, fazia tempo que não aparecia um carro por ali. Todos desceram do carro e encaminharam-se para o açude do Governo, que tinha arrombado no meio da parede, só tinha um charco dágua salobra, o resto era mato, como marmeleiro, salsa, pinhão roxo, enormes pés de jurema e algarobas, era um abandono total. Quase todas as casas do bairro São Francisco, estavam arriadas, poucas com paredes em pé, nada se aproveitava naquele bairro, que antigamente teve muitos habitantes, era uma pena aquele deserto, não tinha mais energia, a COSERN tinha levado os poste e os fios, os poucos moradores daquela cidade deserta, iluminava suas casas com a velha e boa piraca, a CAERN só não levou os canos da água, porque não compensava escavar o chão, e retirar a rede que transportava água para os antigos habitantes, todas as ruas não tinha fiação de nada, nem de telefone e nem de energia, levaram tudo, Isso tudo é o que restava da vila de Pedro Avelino, cidade que era amada por poucos de seus filhos.
Entraram novamente no carro, e voltaram para o centro, quando José Câmara perguntou mais uma vez ao velho Manoelzinho:
--- Seu Manoelzinho, e uns prédios brancos, rodeados de muro caído, que eu encontrei na entrada, o que funcionava lá?
--- Ali era o Laticínio São Pedro, pertencia aos Batistas, também acabou, os poucos criadores daqui foram embora, onde eles iam arranjar Leite, Mudaram-se para a cidade Afonso Bezerra, que é um grande celeiro de empregos e empreendimentos em toda região Central.
--- Que coisa, num é seu Manoelzinho?
--- É José Câmara, tudo está acabado, por perto do laticínio São Pedro, tinha uma grande comunidade, tinha a Escola Estadual Abel Furtado, onde quase dos antigos daqui fizeram o ensino fundamental, só ali naquela comunidade tinha três quadras de esporte, e a Escola Municipal Cônego Antonio Antas, está tudo abaixo, acabou tudo, daquele alto se avista melhor a desgraça que ficou a ex-cidade de Pedro Avelino.
Foram até o alto da maternidade, e avistaram melhor a destruição em que ficou a ex-cidade de Pedro Avelino, era um rebuliço de destruição e casas no chão, a Câmara de vereadores, só tinha a parede da frente em pé, com uma placa pendurada com o nome, Câmara Municipal Vereador Raimundo Martins, resto tinha caído, os microfones da bancada onde os vereadores debatiam os projetos, roubaram e venderam no ferro velho. O fórum onde trabalhava os Juizes e promotores, e funcionários da Justiça, o teto tinha afundado, e dentro nasceram vários pés de jaramataia, que os galhos saiam por portas e janelas, um murinho que tinha na frente estava arriado, e prédio onde era o escritório da CAERN, tinha uma ruma de entulhos,e de papeis de conta dágua velhos sem utilidade nenhuma.
Rumaram o carro para perto de onde foi o CEI, no mesmo local onde ficava a biblioteca Municipal José Pereira, onde tinha uma grande arvore chamada pereiro, com sombra larga. José Câmara parou o carro e convidou o velho Manoelzinho para fazer um lanche debaixo daquela arvore tão frondosa e bonita, com bastantes espinhos.
Sentaram-se na sombra do pereiro, ficaram olhando o deserto, tudo abaixo, tudo destruído, prédios em ruínas, casas caídas, pracinha que virou mata nativa, poeira quente que o vento soprava. O velho bebeu água, acendeu um cigarro, e comentou para o amigo:
--- Quem nasceu em Afonso Bezerra, á ama como se ama um filho, são filhos apegados a sua cidade, eles colocam decalque nos carros com a frase, “EU AMO AFONSO BEZERRA” o contrario de Pedro Avelino que tem tanta gente importante, mas que não dão valor a sua terra, a maioria dessas pessoas importantes que nasceram em Pedro Avelino, não visita nem as covas dos seus parentes em dia de finados.
--- Seu Manoelzinho, o senhor ainda não falou da feira livre.
--- A amigo, era o dia de encontro de todos que moravam nas propriedades. A feira era no sábado, aquele quadro onde fica as ruínas do mercado publico, ficavam cheias de barracas vendendo de tudo. Na safra de algodão, a feira começava assim que o sol raiava, e só terminava quando o sol se escondia, aqui vinha gente de toda redondeza trabalhar na apanha de algodão. Pedro Avelino era uma festa, todos com dinheiro no bolso, para atender as suas necessidades, os proprietários de terra, faziam negócios com os compradores de algodão, ou vendia diretamente para fazenda São Miguel dos Marinheiros, onde os Ingleses comandavam o comercio de algodão. Os proprietários de terra, iam buscar no Banco do Brasil da cidade de Macau, dinheiro em sacos de estopa, os grandes traziam dinheiro em saco. E os pequenos se forneciam com os grandes, Pedro Avelino era um progresso grande, o povo era muito feliz, alguns pobres e outros mais abastado, mais todos eram felizes, um povo amigo, e brincalhões, de bem com a vida. O Padre Antas na sua escola preparava as crianças para irem para Natal, o povo vendia leite de porta em porta, o povo vivia numa alegria constante, quase todos tinha sua vaquinha no quintal de casa para o leite da família. O progresso foi chegando, e as coisas foram ficando apertadas. Depois da revolução de 1964, com os governos Militares, as coisa foram melhorando, os bancos soltavam dinheiro a bamburro para os proprietário de terra, era dinheiro de se dá com o pé. Há tempo bom amigo, há tempo bom.
--- Mas o que causou tudo isso seu Manoelzinho.
--- O que mais causou tudo isso, foi um troço repugnante, chamada política.
--- Como Assim?
--- Há meu amigo, dois partidos começarem a brigarem aqui nessa terra, cada um que quisesse o poder pra si, e o povo começou a tomar partido, a cidade ficou dividida, antes quem era amigo virou inimigo ferrenhos. O radicalismo tomou conta de tudo, eram ofensas de ambos os lados. Crianças brigavam por política, aprenderam a ser radical, criança aqui não brincavam de carrinhos ou cavalo de pau, criança em Pedro Avelino discutia política, tinha uns que torcia pelo preto e amarelo e outras que torciam pelo verde, essas cores eram os símbolos dos dois partidos, que causou a derrocada dessa pequena cidade que um dia foi feliz. Essas crianças dessa época, não tiveram tempo de gozar suas infâncias com brincadeiras comuns, a política radical não deixou. E os chefes políticos não descobriam que estavam destruindo uma geração que queria viver na sua pequena cidade. Alguns habitantes que tinha mais compreensão começaram a ir embora para Natal e outros lugares, não tinha mais meio de vida por aqui. No auge do radicalismo Político, chegou á praga do bicudo, que dizimou os roçados de algodão, o povo ficou pobre e miseráveis dependo dos políticos, a Prefeitura ficou inchada, só era onde se arranjava trabalho, os proprietários de terra faliram, as propriedades ficaram abandonadas, o ensino publico ficou sendo o pior do Rio Grande do Norte, Professor fingia que ensinava, e aluno fingia que aprendia.
--- Mas seu Manoelzinho, qual as providencias que os políticos tomaram?
--- Nenhuma, deixaram o povo de lado, mas os ainda os traziam emcabrestados, nas campanhas políticas, ainda jogavam uns contra os outros, ganhavam as campanhas políticas, e iam para Natal, comemorarem os louros da vitória, e o povo de Pedro Avelino se afundando cada vez mais. Aqui nos tínhamos três Bancos, BANCO DO BRASIL, BANDERN e BRADESCO, O Bradesco foi embora não tinha movimento para ele, O Bandern o Governo do Presidente Fernando Collor de Mello fechou, ficou o Banco do Brasil, matando os velhos com empréstimos.
--- Quer dizer que o algodão acabou, e acabou a fonte de renda do povo?
--- Exatamente, as cidades que cercam Pedro Avelino, como Lajes, Afonso Bezerra, Angicos e Pedra Preta, formaram associações, e cooperativas, e foram tocando a vida, aqui não se podia fazer nem associações nem cooperativas, que os dois partidos iam pra dentro, brigar e disputar poder, aqui até o sindicato dos agricultores, os políticos se metiam, e ganhava o mais forte, qualquer vitória para os dois partidos era a gloria. Tinha uma Associação chamada APAMI, que dava assistência medica para toda a população, na hora que a política entrou, a associação fechou. E o povo tão inocente não sentia que eles mesmos eram que estavam sendo prejudicados.
--- E como foi que a população foi embora?
--- No inicio do século, a juventude viu que ficar em Pedro Avelino, não dava, começaram a irem embora, uns foram embora para a Cidade de Guamaré, e outros para Natal, famílias inteiras quase todos os dias iam embora, só se via os caminhões de mudança passando, e nós os mais velhos perguntava: para onde vai a família de fulando, respondiam de Uma só vez? Para Guamaré.
--- Mais o que tem Guamaré?
--- Meu amigo, Guamaré hoje é um pólo petroquímico, é uma cidade altamente desenvolvida, tem porto flutuante para atracar grandes navios petroleiros, lá se produz: gasolina para Avião, Querosene, nafta, e outros derivados do petróleo, a metade da ex-cidade de Pedro Avelino está lá ou na zona norte de Natal, aqui só ficou os velhos que não serve mais para serviço nenhum, e os que foram embora não lembram mais dos que ficaram aqui, todos que saíram fizeram suas vidas, alguns vivem muito bem e outros mais ou menos, de uma coisa eu sei, estão melhor do que os que ficaram nesses escombros, nessa cidade fantasma.
--- E o senhor tem algum parente fora?
--- Tenho filhos, netos e bisnetos, estão levando a vida deles por Natal, quando eu e minha mulher estamos doentes, eles vem nos buscar, mas passamos poucos dias em Natal, essa mocidade de hoje não gosta de velho, dizem eles que velho atrapalham muito. Eles querem que eu e minha mulher vá morar com eles em Natal, num vou nessa conversa, velho só vai aborrecer os mais novos, vou ficando por aqui mesmo.
--- Seu Manoelzinho essa estória que o senhor me contou, parece coisa de filme de ficção, parece coisa inventada, mas pelo o que estou vendo, é tudo verdade. Quase no meio do século 21 uma cidade abandonada, o mundo com tanto progresso, com tanta tecnologia, com tanta coisa futurista, e uma cidade fantasma no meio do Nordeste, é coisa que se contando por aí afora ninguém acredita. E as pessoas importantes que aqui nasceram, onde estão?
--- José Câmara, aqui nós já tivemos de tudo, Deputado, vice-Governador, estes dois até assumiram o governo do estado. Grandes empresários do ramo da construção civil e outras coisas mais que agora me falta na memória, esses, as famílias estão todas bem, não se lembram nem do caco velho de terra onde nasceram. É um desgosto muito grande se olhar o infortúnio desse pedaço de torrão. Vou lhe dizer amigo, eu fui muito aconselhado por minha mulher para ir embora, mas eu amava tanto isso aqui, que dizia para ela que ia me enterrar no cemitério da minha terra, que daqui eu não sairia para lugar nenhum, eu desde pequeno que achava que a terra melhor do planeta era Pedro Avelino, hoje estou muito arrependido, só que arrependimento tarde não voga, o que passou, passou.


--- E essa briga política foi por muito tempo?
--- Há meu amigo, no ano de 2006, os homens que fizeram tanto o povo de Pedro Avelino brigarem, se juntaram lá em cima, ai confusão começou, a população de Pedro Avelino que eles ensinaram a ser radical, não se conformavam com essa união, foi uma confusão danada, lá em cima eram amigos, mas aqui em Pedro Avelino não olhavam nem para cara um do outro. O nosso povo ficou tão radical, que ainda tem hoje, quem na época era menino, se falar em partido tal, ainda briga. O problema daqui foi o pequeno que não se uniu, o povo pobre de Pedro Avelino levou uma lavagem cerebral dos Coronéis da política daqui, que isso só prejudicou a eles. Enquanto o povo pobre brigavam por eles aqui em Pedro Avelino, os dois partidos, preto e amarelo e o verde, se juntavam e bebiam o melhor vinho Francês, tirando o gosto com arabaiana frita, nos alpendres das grandes mansões da orla marítima, mangando dos bestas que aqui brigavam por eles.
--- Vou dizer ao senhor, meu velho, eu acho que não vou dizer ao meu avô que a cidade dele só tem os escombros, vou dizer que aqui estão todos bem, que a situação de Pedro Avelino é ótima, assim ele fica mais tranqüilo. E o Prefeito de Afonso Bezerra, o que faz por vocês aqui?
--- Nada. Os velhos que residem nesse resto de cidade não votam mais, o Prefeito não tem interesse nenhum por nós. A vila de Pedro Avelino já pertence a Afonso Bezerra, tudo aqui pertence á cidade dele. Agora se você prestou atenção quando vinha de lá, Afonso Bezerra está crescendo de lá pra cá, ali onde era os Cantinhos já tem prédios de fabricas a serem inauguradas brevemente, muitas casas residenciais estão vindo em direção aqui. Afonso Bezerra não pode crescer pra frente, porque na sua frente estão as cidades de Angicos e Pendências, A tendência é tomarem conta disso tudo, daqui para o final do século 21, vai emendar tudo, vai ser uma cidade só, Afonso Bezerra, grande e altaneira, e a vila da ex-cidade de Pedro Avelino, desaparecerá do mapa do Rio Grande do Norte, para sempre, como querem alguns filhos de Pedro Avelino.
--- Eu não quero mais aborrecer o senhor, com tantas perguntas, espero que o senhor não se incomode de me responder mais uma?
--- Não me incomodo, pode perguntar á vontade, faz tempo que eu não converso, isso hoje que está acontecendo comigo é uma terapia que vai me deixar muito bem.
--- Então lá vai mais uma pergunta. Seu Manoelzinho será que se esgotaram todas as alternativas para salvar Pedro Avelino?
--- Eu acho que não, o que faltou foi interesse dos altos mandatários de Pedro Avelino no século 20. Como esses homens mandavam José Câmara, esses homens casavam e batizavam, era os donos de todos nós, cada um deles que quisessem mandar mais, e com isso a cidade se afundava cada vez mais. Vou lhe contar uma pequena estória que você não vai acreditar: Nas décadas de 80 e 90, essas duas figuras da política daqui, o da bandeira preta e amarela, e o da bandeira verde.
Pedro Avelino precisava de um asfalto para se chegar até o distrito de Baixa do meio, o distrito de baixa do meio e dividido no meio pelo asfalto que vem de Natal, então um pedaço era de Pedro Avelino e o outro pedaço de Guamaré. E nossa cidade precisava de uma estrada asfaltada até baixa do meio, no inverno a estrada de barro, que começa em Pedro Avelino e vai até Baixa do Meio, ficava intransitável. No verão o percurso de Pedro Avelino a Baixa do Meio ficava em torno de 2 horas, ao passo que se tivesse asfalto, percorreria-se de carro com pouca velocidade em 40 minutos, fosse no inverno ou no verão, com essa estrada feita, facilitaria muito a vida de nossa população, porque se chegando em Baixa do Meio, para se ir até as cidades de Macau, Guamaré, Jandaira e João Câmara, era um pulo. E os 4 mil filhos de Pedro Avelino, que hoje trabalham e residem em Guamaré, com certeza estariam todos morando aqui, e nossa cidade não estaria abandonada, e entregue a Afonso Bezerra. Mas vamos lá a estória que eu estava relatando o homem da cor verde, era vice-governador e resolveu fazer o asfalto até Baixa do meio, só que o asfalto tinha que passar por dentro da fazenda dele, dava uma curva enorme, a estrada aumentaria em mais de 15 Km, ainda fizeram a terraplanagem, maquinas trabalhou uns dias e tudo parou, ficou na estaca zero. Aí o homem da bandeira verde perdeu o governo do estado, ficou debaixo, diga quem ficou de cima?
--- Não sei! – respondeu José Câmara.
--- O homem da bandeira Amarela e Preta. Que então era o Presidente da Assembléia. Também inventa de fazer o asfalto até baixa do meio, chega máquinas pesadas para fazer a terraplanagem, bueiras de cimento, tratores e outras coisitas mais. Só tinha um porém, o asfalto tinha que passar por dentro da fazenda dele, isso aumentaria a estrada em mais de 18 Km. O que aconteceu, o partido dele perdeu o governo, e mais uma vez perdemos o asfalto que ia dá no distrito de Baixa do meio, só ficou as bueiras abandonadas no meio da estrada, o trabalho que fora feito ficou todo perdido, e não saiu o asfalto. Hoje daqui para baixa do meio é uma mata trancada, não existi mais estrada nem de barro nem de betume, é tudo mata, só se pode ir para lá a cavalo, é o único transporte que ainda se anda dentro da mata fechada que terminou as fazendas daquela região. Os proprietários abandonaram suas terras do lado de baixa do meio, ficou inviável, não tinha estrada, como se transportaria suas mercadoria? Acabou tudo. José Câmara essa cidade onde seu avô nasceu e eu também, era um terra de um povo feliz, trabalhadores com grandes perspectiva de vida, os filhos todos estudando. Dos anos 60 para os anos 70, era uma cidade em que seus filhos mais passavam no vestibular em Natal, eram tantos universitários filhos desses escombros, que fizeram até uma associação chamada AUPA (Associação dos Universitários de Pedro Avelino), quando esses rapazes e moças vinham de férias, tinha mais de uma semana de festa, Pedro Avelino virava um festival de felicidade para todos que aqui viviam. Daqui saíram vários Médicos, Advogados, Engenheiros, e de outras profissões que agora não me recordo, isso aqui já foi um celeiro de formados, mais nenhum deles olhou para o seu torrão com carinho, e está tudo aí o que restou. E vou mais lhe adiantar aqui já teve até Faculdade.
--- O que é que o senhor está me dizendo? Aqui já teve Faculdade?
--- Claro meu amigo, nós tivemos a faculdade de Pedagogia, pela UFRN, temos num sei quantos formados nessa área, todos saído daqui, as salas de aula funcionava no CEI, isso trouxe muita felicidade para o povo dessa terra. Hoje eu sentado aqui com você, sua esposa e seus filhos, fecho os olhos e vejo tudo gravado na minha mente, vejo tudo nítido e limpo, vejo a feira livre, o povo se deslocando de um lado para outro, crianças indo para escola alegres, a calçada do comercio de Assis Bezerra repleta de gente conversando, no mercado publico Socorro vendendo carne verde e seca, Chico Abreu também vendia carne, Chiquinho e o irmão e amigo Antonio desastrado vendendo carne de miunça, o pessoal de Pataxó comercializava peixes, curimatã ovada, tilapias, tucunaré, forró-baiano e trairá com espinhas que parecia um gancho, nos quiosques que tinha dentro do mercado, D. Joana bolacha, Milagre e Damiana de Zé Fragoso, vendiam café com bolo, picado de porco e meiota de cachaça, João de Bagadi serrando os ossos da reses que estavam esquartejadas, o mercado era uma festa de alegria, hoje os morcegos e os ratos tomaram conta do mercado, de pé mesmo só estão os balcões de azulejos,.
--- Seu Manoelzinho o senhor não é saudosista demasiado?
--- Meu amigo você acha que do jeito que eu e seu avô vimos Pedro Avelino, e hoje está nessa miséria não é para sentir saudade? Claro que é. Há muitas décadas atrás, nós produzíamos o melhor algodão fibra longa de todo o estado, nossas terras sempre foi abençoada, o nosso algodão disputado, sua fibra dava até 38, na época da safra os nossos produtores mandavam para São Miguel dos marinheiros de dois a três caminhões de algodão por dia, algodão bom de ótima qualidade, o dinheiro na mão do nosso povo era certo.
--- Mas Seu Manoelzinho essa é a vida, é o destino.
--- Seu José Câmara não existe destino ruim ou bom, o povo é que traça sua sorte, foi a mesma coisa que fizeram com Pedro Avelino, traçaram a sorte dela, botaram na cabeça que iam acabar com essa terra, e acabaram mesmo, porque quando eles viram que essa cidade estava se acabando, não vieram em seu socorro? Porque os homens importantes que sempre mandaram aqui, não se deram as mãos? Esquecendo as magoas das políticas passadas? Ao invés de traçarem um plano de salvação para Pedro Avelino, fizeram o contrario, deram as costa, e cada um foi viver suas vidas como bem lhes convierem. Como é que podem desprezar o céu, o calor dessa terra, como é que podem desprezar essas ruas onde todos brincaram e andaram por tanto tempo, porque desprezar e deixar se acabar as Escolas, Paroquial, Raimundo Cavalcante, Josefa Sampaio Marinho, Castelo Branco, Abel Furtado Paulo VI, cônego Antonio Antas, onde aprenderam as primeiras letras. Como podem não se lembrarem do Rio Gaspar Lopes, com os seus poços onde criança se banharam, e se embolaram na sua areia grossa e quente, será que os ouvidos desse povo esqueceram os debates dos sapos nas noites de inverno, será que as nossas caatingas foram esquecidas, com seus pés de macambira, xique-xique, marmeleiro, juazeiro, pinhão roxo, imburana, crôa de frade, favela, maniçoba, carrapicho, isso não toca a alma dessas pessoas. Será que não vale nada os ossos dos seus antepassados que estão enterrados no cemitério, será que a cruz milagrosa, não lembra nada, será que a igreja de São Paulo onde muitos fizeram a primeira comunhão e assistiram missa, não é importante para esse povo. Os importantes dessa terra hoje caminham nas estrelas, e desprezam a terra de origem, esqueceram os seus antepassados, esqueceram as suas origens, triste do homem que rejeita a sua terra e suas origens, esses homens morrerão com um remoço profundo. O homem não tramou o tecido da vida; simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.
--- Que coisa bonita seu Manoelzinho, o seu apego a este resto de terra.
--- Isso é apego e pena dessa terra, que foi tão boa para todos, e hoje é esse pó sem valor. O senhor deixe sua esposa e seus filhos ai na sombra do juazeiro e vamos até ali para eu lhe mostrar mais uma coisa.
José Câmara subiu no carro com o velho Manoelzinho, e rumaram para o bairro São Geraldo, e o velho foi mostrando:
--- Aqui era outra usina de descaroçar algodão, só tem as paredes, ali mais embaixo foi um hotel, tinha até piscina, hoje está só o terreno, de lado do hotel era conjunto Santa Luiza que tinha quarenta e poucas casas, e as casas estão todas no chão, só tem metralha, bem no meio do conjunto um projeto, de uma fabrica de tecidos, que uma dos empresários importante de Pedro Avelino iniciou, para poder ganhar uma política aqui, e nunca terminou, só tem os espontões apontando para o céu.
--- Meu velho, e esse lixão ai, é dos habitantes daqui?
--- Não, Ali na frente era a praça Maria Aparecida Furtado de Figueredo, e rodeando essa praça, tinha varias casas, moravam muitas famílias, lá na frente tinha a capela de Nossa Senhora da Conceição, onde tinha missa aos domingos, você indo direto encontra os dois cemitérios, conjugados, ainda se pode ver um pedaço do frontal do cemitério.
--- Mas eu não estou vendo nada disso, só vejo lixo!
--- Aqui onde tudo foi habitado, onde tinha dois cemitérios, hoje é o lixão de Afonso Bezerra, todos os dias chegam mais de dez caçambas de lixo dos habitantes da metrópole onde moramos vizinho, cobriram tudo de lixo, o cemitério, a praça e as casas, aqui e o aterro sanitário de Afonso Bezerra. Os ossos dos nossos antepassados estão cobertos pelo lixo e pela fedentina.
--- Seu Manoelzinho, isso não pode ficar assim, tem que ter alguma solução!
--- Qual Meu filho? Coloque na sua cabeça, que isso tudo aqui onde nós estamos pisando, pertence á Cidade de Afonso Bezerra, nós que moramos nesse pedaço de chão, temos que acatar tudo. Toda nossa correspondência, que um rapaz do correio trás, de oito em oito dias, o nosso endereçamento é esse: Pedro Avelino, Vila de Afonso Bezerra-Rn, até o nosso CEP nós perdemos, perdemos tudo, perdemos nossa cidadania, perdemos nossa cidade, perdemos os nossos habitantes.
--- E como vocês fazem suas compras, e recebem dinheiro?
--- Tem o Mercadinho Compre-Bem, dos Bertulezas, que no dia do pagamento, de todos que ainda resta aqui, manda nos buscar. Recebemos o dinheiro, pagamos a eles, fazemos nossas compras novamente, essas compras tem que dar para o mês todo, não tem outro local para se comprar, tem que se regrar tudo.
--- O que mais me deixa indignado, seu Manoelzinho, é esses dois cemitérios cobertos de lixo.
--- Aí estão enterrados, antepassados de todas as famílias de Pedro Avelino, aí tem muitos parentes seus e meus, e de muitos que abandonaram Pedro Avelino, aí tem de família de pobre á família rica, o cemitério não é clube de rico, entra todos, a entrada é grátis. Agora tem muitas estrelas luminosas que andam de sapato alto, que pensa que nunca vai morrer, que vai virar Matusalém, errado vai para o buraco também, e sabe o que leva para dentro da cova? Nada. Dentro da cova não cabe posição social, não cabe dinheiro, não cabe poder, não cabe carro importado, não cabe mansões, não cabe casa de praia, só tem uma coisa que cabe, é o orgulho que eles levam para sempre.
Os dois amigos saíram andando por dentro, das paredes da Escola Raimundo Cavalcante, e o velho mostrava ao amigo:
--- Nessa Escola eu fui professor e vice-diretor, aqui era a secretaria, encostado a diretoria, eram seis salas de aula, uma sala de computação muito bem equipada. Esse corredor grande dava para os bebedouros e para cozinha, aqui funcionavam três turnos, o pessoal do bairro São Geraldo, a maioria estudavam aqui, terminavam o primeiro grau, depois saiam para fazer o segundo grau na Escola Josefa Sampaio Marinho.
O velho mais o amigo saíram andando por dentro dos escombros, livrando-se, de caibros, ripas, enxamés, linhas e pedaços de telhas e tijolos. Quando o velho Manoelzinho descobriu entre um amontoado de telhas, um pôster grande do patrono da escola, Raimundo Cavalcante, mostrou para o amigo:
--- Essa fotografia é do patrono da Escola, Raimundo Cavalcante, foi Prefeito aqui, eu acho que seu avô conheceu muito ele.
Os dois pegaram o carro e foram se encontrar, com a família de José Câmara que ficaram sombrando debaixo do pé de Juazeiro. Os dois desceram e sentaram novamente na sombra do juazeiro, o velho tomou um pouco de refrigerante, os filhos de José Câmara brincavam com galinhas de pereiro e com bolinhas de juá. O velho Manoelzinho acendeu um cigarro, Engasgou-se com a fumaça, ficou com a cara vermelha, mas estava acostumado com aqueles engasgos, mas deixou o amigo preocupado:
--- Seu Manoelzinho, porque o senhor não para de fumar? Tabagismo mata.
--- Porquê, é o único divertimento que tenho na vida, é para espairecer, a minha vida não vale mais nada, deixar agora não adianta, não deixei quando era novo, depois de velho não dá mais, o que vier é lucro. Eu também nem estou esquentando muito minha cabeça com esse negocio de viver ou morrer, não tem cemitério para me enterrarem, não tem gente suficiente para fazer um enterro, eu não esquento mais com nada, o que vier para mim daqui pra frente é lucro.
Respondendo ao amigo com desdém, o velho riu baixinho com a boca mucha, um riso sem graça, sem gosto, um riso que não tinha felicidade. O amigo José câmara levantou-se, de onde estava sentado, chamou a todos para irem embora, inclusive o velho Manoelzinho, entraram no carro e seguiram desviando os buracos da rua Epitácio Pessoa até chegarem no conjunto IPE onde o velho ancião morava, parou, o velho desceu, rodeou por trás do carro e ficou em frente à morada. José Câmara desceu despediu-se do velho, deu-lhe um grande abraço e disse:
--- Seu Manoelzinho, foi um grande prazer ter conhecido o senhor, muito obrigado por tudo, e até um dia.
--- Até um dia não, até nunca mais, eu tenho certeza que nunca mais vamos nos ver. Agora não conte nada do que viu aqui a seu avô, deixe-o morrer com a felicidade do Pedro Avelino de antigamente.
--- Mas seu Manoelzinho o senhor quer que eu minta para meu avô?
--- Olhe José Câmara, conta uma lenda que, indo em direção a cidade de Poitiers com seu Exercito, Joana D’Arc encontrou no meio da estrada, um menino brincando com terra, pedras e galhos secos.
--- O que você está fazendo? – perguntou Joana D’Aarc.
--- Não vê? – respondeu o menino. – Isto é uma cidade.
--- Ótimo – disse ela. – Agora, por favor, saia do meio da estrada, que eu preciso passar com meus homens.
O menino levantou-se, irritado, e colocou-se diante dela.
--- Uma cidade não se move. Um Exército pode destruí-la, mas ela não sai do lugar, nem dos corações dos seus filhos que a ama.
Sorrindo com a determinação do garoto, Joana D’arc ordenou que seu Exército saísse da estrada e contornasse a “construção”. – Joana D’arc deixou o menino com sua ilusão.
Seu avô amava essa cidade, invente uma estória bem ilusionista para ele, o progresso que você viu na cidade de Afonso Bezerra, diga que é aqui em Pedro Avelino.
José Câmara abraçou o velho novamente, despediu-se e foi embora no seu carro posante. O velho entrou em casa e sua esposa Auxiliadora já o esperava com uma xícara de café pegando fogo, o velho bebeu, sentado na sua cadeira de balanço, depois acendeu um cigarro Hollywood, e ficou esperando a morte chegar.

Manoel Julião Neto

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